Já se tinha
notícias da presença do maior cangaceiro do século XX, Virgolino Ferreira da
Silva, vulgo Lampião, considerado o rei do cangaço - 1927/1940 - à Bahia no ano
de 1928. A possibilidade de ter levado Lampião a cruzar o Rio São
Francisco rumo aos Sertões da Bahia, seria, a que tudo indica a falta de opção.
Em todo o Nordeste só restavam Bahia, Sergipe e *Piauí, onde poderia
hospedar-se com o resto dos seus cabras.
O ataque a
grandes centros urbanos, acirrou os ânimos das policias de alguns estados
nordestinos, visto que houve repercussão nacional dos episódios. Daí por
diante, Lampião não teria trégua; o jeito era dispensar muitos de seus cabras.
Para facilitar a fuga da furiosa perseguição policial, quanto menos gente,
melhor.
Nessa altura,
coligaram-se as polícias de Pernambuco, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do
Norte e durante vários meses investiram numa perseguição implacável a todo o
bando. Não existia alternativa senão um dos três estados restantes do nordeste.
Para Piauí,
Lampião jamais iria, primeiro porque lhe era terra desconhecida e segundo
porque era o estado mais pobre, entre os pobres do nordeste. O bandoleiro sabia
por experiência que na Bahia iria encontrar condições favoráveis.
Se o Capitão
Virgulino não tivesse tentado ocupar Mossoró pela força, então o maior
município do interior do Rio Grande do Norte, ou tivesse conseguido,
provavelmente a Bahia jamais o tivesse hospedado em seu território.
Quando
desembarcou aqui na Bahia, em 21 de agosto de 1928, Lampião se quisesse,
poderia ter tentado reconquistar a sua condição outrora de homem livre,
trabalhador, honesto, produtivo. Não o fez. A índole de bandido calava mais
forte.
Ao pisar em
terras baianas, Virgolino Ferreira da Silva, já tinha 31 anos de idade,
ostentava a patente de capitão, título de que muito se orgulhava e fazia
alarde. Além de Mossoró (1927), assaltara, em lance de grande atrevimento, Água
Branca (1922) em Alagoas, quando saqueou a baronesa Joana Viana de Siqueira
Torres, despojando-a de joias e moedas de ouro do Império, com as quais passou
a enfeitar-se. Esse episódio, somado ao frustrado assalto a Mossoró, à patente
de Oficial do Exército e às inúmeras batalhas em que se envolvera (Baixa
Grande, junho de 1924; Serrote Preto, fevereiro de 1925; Serra Grande, novembro
de 1926), bem como ao saldo de mortes que lhe vinha no rastro, davam-lhe
prestigioso renome em todo o Brasil e até no exterior.
Recorte de
Jornal da Época
Um dos primeiros contatos de Lampião em terras baianas foi em Santo Antônio da
Glória. Lampião partira da Serra Negra (em Floresta, Pernambuco, seu estado
Natal), ladeou Riacho dos Mandantes de onde passou para as margens do Rio São
Francisco. Em seguida avançou pelas propriedades Sabiuçá e Roque, cruzou o
Velho Chico e ganhou as terras baianas. Aqui seu itinerário foi o seguinte:
Serra Tona, Fazenda Salgado e o povoado Várzea da Ema, município de Glória.
Após várias andanças e as notícias ocultas, somente em dezembro é que Lampião
ressurge no cenário baiano, exatamente no dia 15 de dezembro de 1928, na vila
do Cumbe (atual cidade de Euclides da Cunha). De lá partiram rumo a Tucano,
onde concede uma entrevista a um jornalista da terra e recebe a notícia que
mandaram buscar reforço policial na cidade de Serrinha, o que apressou a saída
do bando do município. Partiram de lá às onze horas da noite, aproximadamente,
em destino a Pombal.
Antigo Mercado de Ribeira do Pombal - Década de 50
Desde aqueles sábado, 15 de setembro de 1928, que já se sabia que Lampião
encontrava-se no município de Tucano, pois todos os viajantes, que lá
procediam, noticiavam aos habitantes de Pombal da visita do então cangaceiro.
Lampião e mais sete cabras do seu bando chegaram à vila de Pombal por volta das
seis horas da manhã, um domingo do dia 16 de dezembro de 1928.
O Sr. Paulo Cardoso de Oliveira Brito, mais conhecido como "Seu
Cardoso", narrou, detalhadamente, como foi a visita de Lampião na Vila de
Pombal:
"Eu era intendente, na época. Desde o sábado à noite se corria o boato na
rua que Lampião estava na cidade de Tucano, mas de paz. Eles chegaram de manhã, bem cedinho, eu estava deitado e o empregado estava
varrendo o terreiro da casa (o velho sobrado dos Britto), abordaram o empregado
e mandaram me chamar. Com certeza eles já haviam se informado quem era o
administrador da vila. O empregado subiu e me avisou, mas não soube dizer quem
era; fui até a porta às presas e perguntei a ele o que queria. Ele se
identificou por Coronel Virgulino. Tomei um susto ao perceber que estava diante do mais temido bandido do sertão.
Eram oito homens, sete ficaram encostados no carro e só o capitão tinha se
aproximado. Disse que queria tomar café. Mandei logo providenciar. Perguntou quantos
soldados havia na vila; respondi que apenas três; mandou avisá-los para não
reagir, pois estaria ali apenas de passagem ".
O próprio empregado foi até o quartel levar a tranquilizadora notícia,
transmitindo-a ao cabo Esmeraldo, comandante e chefe do destacamento.
Lampião e seus cabras de deliciaram com o café com cuscuz que lhe ofereceu o
anfitrião. Mas tarde, o bando chegou até o quartel, desarmaram os militares,
intimando-os a acompanhá-los até a cidade mais próxima para onde iam. Lampião
disse em tom sarcástico:
“... assim vou mais garantido porque estou com a força".
Antes de saírem, Lampião e seus cangaceiros foram conhecer a Vila Alegre com a
boa hospitalidade a eles oferecida. Para deixar uma ótima impressão de sua
visita à Vila de Pombal, perguntou se havia um fotógrafo; mandaram chamar
Alcides Franco, alfaiate e maestro da Filarmônica XV de outubro, que possuía
uma máquina fotográfica. Pediu que batesse uma chapa do bando para ali ficar de
recordação (essa foto é uma das mais nobres no acervo sobre o cangaceiro
presente em quase todos os livros, sobre o bandoleiro).
Lampião e seu bando na Vila de Pombal em 17/12/1928 - (Hoje, Praça Getúlio
Vargas) Ribeira do Pombal - BA.
Por volta de oito horas da manhã o bando saiu da vila, partindo
espalhafatosamente com destino a Bom Conselho (atual cidade de Cícero Dantas).
A partir daí Lampião continua suas andanças por terras baianas. Em 22 de
dezembro de 1929, vindo de Capela, interior do Estado de Sergipe, passando por
Cansanção, interior da Bahia, o Capitão Virgolino chega a Queimadas, cidade
próxima a Monte Santo. No cumprimento de mais uma de suas façanhas, Lampião,
nessa cidade, realizou um dos maiores saques cometidos na Bahia, acompanhado de
gravíssimos crimes e orgias de sangue.
Após sair de Queimadas, têm-se notícias do bando dos cangaceiros no arraial de
Triunfo (atual cidade de Quijingue), onde festejaram e saquearam o pequeno
comércio local.
Ao amanhecer do dia 25 de dezembro de 1929, portanto três dias após o
acontecido na cidade de Queimadas, mais uma vez Lampião e seus cabras chegam às
redondezas de Pombal.
Nesta mesma manhã, o Sr. Cardoso recebeu um bilhete, mandado por Lampião,
pedindo uma quantia exorbitante de dinheiro. A quantia era tão grande que se
reunisse todo dinheiro da Vila, não pagava.
O Sr. Cardoso temendo uma represália por parte do cangaceiro, se não enviasse
pelo menos uma boa parte de dinheiro e uma desculpa bem, convincente, conseguiu
o equivalente à metade do pedido, mandando pelo mesmo portador que trouxe o
bilhete.
Não se registrou nenhuma agressão ou tentativa de saque na Vila de Pombal,
certamente o Capitão Virgulino aceitou as desculpas do administrador local ou
imaginou outra hipótese, como por exemplo, a essa altura, talvez já se
encontrasse ali reforço policial e o bilhete que enviara dava testemunho de sua
presença nas imediações. Dava tempo muito bem da força preparar uma emboscada
caso ele tentasse invadir a vila. O certo é que Lampião dotado de muita astúcia
e arquiteto das mais engenhosas proezas, sem dúvida tivesse pensado inúmeras
desvantagens em tomar a Vila de Pombal para assalto.
Na mesma manhã do Natal de 1929, o bandoleiro chega ao distrito de Mirandela.
Foi previamente informado que o destacamento era constituído de apenas cinco
praças e um comandante; envia então uma intimação ao sargento, com os seguintes
termos:
"Sargento arretire daí levando sua pessoa que preciso intra neste arraiá
agora se você não sai ajusta conta com eu Capitão Virgolino vurgo
Lampião".
Certamente o comandante do destacamento ignorava o recente acontecimento de
Queimadas, onde Lampião enfrentou muito mais soldados do que os ali existentes.
O sargento Francisco Guedes de Assis demonstrou disposição e evitou acatar ao ultimato,
contrariando ao desejo do cangaceiro, mandou-lhe resposta num outro escrito,
com os seguintes dizeres:
"Bandido Lampião, estou aqui com a edificante missão de defender a
população do Arraial contra a sua incursão e do seu bando. Se você entrar lhe
receberemos a bala".
Pouca gente sabe desse episódio que aconteceu em Mirandela, porém, não só foi
contado por moradores que vivenciaram o caso, como também foi encontrado um
registro escrito por um dos cangaceiros, por nome de Ângelo Roque, confirmando
o fato. O registro manualmente escrito dizia:
"Seguimo para Mirandela. Mandemo dizer ao sargento, qui tava distacado lá, que nóis, ia passa ali, sem
arteração. Ele arrespondeu pelo portado qui nóis pudia passa pru fora da rua que ele num
botam persiga atraiz. Mais si nóis intrasse dento da rua levava tiro. Isso foi num dia vinte i cinco di dezembro. Nóis arrezorveu ataca. Um pade tava na igreja dizeno missa. Era um sargento Guedes. Disparemo as arma pra dento da rua qui istrondô i avanecemo pra frente".
O destacamento de seis militares, recebeu espontaneamente, a adesão de dois
civis: Manoel Amaral do Nascimento e Jeremias de Souza Dantas.
Guedes divide sua pequena tropa em três grupos, colocando-os em três pontos
diferentes e estratégicos. Eram dezessete bandidos contra seis militares e dois
civis. Os bandidos invadem o arraial, atirando em todas as direções; Mirandela
é heroicamente defendida.
A luta dura duas horas e meia, aproximadamente, apesar da desvantagem dos
defensores. Em determinado momento, o fogo dos sitiados começa a decrescer. Os
bandoleiros sentiram que estavam ganhando a batalha e acirraram o ataque.
Manoel Amaral do Nascimento foi ferido e, enquanto era conduzido pelo sargento
para o interior de uma casa, é morto à queima-roupa por um bandido que se
presume ter sido Alvoredo. Guedes ainda atira no cangaceiro, que pede socorro
aos companheiros. Ao notar que os cangaceiros atendem ao apelo de socorro,
Assis corre e se refugia no mato. Jeremias de Souza Dantas, popular Neco, o
outro civil, também é assassinado.
Depois do acontecido, um cangaceiro por nome de Labareda, documenta o fato em
uma folha de papel, reproduzindo o que se passou no local:
"Lampião entro pulo cento da rua, junto com Zé Baiano, Luiz Pedo e outros.
Zé Baiano tinha sumido de nóis dois dia só i tomo partido das disgracera de
Queimada. Us macaco de mirandela inda brigam muito mais porem terminaro
debandano. I si escondero pru perto cum pirigo pra nóis di tiro imboscados.
Morreu nessa brigada um camarada pru nomi Manoé de Mara. Matemo uns dento di
casa i um macaco materno pruquê pidiu paiz cum lenço branco na boca du fuzi i
ninguém intendeu ou num quis intendê. Tamem cangacero num tinha esse negoço di
faze as paiz nu meio das brigada. Ele teve di morre pois teve brigano. Tumemo
us dinhero pussive nu começo i nas casa”.
O saldo da guerra: morreram os dois civis, um dos militares, sendo que os
outros, inclusive o sargento Guedes, fugiram, embrenhando-se no mato; também
foi ferido um cangaceiro por nome de Luiz Pedro. O bando sai de Mirandela,
carregando o cangaceiro ferido, e vitoriosos, ganham o mato, como sempre, sem destino.
Têm-se notícias do bando, mais tarde, de que estariam num esconderijo, perto de
Pinhões, povoado de Euclides da Cunha, em um sítio é denominado Olho D'água.
Fonte: facebook
http://blogdomendesemendes.blogspot.com