Naquele tempo,
Lampião por onde passava deixava suas lembranças como amigo, ou como um inimigo
feroz, sanguinário sem alma e sem consideração. Seus amigos eram amigos, seus
inimigos eram para serem mortos sem respeito algum.
Em muitos
sítios onde as casas eram próximas uma da outra, os moradores tratavam de se
protegerem conjuntamente. Ou seja, eles viviam sempre alerta, com armas e
munições ao alcance das mãos, prontos para enfrentarem o “Rei dos Cangaceiros”
e seu bando, alguns vindo em socorro dos outros. Exemplo disso, citamos as
pessoas que viviam, ou conviviam, nos sítios, fazendas, Bom Sucesso, Arado e
Santana.
Em princípios
de maio de 1926, Lampião cisma de passar uma noitada farreando em São Serafim,
hoje Calumbi, PE. São mortos vários animais, as paneladas de comidas são
providenciadas, os braseiros são acesos, as bebidas são encomendadas e o
sanfoneiro, Antônio Rodrigues, famoso na localidade, ‘contratado’. Virgolino
era, além de um ‘pé de forró’, um bom tocador de fole, sanfona, e durante a
festança ele mesmo tocava várias músicas para a cabroeira ‘arrastar o pé’.
Quando Antônio Rodrigues estava tocando, Lampião se divertia dançando, e assim
entraram por noite a dentro.
“(...) A noite
foi de festa. Uma hora Antônio Rodrigues tocava outra hora o próprio Lampião
pegava na ‘pé de bode’(Sanfona de oito baixos). Neste dia os cangaceiros
dançaram, comeram carne assada na brasa e tomaram cachaça até abusar! Lampião
ensinou a menina Leontina Gomes de Melo, ou dona Leontina como era conhecida, a
dançar xaxado e todos ficaram admirados em São Serafim como Lampião tocava e
dançava xaxado tão bem! E ele ainda dançou marzuca! Dona Joaquina de Agripino
dizia que na marzuca Lampião era mestre, dançava divinamente (...).” (“A Maior
Batalha de lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Paulo Afonso,
BA, 2017)
Mesmo nessa
festa toda promovida e curtida por Virgolino, e pelos amigos que tinha no
povoado, ele não descuidou da proteção costumeira. Envia vários ‘cabras’ em
diversas direções pra protegerem as estradas, veredas que davam acesso ao
povoado. Já depois do cantar do galo, ele ordena que seus homens parem de
farrear e procurem dormir, que depois do quebrar da barra teriam ‘trabalho’ a
fazerem. Sabedor do acordo entre os homens dos sítios referidos, ele determina
que cinco de seus homens de confiança fiquem a espreita e tocaiem aqueles que
poderiam vir das outras fazendas se ocorresse um choque, luta, entre ‘ele’ e
alguns de um dos três sítios.
Pois bem,
Lampião contava com cerca de cinquenta cangaceiros em seu bando, naquele
momento, e era muita gente que sabia usar a espingarda para simples roceiros
enfrentarem. Mesmo correndo risco de ser morto, um amigo no povoado, dos homens
que estavam nos sítios, envia um mensageiro para que não colocassem tocaia, emboscada,
em Lampião daquela vez, pois o mesmo tinha um grande contingente a seu comando.
E o risco seria enorme.
Sabedores da
quantidade da caterva, os homens dos sítios, que eram em torno de trinta,
resolvem não ‘provocar o diabo com vara curta’. Correriam um risco enorme de
serem mortos. Porém, como em todo lugar existe um maluco, mais doido do que os
outros, um cidadão, Manoel Peixoto, quando avisado da quantidade de
cangaceiros, estando a trabalhar no roçado com seus filhos, chama-os para irem
topar o ‘cego’. Notando que os outros não iriam emboscar Lampião e seu bando,
pega suas armas, seu bornal de munição e, depois de xingá-los, resolveu ir
sozinho emboscar a fera das caatingas sertanejas. No caminho, passa a imaginar
onde seria mais adequado o lugar para uma emboscada. Passando pela fazenda de
um compadre, seu afilhado lhe ver e pergunta: para onde iria armado? Ele
responde que iria colocar uma tocaia em Lampião e seus ‘cabras’. Seu afilhado
então resolve ir junto. Pega, também, suas armas e munição e segue seu
padrinho naquela ideia louca.
“(...) Ele
estava trabalhando com os filhos e os chamou para irem com ele, no entanto eles
disseram que não iriam, pois era suicídio e tentaram de todas as formas fazer o
pai desistir, mas, Mané (Manoel Peixoto), disse que eles eram umas mulheres
barbadas e se não tivesse um homem para ir com ele, ele iria só (...).” (Ob.
Ct.)
Os ‘cabras’
que Virgolino tinha mando ficarem de tocaia para ver se alguém dos sítios
vizinhos viria ao encontro de sua cabroeira, pegam e prendem, sequestram um
cidadão que morava na fazenda Santana. Esse cidadão era cego e caminhava sob a
ajuda de um ‘guia’. Após fazerem-no prisioneiro, mandam o guia de volta a sede
da fazenda com o recado de que se alguém descesse para atacar seus amigos, o cidadão
cego morreria. Mesmo essa pessoa não podendo enxergar, foi vítima de
maus-tratos, pancadas, humilhações e serviu de montaria para alguns dos
cangaceiros.
Mané Peixoto e
seu afilhado, Ducarmo, fizerem buscas nas redondezas e não notaram sinais algum
dos cangaceiros. Procuraram pontos elevados para terem uma total visão da
região e, nada, nem sombra da horda sanguinária. Pensam então que eles tomaram
outra direção e foram embora. Atravessando as armas nos ombros, retornam por
outro caminho. Na medida em que seguiam, botam para conversar sobre o que
poderiam terem feito e como seria importante para todos darem cabo de Lampião.
Virgolino, em
certo trecho da caminhada, leva seu bando para onde tinha água. Os cangaceiros
fazem uma ‘festa’ na beira do reservatório do líquido tão precioso para os
sertanejos. Uns lavam suas roupas, outros vão tomar banho e todos, antes de
tudo, procuraram encherem seus reservatórios individuais, as cabeças, que
serviam como cantis.
Ducarmo e seu
padrinho vão soltando conversas ao vento quando, de repente, um cavalo relincha
dentro do mato. De imediato os dois olham para o mesmo lugar de onde partira o
som e veem um cavalo branco.
Peixoto sabia, e tinha dito ao afilhado que na
notícia que enviaram, dizia que Lampião estaria montando um cavalo branco. Nem
deu tempo para mais nada. Espirra cangaceiro de tudo quanto é moita na beira da
estrada.
Sem tempo para
pegarem as armas longas, padrinho e afilhados se valem das curtas. Sacam seus
revólveres e começam a atirarem nos cangaceiros. Depois, conseguem atirar com
as outras... e o tempo fechou nas margem da Lagoa Grande.
Luiz Pedro,
tendo saltado para o caminho, reconhece, de imediato, quem é um dos dois homens
que seguiam de estrada afora. Nesse momento dar o alarma ao chefe e, colocando
sua arma em posição, a qual já estava manobrada, com bala na agulha, atira na
direção de Peixoto. O tiro do cangaceiro da fazenda Cordeiro é certeiro.
Atingindo a perna de Mané, essa se quebra e ele cai por terra. Mesmo assim, deu
tempo de Peixoto acertar o frontal de um dos cabras, que cai instantaneamente,
morto, junto a ele. O tiroteio é ferrenho. O “Rei dos Cangaceiros” não tendo
tempo, também para proteger-se, fica por trás de uma pequena pedra e isso lhe
salva a vida.
Os dois,
padrinho e afilhados, conseguem abrigos por trás de duas árvores frondosas e de
caule grosso, robusto. Uma maneira de brigar dos cangaceiros era gritando e
soltando inúmeros impropérios para com isso ver se seu inimigo frontal tremia e
esmorecia, porém, isso estava longe de ocorrer com aqueles dois homens do
sertão. No entanto, os inimigos dos dois eram numerosos. Passando o primeiro
instante, o “Rei Vesgo” começa a coordenar o cerco, já que estava ciente da
quantidade de adversários e suas posições. A coisa engrossa para os dois
valentes.
O mais velho, com os ossos da perna despedaçados, sinaliza para que
seu afilhado se aproxime. Arrastando-se ele faz o que o padrinho ordena.
Chegando perto, escuta ele dizer-lhe que sabe que não tem mais saída devido o
ferimento que tinha. Que ele procura-se seus filhos e lhe contasse como tinha
morrido, sendo um homem.
“(...) Mané
Peixoto viu que o cerco estava se fechando, o tiro de fuzil tinha esbagaçado o
osso de sua perna e ele estava brigando na valentia, mas sabia que sua vida
estava perdida, porque mesmo que chegasse ajuda os cangaceiros já estavam muito
perto e o cerco estava se fechando, logo iriam lhe acertar. Deu um sinal para
Ducarmo para que se aproximasse, rastejando ele chegou perto do padrinho e
ouviu:
- Olhe meu filho, para mim a luta tá perdida, sei que não saio com vida daqui,
vai e diga a meus filhos que morri, mas morri brigando como homem!
- Não padim, se for pra morrer vamos morrer os dois. Eu num lhe deixo só não!
- Olhe meu filho, me atenda, eu sou seu padim e eu tô morto de todo jeito. Sei
que desse tiro não escapo, se eu tivesse chance ia pedir a você pra ficar
comigo, mas eu não escapo, vou só é lhe sacrificar em vão. Vá, você é um homem,
foi uma honra brigar junto com você, diga no Bom Sucesso que dois homens
brigaram contra Lampião e 50 cangaceiros, e não levaram desvantagem, diga também
que Mané Peixoto morreu, mas levou um com ele. Vá, me obedeça, eu sou seu
padim. Saia logo, se não eles fecham o cerco e não tem mais como sair. Vá que eu
vou segurá o fogo! (...).” (Ob. Ct.)
Ducarmo ainda
relutou um pouco, porém, percebeu que seu padrinho estava com a razão. Ficou a
matutar como sairia daquela arapuca, e traria ajuda para socorrer seu padrinho.
A coisa não estava moleza. De um lado a água, por onde, se ele entrasse estaria
perdido. Por trás estavam Luiz Pedro com seus homens a apertarem, cada vez mais
o cerco. Na frente, estava Lampião entocado e mandando chumbo com um fuzil. De
repente, estala uma ideia. Percebe um pequeno intervalo nos disparos de
Virgolino, entre atirar e manobrar o fuzil, que seria, uma chance em um milhão,
mas, era a única que tinha. Assim que Lampião atira, ele levanta-se de um salto
e avança pra cima dele atirando. Lampião não teve tempo de manobrar sua arma, pois tinha que livrar-se das que Ducarmo atirava em sua direção. A única
maneira de livrar-se de uma bala daquele homem seria se movendo rapidamente.
Virgolino começa a mexer-se, rolando por cima de macambira, urtiga, coroa de
frade e a ‘febe tive’ que estive no solo, pois tinha que salvar sua vida.
Ducarmo com
seu 44 consegue disparar nove tiros, e por pouco não conseguiu matar Virgolino.
Sem poder parar, seguiu na toda em direção a uma cerca de aveloz que existia
logo a frente, que levava a fazenda Bom Sucesso. Um dos cangaceiros nota a ação
de Ducarmo, que é rápida e precisa. Pensando não ter mais munição na arma, o
cabra parte para pegá-lo de mão, quando já está para alcançá-lo, Ducarmo
vira-se e atira no meio do peito do cangaceiro que solta um urro e cai
prontinho no chão.
“(...) Na
saída, Ducarmo deu 09 tiros, seu rifle era um papo amarelo 44 de dez tiros, um
cangaceiro ainda partiu atrás dele pensando que ele tinha ficado desarmado,
sem munição, queria lhe pegar a mão, porém Ducarmo correu em direção ao Bom
Sucesso. Na cerca de aveloz o cangaceiro já ia triscando a ponta dos dedos nas
costas de Ducarmo quando ele se virou e atirou, dizia que atirou em cima do
peito, o cabra só deu um gemido e caiu como um bode. Ducarmo vendo que mais um
cangaceiro caía sem vida, gritou:
- Nós ganhamos padim, mais um já se foi! (...).” ( Ob. Ct.)
Manoel Peixoto
estava às voltas com os cangaceiros sedentos de sangue. Atirou até seu último
cartucho. Acabando a munição, o valente da fazenda Bom Sucesso saca da
lambedeira e grita desafiando Lampião para enfrentá-lo peito a peito. Os
cangaceiros o pegam e o desarmam daquela arma inútil naquele momento. O
terceiro filho de José Ferreira diz que seu oponente não era para morrer
daquele jeito, que se ele pedisse a benção, ele procuraria cuidar da perna
dele. Peixoto respondeu não querer, pois era homem. Lampião ordena a cabroeira
a matá-lo. Eles começam cortando as orelhas, depois, retiram suas calças e o
castram, por fim, Lampião saca de seu punhal medindo mais ou menos uns sessenta
centímetros e ele mesmo sangra Manoel Peixoto, na altura da ‘saboneteira’.
Deixando o corpo todo desfigurado, pois além das atrocidades feitas com armas
brancas, os cangaceiros disparam vários tiros no corpo dele, além de colocarem
em cima do mesmo seus órgãos genitais. Como lembrança, o “Rei dos Cangaceiros”
leva as orelhas e suas armas. Isso ocorreu na Lagoa Grande no dia 3 de maio de
1926, há exatos, 91 anos atrás.
Fonte “A Maior
Batalha de Lampião” – LIMA, Laurindo Teles Pereira (Louro Teles)1ª Edição. Paulo
Afonso, BA, 2017.
Foto Ob. Ct.
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