Por Alfredo Bonessi
Alto, magro, moreno escuro, quase pardo, esguio,
meio corcunda, ágil, saudável, resistente a fadigas, manco do pé direito por
causa de bala - segundo quem lhe conheceu - por causa de calos no pé segundo
declarações dele mesmo, em estado espiritual, a um programa de televisão, com
belida no olho direito, um leucoma, assim era o corpo de Virgulino Ferreira,
vulgo Lampião.
De
personalidade alegre, disposto, temperamento inconstante, sujeito a crises de
fúria e descontrole, místico, religioso, rezador, intuição apurada, perspicaz,
agudeza de raciocínio, inteligente, líder nato, exímio atirador de armas curtas
e longas, fazendeiro, domador de animais de montaria, vaqueiro campeão, amante
de bebidas finas, cigarros, charutos e mulheres, excelente trabalhador em couro
e tecidos, narcisista, jogador de baralho sem sorte, impiedoso, cruel,
vingativo, justiceiro - falso moralista, abusou sexualmente de algumas
mulheres, embora, hoje, não sabemos se eram esposas ou filhas de inimigos. –
mesmo assim são fatos lamentáveis e inaceitáveis para qualquer época de uma
geração.
Desconfiado,
prudente, calculista, infiel mas respeitador das opiniões da companheira,
maleável até certo ponto, principalmente em algumas decisões a ponto de alterar
as ordens dadas por interferências dela, respeitado, temido, considerado,
perigoso, astuto, inquisidor, julgador, musico, dançarino, corajoso, amigo,
leal, acreditava nas pessoas, perfeccionista , gostava de tudo o que era bom,
rico, comerciante, artífice, laborioso, habilidoso e estrategista.
Lampião foi um
homem notável para o seu século. Não existiu até o presente momento ninguém
mais do que ele, igual a ele, em mesmas circunstâncias, fazer o que ele fez em
um ambiente hostil, carente de meios e desprovido de tudo, por tanto tempo
assim – mais de vinte anos - acossado por centenas de volantes policiais.
A impressão
que se tem pela fotografia acima, é que em 1928 – na visita a Pombal, possuía
um relógio de pulso no braço esquerdo.
Não sabemos
até hoje como conseguiu gravar o seu nome e o de sua mulher no interior das alianças
que ambos portavam e que simbolizavam a paixão que um nutria pelo outro.
Gostava de tudo que brilhava, que reluzia. Quem o avistasse pela primeira vez
ficava impressionado com aquele homem impecavelmente trajado de azul, ou brim
caqui, apetrechos ricamente ornamentados de variadas cores e matizes, armas
luzidias nas mãos prontas para o uso, tez da cor de cuia, olhar firme, voz
rouca, sons profundos que calavam fundo na mente de quem o ouvia – de repente a
pessoa, em seu intimo, sentia um arrepio, um frio, um medo, um temor – sentia a
impressão que estava correndo um grande perigo, e aguardava, apavorada, a
qualquer momento o bote daquela fera perigosa, de punhal em riste, e com a
ponta do aço duro cutucar a veia jugular na tábua do pescoço, sangrando a
vítima em questão de segundos.
O pavor que os
nordestinos sentiram quando estiveram frente a frente com Lampião, sentiram
também os homens que outrora conviveram com pessoas diferentes e superdotadas,
como por exemplo, quem esteve nas presenças de Alexandre, O Grande, Julio
César, Nero e Napoleão Bonaparte. – personagens da História, grandes
personalidades em suas diferentes épocas, alguns líderes excepcionais,
guerreiros, vencedores, que sucumbiram pela vontade do destino, dono absoluto
da vida das pessoas importantes. Quem os visse, a princípio, sentiam-se
admiradas diante de tanta beleza, depois de contemplá-los por alguns instantes
sentiam um respeito profundo pelo que viram, depois eram possuídas por um temor
inexplicável que lhe arrebatavam a alma e que lhes causavam calafrios, palidez
nas face, suor frio e tremores nas pernas.
Não se pode
desejar que lampião nasça em outro lugar, em outro país, em classes mais
abastadas. Lampião nasceu e se criou no lugar exato em que todo o homem valente
deseja nascer e ser criado - uma terra de homens corajosos, valorosos, que não
tem medo de nada e de ninguém. Homens acostumados a vida dura, difícil, onde só
o destemido, o persistente, o audacioso, os corajosos sobrevivem, tiram raças e
prosperam em cima do solo duro, pedregoso, domando o gado hostil - animais
bravios - em meios a serpentes venenosas, como a cascavel e rodeado de mata
espinhenta por todos os lados.
Quem visita o
lugar onde Lampião nasceu sente a alma envolta por um romantismo inexplicável,
o ar circundante é adocicado pelo aroma das flores silvestres. Ainda pode se
escutar o gorgeio livre da passarada ao amanhecer e ao entardecer; pode-se
sentir o cheiro natural que brota da terra estrumada; pode-se ouvir o guizo da
cobra oculta; pode-se escutar ao longe o mugido do gado na invernada; pode-se
imaginar o fogo aceso, panelas ferventes, chiando nas trempes, o prato de
bolinhos feitos pela Dona Jacosa, sua avó, o café fumegando na caneca, e as
suas mãos ágeis enfeitando o couro dos arreios, o seu semblante concentrado mas
feliz pela alegria que sentia de viver e de trabalhar, o prazer de tudo e por
tudo, o gosto pelo que é bom.
Toda essa vida
boa, doce, tranquila, prazeirosa, o destino ingrato retirou dos caminhos de Lampião,
menos a fé em Deus e o amor puro que nutria pelos seus familiares. Mesmo nas
horas mais difíceis de sua vida atribulada a paixão pela Virgem Santíssima
nunca se arrefeceu de seus pensamentos ardorosos, forjados por uma fé
inquebrantável – sentia um amor infinito e incompreensível pela Santa, a ponto
de sempre rezar em sua homenagem, ao deitar, ao levantar, ao meio dia e as seis
horas da tarde.
Lampião queria
viver bem e feliz. Queria ser o melhor em tudo e por tudo, de acordo com o que
Deus lhe dera. Por ser portador de qualidades inerentes a poucos seres humanos,
foi invejado, odiado, perseguido, traído e levado a morte, embora tenha feito
de tudo para que isso não acontecesse, pois era um amigo leal e de confiança,
era muito bom para quem fosse bom para com ele – Lampião era um homem de
palavra e não se apossava das coisas alheias por ser ladrão vulgar, salteador
de beira de estrada, fazia o saque por necessidade de manter o bando de
cangaceiros e por esse fato pedia sempre dinheiro as pessoas mais abastadas,
por carta, bilhetes ou mensageiros, ou simplesmente tomava delas.
Lampião a
frente de seus homens mantinha uma rede de informantes pagos a peso de ouro.
Aliciava policiais e pessoas influentes, e quando não conseguia demover o
perseguidor por bons modos, difamava-os, inventava historias cômicas sobre
eles, dava-lhes apelidos depreciativos, contava piadas que fazia brotar risos
na turma acampada aos redores das fogueiras, sobre esse e aquele oficial. Era
temerário, mas não poderia ter negligenciado a capacidade combativa de Bezerra
- o oficial que o matou- segundo Lampião, dito por ele mesmo, não tinha medo de
boi brabo, quanto mais de bezerra... o descuido, esse erro de avaliação
foi-lhe fatal e custou-lhe a cabeça naquela manhã de 28 de julho de 38.
Criou para si
e para seu bando sinais, códigos e gírias que significavam algo entre
eles, que conheciam a chave para decodificação, como por exemplo o L formado
pelo indicador e o polegar da mão direita que devia ser mostrado quando se
aproximavam das sentinelas do grupo. A três pancadas nos troncos das árvores -
mas não eram pancadas comuns, elas tinham intensidade, ritmo e freqüência, que
só os do bando sabiam executa-las.
A manutenção
dos esconderijos, os depósitos escondidos nos interiores dos troncos das árvores, de dinheiro, munição e armamento; a ocultação do cadáver do seus
comandados, o sumiço dos rastros, a camuflagem, a dissimulação, a finda, o
drible, a manobra audaciosa, o descarte dos dejetos dos acampamentos, a busca
pela água e pelos alimentos, - o lampejo na mente iluminada pela escolha da decisão
mais acertada, na hora certa e diante de grande perigo - fizeram o bando
sobreviver por longos anos, diante de volumoso número de perseguidores, graças
ao tirocínio de seu comandante, de sua visão combativa, de seu planejamento
bélico, do seu sentido de direção, de seus objetivos previamente ajustados e na
maioria das vezes bem sucedidos, e por esse fato granjeava a admiração e o
respeito dos seus seguidores, a ponto de sempre confiarem nele e o considerarem
invencível. Seu bando nunca andava a ermo, sem um roteiro estabelecido, se um
objetivo, sem uma missão a cumprir. Seus deslocamentos sempre tiveram início,
meio e fim.
Lampião morreu
no tempo certo e na hora certa. Morreu no apogeu da vida e da saúde. Morreu em
combate. Após o mortífero impacto da bala que lhe pos por terra, enquanto pode,
enquanto tinha uma pouco de energia, tentou ficar de pé, não conseguiu, se
contorceu até que o tiro final esgotou todas as possibilidades de vida. Um
espírito muito forte retornava a sua morada divina.
Lampião pode
ter sido o que seja, mas um dia voltará para cumprir a sua missão terrena em
uma nova chance dada pelo criador. Esperamos que tenha mais sorte desta vez.
Analisando a vida de grandes malfeitores podemos dizer que Lampião não teve as
mesmas chances e as oportunidades de fazer o bem que tiveram Reis, Rainhas,
Religiosos e Políticos da Nova Era. – pelo contrário – foram até muito pior do
que ele. As centenas de pessoas que caíram pelo aço de seu punhal ou pelas
balas de suas armas nem de longe se comparam aos milhões de mortes causadas
pela inquisição religiosa e nos porões das masmorras ideológicas. Talvez seja
por isso que Lampião mereça uma nova chance nesse mundo de pecado.
Alfredo
Bonessi. (Foto: Coroné Severo)
Estudante Pesquisador – Membro da GECC - Grupo de estudos do cangaço do Ceará e
SBEC - Sociedade Brasileira de estudos do cangaço.
Trasladado do lampiaoaceso
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