Por João Costa
Devidamente
apetrechados e montando burros selados a entrada de Virgulino Ferreira e seu
bando em Juazeiro do Norte em março de 1926 foi triunfal, cinematográfica, para
um encontro com o padre Cícero Romão, líder religioso católico de 82 anos, e
com o deputado Floro Bartolomeu, que não pode comparecer pois convalescia de
sífilis em estado terminal em um hospital do Rio de Janeiro.
De 4 a 7 de
março, Lampião e seu bando ficaram em Juazeiro do Norte, período em que
Virgulino aproveita para se reunir com seus familiares residentes na cidade sob
a proteção do famoso vigário, visitar ourives, comerciantes e, como bom
marqueteiro, fazer propaganda e relações públicas dele mesmo.
Não era
segredo para ninguém o objetivo da visita do bandoleiro. Ali estava também em
operação militar devido a acertos políticos anteriores feitos pelo deputado
Floro para que Lampião e seu bando, devido a capacidade de luta, atuassem como
força integrante do Batalhão Patriótico do Juazeiro para interceptar, dar
combate e impedir que a Coluna Prestes, uma força integrada por mais de mil
soldados ingressasse na chamada “Terra Santa” dos sertanejos.
O bando
permanecia nos arredores enquanto Lampião, tendo com sombra Antônio Ferreira e,
a média distância, Luiz Pedro e Sabino das Abóboras como reforço de segurança
pessoal, posou para fotos ao lado de familiares e do próprio bando, concedeu
entrevista, foi à almoços e jantares, distribuiu moedas com a meninada de rua e
romeiros miseráveis e pedintes.
Ao velho
vigário coube a missão de cumprir o que houvera sido acertado com o deputado
Floro: a entrega de armamento e munições novas em uso no Exército Brasileiro,
roupas e apetrechos, além da concessão de patente de Capitão para ele e de
tenente para o irmão Antônio.
Na entrevista
concedida ao médico e jornalista Octacílio Macedo e publicada no jornal O
Ceará, em 1926, no dia seguinte ao receber a patente de capitão do Exército
Patriótico, Virgulino Ferreira mentiu a seu próprio respeito, se descrevendo
como profissional, falando manso e pouco, quase sussurrando, modos tratáveis,
mas mantendo seu mosquetão inseparável sem sair das suas mãos.
Falou de
protetores e traidores, criou uma áurea de homem injustiçado, enfim fez
marketing. Eis um trecho da famosa entrevista.
Qual seu nome
e sua origem?
- Chamo-me
Virgulino Ferreira da Silva e pertenço a humilde família Ferreira, do riacho de
São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai sendo constantemente perseguido
pela família Nogueira e por José Saturnino, nossos vizinhos, resolveu
retirar-se para o município de Água Branca, em Alagoas.
E acrescentou, “Nem
por isso cessou a perseguição. Em Água Branca foi meu pai, José Ferreira,
barbaramente assassinado pelos Nogueiras e Saturnino, no ano de 1917. Não
confiando na ação da justiça pública – porque os assassinos contavam com a
escandalosa proteção dos grandes – resolvi fazer justiça por minha conta
própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e
resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias
inimigas para matar e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente”.
Seu grupo
recebe proteção de muita gente?
- Não
tenho tido propriamente protetores. A família Pereira do Pajeú é quem me tem
protegido mais ou menos. Todavia, conto em toda parte com bons amigos que me
facilitam tudo e me escondem eficazmente quando acho que estou sendo perseguido
pelos governos. Se não tivesse necessidade de procurar meios para manutenção
dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser
descoberto pelas forças que me perseguiam.
A revelação - "De
acordo com meus protetores, só um me traiu miseravelmente. Foi o coronel José
Pereira de Lima, chefe político de Princesa, homem perverso, falso e desonesto,
a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa
profissão”.
Como contém um
grupo tão volumoso?
- Consigo
meios para manter o meu grupo pedindo aos ricos e tomando à força aos usuários
que miseravelmente se negam a prestar-me auxilio.”
Dizem que você
está rico. Até onde isto é verdade?
- Tudo quanto
tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem dado para as vultosas
despesas do meu pessoal – aquisições de armas e munições. Convido notar que
muito tenho gasto com a distribuição de esmolas aos necessitados.
É comum
dizerem que os cangaceiros por onde passam deixam um rastro de sangue. Como é
seu comportamento?
- Tenho
cometido violência e depredações vingando-me dos que me perseguem e em
represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar famílias por mais humildes que
sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo
severamente.
Consumada a
vingança do seu pai, pretende deixar o cangaço?
- Até agora
não desejei abandonar a vida das armas com a qual me acostumei e sinto-me bem.
Mesmo que não fosse, não poderia deixar essa vida por que os inimigos não se
esquecem de mim e por isso eu não posso deixá-los tranquilos. Poderia
retirar-me para um lugar longínquo, mas julgo que seria uma covardia, eu não
quero nunca passar-me por covarde.
Existe algum
tipo de pessoa que tem preferência no relacionamento?
- Gosto
geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras
– agricultores, comerciantes, etc. – por serem homens de trabalho. Tenho
veneração e respeito pelos padres, por que sou católico. Sou amigo dos
telegrafistas, por que alguns já me têm salvado de grandes perigos. Acato aos
juízes por que são homens de lei e não atiram em mim. Só uma classe que eu
detesto: é a dos soldados, que são os meus constantes perseguidores.
Comprometeu-se
com o padre Cícero poupar o Ceará de suas razias; ali mesmo conheceu o
secretário particular do vigário, o libanês Benjamim Abraão, com quem se
encontraria anos depois.
E partiu. A
Coluna Prestes já estaria a este tempo muito longe do Juazeiro. A história
relada que do Juazeiro do Norte, Lampião e seu bando saíram bem armados e
municiados. Não há relatos do quanto supostamente teria recebido em dinheiro
para regatear com o bando.
Fonte:
“Apagando o Lampião – Vida e Morte do Reio do Cangaço, de Frederico P. de
Mello.
“Lampião, nem
herói nem bandido”, de Anildomá Willans de Souza.
Acesse:
blogdojoaocosta.com.br
Foto1. Lampião
e seus familiares em Juazeiro em 1926. F2. Floro Bartolomeu e Padre Cícero. F3.
Virgulino e Antônio Ferreira em Juazeiro.
https://www.facebook.com/groups/508711929732768
http://blogdomendesemendes.blogspot.com