Por Antonio Corrêa Sobrinho
Subindo
montanhas, descendo rios, atravessando pântanos, cortando florestas virgens,
caminhando horas a fio, um grupo de 1.500 rebeldes, comandado pelo capitão Luiz
Carlos Prestes, desafiou por mais de dois anos – do final de 1924 ao início de
1927 – as tropas do Governo Artur Bernardes e até cangaceiros. A Coluna Prestes
– ou “Coluna Invicta”, por não ter perdido batalha – tinha como objetivo
derrubar o Governo Bernardes. Não conseguiu, após uma marcha de 25 mil
quilômetros, que terminou na Bolívia.
O começo foi no dia 5 de julho de 1924 – exatamente dois anos depois do levante
conhecido como “Os Dezoito do Forte”, em 1922. Uma nova revolução tomou conta
de Sergipe, Amazonas e São Paulo. Nos dois primeiros Estados, o Governo dominou
a rebelião facilmente.
Em São Paulo, contudo, os rebeldes, comandados pelo general Isidoro Dias Lopes
e pelo major da Força Pública de São Paulo, Miguel Costa, ocuparam a Capital
por três semanas, até serem expulsos. Rumaram então para o oeste e chegaram ao
Mato Grosso. Daí se deslocaram para Guaíra, no Paraná.
Envolvidos com a revolução desde 1922 – só não participara do movimento “Os
Dezoito do Forte” por estar com tifo -, o capitão Luiz Carlos Prestes, servindo
no 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo (Rio Grande do Sul), solicitou
licença para tratamento de saúde, até pedir seu afastamento do Exército em
setembro de 1924. Ele jurara fidelidade aos poderes constituídos e não admitia
participar da revolução na ativa.
No dia 29 de outubro, aconteceu o levante gaúcho. Ajudado por dois tenentes,
Prestes sequestrou o comandante do Batalhão Ferroviário, major Siqueira Montes,
assumindo o comando da tropa. Eram 300 homens, que o apoiaram. Além do Batalhão
Ferroviário de Santo Ângelo, Prestes reuniu o 2º Regimento de Cavalaria de São
Borja, o 3º Regimento de São Luiz Gonzaga e o 3º de Uruguaiana. E partiu para
se unir às forças paulistas.
Eram 1.500 homens no total – 800 da Coluna Rio Grande, comandada por Prestes; e
700 da Coluna São Paulo, comandada por Miguel Costa. O comandante paulista
defendia a luta frontal contra as forças do Governo, enquanto Prestes
sustentava que a pouca munição e a falta de equipamentos indicavam a
necessidade de uma tática de guerrilha. Só assim, garantia ele, a Coluna
poderia alcançar seu objetivo. Ou seja: percorria o interior do País, atraindo
as atenções das tropas federais, enquanto poderiam ser organizados outros
movimentos nas Capitais.
Foram 25 mil quilômetros, cobrindo Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás,
Minas, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Paraíba e
Bahia.
A pé ou a cavalo, precariamente armados, com fome e sede, os rebeldes escaparam
de grandes cercos dos contingentes do Governo. Daí Prestes ter optado pela
guerrilha.
Um dos exemplos desta tática foi registrado durante uma batalha em Piancó, na
Paraíba. Três colunas do Governo, somando 15 mil soldados, tentaram cercar a
Coluna Prestes, acampada na fazenda Buenos Aires, num contraforte da Serra
Negra. Prestes, então, ordenou que seus homens, após fazerem um giro de 23 léguas,
entrassem na caatinga, abrindo picadas, andando dia e noite. A marcha da Coluna
Prestes descrevia um arco que saía do rio São Francisco, atravessando o sertão
rumo à Bahia. A manobra ficou conhecida como “laço húngaro”, pois o trajeto era
muito parecido ao laço que servia de ornamento ao uniforme do Exército.
Na perseguição a Prestes e seus homens, foram utilizados também temíveis
cangaceiros, entre eles Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, o mais famoso
dos bandoleiros das caatingas nordestinas. O grupo de Lampião, contratado pelos
“coronéis” da região, não chegou, entretanto, a travar um combate direto com a
Coluna. Houve apenas algumas escaramuças, nas quais os dois grupos se
utilizavam da guerrilha.
Na verdade, o cangaceiro – preso e decapitado pelos “volantes” do tenente João
Bezerra em Angicos (SE), no ano de 1938 – foi apenas mais um instrumento que os
“coronéis”, atemorizados com o avanço da Coluna por suas terras, tentaram, sem
sucesso, utilizar, contra Prestes. O “Rei do Cangaço” e o “Cavaleiro da
Esperança” não chegaram, porém, a trocar um só tiro.
Mais de dois anos após a partida, a Coluna chegou à Bolívia, onde depôs suas
armas e Prestes iniciou o exílio, após um entendimento com o Presidente
Washington Luís, que acabara de eleger-se.
Prestes, no exílio, confessou o quanto foi dura a jornada:
- Os homens se alimentavam quando havia qualquer alimento. Um dia, no Piauí,
encontramos várias cobras, que bem serviram para saciar a fome. De resto,
caminhávamos sempre, a cavalo ou a pé. Aqueles homens tinham um grande orgulho
de pertencer à Coluna.
Jornal O GLOBO
– 08/03/1990
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