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domingo, 24 de fevereiro de 2019

EM POÇO REDONDO-SE, MAIS UMA VEZ, DERRUBARAM LAMPIÃO. E DESSA VEZ, TÁ RUIM DE ELE SE LEVANTAR.

Por Rangel Alves da Costa

E desta vez está difícil de se levantar.

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LAMPIÃO, O CANGAÇO

Por José Mendes Pereira
Escritor Júnior Almeida

O escritor Júnior Almeida lançou recentemente o seu mais novo trabalho sobre cangaço com o título "LAMPIÃO, O CANGAÇO E OUTROS FATOS NO AGRESTE PERNAMBUCANO".


O jornalista Roberto Almeida escreveu o seguinte sobre o autor e sobre o livro:

"Com poucos mais de 40 anos de idade Júnior Almeida lançou seu primeiro livro, “A Volta do Rei do Cangaço”, uma ficção com um toque de Quentin Tarantino, pois mostra Virgulino vivo nos tempos atuais, como vítima de uma espécie de maldição que o torna imortal e não o deixa envelhecer.

“Tarantino mudou a história matando Hitler num atentado, por que não posso ressuscitar Lampião? ”, explicou Júnior, ao comentar o romance, que teve boa acolhida na região e em outras partes do país, principalmente pelos intelectuais apaixonados pelo inesgotável tema do cangaço. Agora, o escritor volta ao tema, mas desta vez deixa de lado a ficção e nos apresenta um trabalho de uma minuciosa pesquisa de campo, livros, jornais antigos e documentários, mostrando como o cangaço esteve presente em algumas cidades do Agreste Meridional, na primeira metade do Século XX.

O livro registra as ligações de coiteiros, volantes e cangaceiros com o Agreste Meridional, nas cidades de Águas Belas, Garanhuns, Angelim, Capoeiras, São Bento do Una, Caetés, Canhotinho e Paranatama, e a passagem de Lampião e outros bandoleiros por algumas delas. Na sua pesquisa, Júnior descobriu fatos relacionados com os “fora da lei do Sertão”, nunca antes revelados e o que são agora, neste livro que representa uma contribuição para a História do Cangaço, do Agreste, de Pernambuco e do Brasil.

Um dos personagens que chama a atenção, no trabalho, é José Caetano, um dos maiores nomes no combate ao cangaço, militar que lutou contra as forças de Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião. O destemido volante morou em várias cidades de Pernambuco e terminou a vida em Angelim, a pouco mais de 20 km de Garanhuns, onde está sepultado. Dona Branca, de Paranatama, que viveu até os 103 anos de idade, foi entrevistada mais de uma vez pelo autor do livro e passou informações bem interessantes da passagem de Lampião por Paranatama, alguns anos antes do bandido ser assassinado pelas forças volantes, em 1938.

Capitão Virgulino Ferreira passou uma das maiores humilhações de sua vida no ataque a Paranatama, que à época se chamava Serrinha: sua companheira, Maria Bonita, levou um tiro na bunda e os cangaceiros tiveram de fugir pressas, levando a mulher nos braços. Lampião saiu cheio de ódio a Serrinha e prometeu voltar um dia para incendiar a vila e matar todo mundo que morava no lugar. Tudo isso e muito mais, num estilo seco, objetivo, você vai encontrar em “Lampião, o Cangaço e Outros Fatos no Agreste Pernambucano”. Vale a pena a leitura pelas informações inéditas, por esse novo olhar no fenômeno do cangaço e pela identificação do autor com a realidade de uma parte do Agreste de Pernambuco.

Júnior se interessou por História e está fazendo História, com seus livros que falam de bandoleiros conhecidos, que retratam a luta das forças do governo contra os pistoleiros da primeira metade do século passado, com violências praticadas pelos dois lados e o povo pobre sofrendo, vítima dos cangaceiros, dos coronéis do Agreste e Sertão, do próprio Governo, que ontem, como hoje, tende a servir aos poderosos. Roberto Almeida"

Eu já recebi o meu e agradeço de coração ao escritor pela dedicatória e pelo excelente trabalho que acabou de nos entregar. 

PARA ADQUIRI-LO ENTRE EM CONTATO COM O AUTOR ATRAVÉS DO FACEBOOK OU ZAP 

879 9824 4582

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BELEZAS DO SERTÃO SERGIPANO E HISTÓRIA DO CANGAÇO SÃO DESTAQUE NO JORNAL DA RECORD

https://www.youtube.com/watch?v=3T0F6Zplu0M&feature=share

Publicado em 17 de set de 2013
Rede Record inicia série sobre o cangaço. Na primeira reportagem, destaca para a Gruta do Angico e as belezas das águas do Rio São Francisco em Canindé (SE), Paulo Afonso (BA) e Penedo (AL).
Categoria
Sugerido por Rádio e Televisão Record

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POÇO REDONDO, O DESEMPREGO E A DESESPERANÇA DE UM POVO

*Rangel Alves da Costa

A cada final de semana que estou a Poço Redondo, eis que me chegam notícias de amigos que se bandearam para as distâncias em busca de dias melhores, de um emprego qualquer que lhes garanta algum sustento.
Verdade, assim que chego vou perguntando por um e outro e as respostas são as mais desalentadoras possíveis. Um foi tentar a sorte na construção de uma barragem, outro foi trabalhar numa rodovia lá pelos fins do mundo, outro foi para São Paulo respirar cimento e pó, outro foi para o Rio de Janeiro na ilusão de algum ganho.
E assim os jovens poço-redondenses vão deixando sua terra em busca de sonhos arriscados demais. Mas não são sonhos, são necessidades, são extremas necessidades. Não é fácil para um jovem subsistir e se manter onde não há qualquer tipo de emprego. E principalmente quando o jovem é casado e tem uma casa e família para sustentar.
Fazer o que, viver de que? Pedir, esmolar? A verdade é que Poço Redondo não tem garantido a seus filhos sequer o mínimo de esperança. Não há indústrias no município, não há empresas de grande porte que garanta emprego, não há movimentação alguma na construção civil, não há vagas no comércio, não há emprego público, não há nada que possa sustentar o sertanejo no seu lugar.
O município empobrecido, sem geração de renda nem suficiente circulação de moeda, não possibilita sequer o surgimento de empregos temporários. O pequeno comércio informal também é afetado pela falta de dinheiro no bolso da população. Por todo o município, conta-se nos dedos o número de empresas e de comércios que aproveitam a força de trabalho local. E é gente demais para tão pouca vaga, para tão pouco emprego.
Muitos dos que possuem empregos na prefeitura, por exemplo, não revertem seus ganhos dentro do próprio município, e sim nas suas localidades de origem. Os contratados locais, além do pouco ganho, sofrem atrasos e mais atrasos no seu recebimento, forçando a geração de uma pobreza empregada.


Tudo isso esvazia o comércio local, fecha portas, diminui as chances de surgirem novas vagas. E tudo num círculo tão danoso que outra coisa não se vislumbra senão a desesperança total e absoluta na maioria da população.
Também desalentador o fato de que não se tem notícias que a administração municipal faça algum esforço para mudar tal situação através da exploração das riquezas históricas, geográficas e culturais, possibilitando o fluxo turístico, e garantido emprego e renda para muitos sertanejos.
Ora, Piranhas vive e sobrevive do turismo, e até das riquezas de Poço Redondo, e com isso garante sua sobrevivência econômica. E por que Poço Redondo não age no mesmo sentido? Canindé, bem ali ao lado, faz do turismo uma importante fonte de renda e de garantia de emprego. E por que Poço Redondo não o faz? E dos municípios citados, Poço Redondo se sobressai a todos, pois possuidor de muito mais potenciais turísticos.
Através do turismo, o ganho do artesão, do guia, do estradeiro, da doceira, do cozinheiro, do ribeirinho, do dono do barco, do comércio em geral. Contudo, parece até política de governo o desprezo total de um município e seu povo. Por consequência, temos um Poço Redondo que só faz regredir no tempo, empobrecer cada vez mais e deixar seu povo ao desalento, sem esperança alguma de dias melhores.
E enquanto isso, os jovens continuam indo embora, em sonhos cegos, em vãs esperanças. Os sonhos continuam indo embora. Tudo vai sumindo, indo ao perigoso desconhecido. Mas ficar seria ainda mais sofrimento. O autêntico poço-redondense nunca pediu esmola a ninguém, ainda que a cuia já possa ser avistada em muita mão e em muito olhar de tristeza. A verdade é que, infelizmente, no fundo do poço estamos.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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ZÉ PEREIRA CONCEDE ENTREVISTA


Por Antonio Corrêa Sobrinho


AMIGOS, leiam esta interessante e rica matéria.

Em 1930, em pleno "Estado Livre de Princesa", na Paraíba, o famoso coronel José Pereira falou longamente ao repórter dos "Diários Associados", Victor do Espírito Santo.


Reportagem para mim duplamente interessante, por conta de um ocorrido: a inesperada e momentânea presença deste notável jornalista na minha pequena e querida Aracaju de 1930, quando o hidroavião que o transportava do Rio a Recife, de onde ele iniciou a peregrinação em busca de Princesa e do famoso Zé Pereira, precisou, vocês saberão o motivo, demorar um pouco mais em Aracaju, momento este que Victor fez questão de deixar registrado no âmbito desta histórica matéria.

EM BUSCA DE PRINCESA, O MUNICÍPIO REVOLUCIONADO DA PARAÍBA.

Victor do ESPÍRITO SANTO

(Enviado especial d’O JORNAL e do “Diário da Noite” do Rio e do “Diário da Noite” de S. Paulo)

DO RIO A RECIFE EM AVIÃO DA CONDOR – PARADA INESPERADA EM ARACAJU E UMA OPORTUNIDADE PARA UMA ENTREVISTA PITORESCA – MANÉ CAROÇO VISTO POR UM BACHAREL DE 84 – RECIFE

RECIFE, 13 – (Por avião) – Não fui inteiramente feliz nesta minha primeira viagem aérea.

Para que uma viagem assim longa decorra a contento, necessário é que se tenha por companheiros pessoas com as quais possamos trocar impressões, tornando menos insípidas as longas travessias quando a vista se cansa de admirar o oceano, “que castiga pela majestade e o litoral que se repete milhas e milhas sem um fato novo que prenda a atenção, que desperte a curiosidade. E eu não tive desses companheiros quando saí do Rio, no “Olinda”, o possante e seguríssimo avião da Condor. Foram meus companheiros até à Bahia, dois alemães quase mudos e cujo sono acabou por contagiar-me.

Em Canavieiras, porém, assaltou-me a esperança de que ia ser melhorada a viagem, pois nessa pequena cidade deveriam embarcar cinco passageiros para a capital baiana. Não fui, ainda desta feita, feliz. Os meus novos companheiros eram o prefeito de Canavieiras, um engenheiro, um mecânico da Condor, um médico e a sua esposa. A não ser o mecânico, todos os demais eram políticos que empregavam todo o tempo em discutir o coeficiente de votos que o coronel fulano deveria dar e não dera e outras coisas que tais enquanto isso, a senhora do médico cansava-se de enjoar...

Na Bahia, a situação mudou-se, afinal. Quando, na Ribeira, esperava o pequeno bote que deveria conduzir-me para bordo do novo avião em que iria prosseguir a viagem até Recife, uma figura muito nossa conhecida desembarcou de um automóvel para seguir também em demanda do aparelho: tratava-se de monsenhor Rosalvo Costa Rego, o vigário geral aí do Rio. Ia, enfim, ter uma ótima companhia! E o foi efetivamente. Com a sua palavra atraente, a sua verve encantadora, o seu espírito fino, a sua inteligência brilhante e os seus grandes conhecimentos da zona que íamos percorrer, monsenhor Costa Rego era a companhia desejada.

Era a primeira vez que o ilustre vigário geral do Rio embarca em um avião e o fazia, disse-nos ele, sem satisfação devido às condições que o obrigavam a utilizar-se daquele meio de viação: desejara chegar a Maceió quanto antes por precisar visitar uma pessoa cara que se encontrava gravemente enferma. Infelizmente, a bordo do "Itaité", recebera comunicação de que essa pessoa falecera. E agora prosseguia viagem por já estar de passagem comprada e ter de providenciar sobre o espólio da pessoa que morrera, sua mãe de criação.

Deixamos a Bahia às 6 horas, e pouco antes das 9, o “Blumenau”, numa descida elegante e suave pousava os seus flutuantes no porto de Aracaju a fim de aí entregar a correspondência e receber gasolina. A demora deveria ser rápida, de 15 minutos, se tanto. Assim, pouco depois das 9 horas, o “Blumenau” erguia-se das águas, elevava-se sobre Aracaju e contornava a pequena mas linda capital sergipana. O motor, porém, não estava funcionando a contento, conforme foi notado pelos tripulantes do avião. E após atingir uma altura de cerca de 1000 metros, o “Blumenau” descia novamente e com rapidez, um tanto precipitadamente para alcançar outra vez o ponto de onde partimos.

Era, disse-nos o piloto do avião, o tubo de óleo que não estava funcionando com regularidade e, por isso, necessitava de reparos, que demandariam cerca de duas horas. Apresentava-se-nos uma oportunidade para percorrer a cidade de Aracaju e íamos aproveitá-la.

GREVE DE CHOFERES

Aracaju, a pacata capital do pequenino Sergipe, recebeu-nos a mim e aos meus companheiros de excursão com curiosidade. Ainda é herói em nossa terra quem viaja de avião. E nós éramos considerados como heróis...


Tornava-se incômoda aquela situação de alvos da curiosidade pública e, por isso, procurávamos um meio de evitá-la aproveitando também a oportunidade para conhecer a cidade.

Saímos em busca de automóveis, mas em vão, pois não encontramos um só desses veículos de aluguel na cidade. Um sergipano baixo e cheio incumbiu-se de dar-nos a explicação de ausência de autos e fê-lo na sua linguagem de homem do povo, dizendo a monsenhor Costa Rego:

- Hoje, “seu” padre, não há automóvel, não sinhô. Os “chofé” estão em greve porque obrigaram eles a mudar de ponto.

E um outro habitante de Aracaju atalhou logo, desolado:

- Que triste impressão vão os senhores levar de Sergipe!...

Mas, “há males que vêm para bem” diz o rufião. A greve dos choferes privou-nos de percorrer a cidade, que víramos do alto. Em compensação proporcionou-nos ensejo de manter com um homem simples, uma palestra pitoresca em que a língua por vezes solta de um velho bacharel, de um bacharel de 84, teve palavras de brasa contra muitos dos nossos homens públicos.

UM SENHOR DE ENGENHO, O GOVERNADOR DE SERGIPE:

Na falta de um meio de condução que nos levasse aos diversos pontos da cidade, não nos aventuramos a andar a pé pela cidade de Aracaju, para evitar que se formasse uma procissão atrás de nós. Era, no entanto, necessário esperar que terminassem os consertos no avião. Por isso, encaminhamo-nos para o cais, onde se aglomeravam populares para ver o aparelho. Monsenhor Costa Rego, era quem mais chamava a atenção dos sergipanos, que para ele se voltavam curiosos. Assim, quando o ilustre sacerdote chegou no coreto existente no cais, foi logo abordado por um cavalheiro de idade avançada, cabeça inteiramente calva, bigodes brancos e barba por fazer, olhos empapuçados e orelhas um tanto grandes, que, de chofre, lhe perguntou:

- Seu padre, o senhor veio de avião?!

- Sim, vim no “Blumenau”.

- Que coragem, seu padre! Eu não viajaria naquele bichinho, nem para ganhar mais de dez anos de vida... Deus deu asas aos pássaros e só os pássaros podem voar. Se Deus quisesse que os homens voassem, ter-lhes-ia dado asas também. Se não o fez...

- Qual! – atalhou o vigário geral – não há o menor perigo em viajar-se em aeroplano. Creio que o automóvel oferece menos segurança.

Embora, porém, todos os argumentos de monsenhor Costa Rego, corroborados por mim e pelo terceiro companheiro de viagem, o velho mostrou-se irredutível, assegurando:

- Salviano Corrêa de Oliveira Andrade, advogado formado em 1884, morador em São Cristóvão, nunca viajará naquilo. Quero morrer naturalmente e não precipitar os acontecimentos.

Em pouco a conversa descambou para a política e o velhinho, entusiasmando se, provocado sempre por monsenhor, ia falando de uma situação, atacando outra oposição, elogiando Pernambuco e dizendo sempre:

- Isto é um país perdido. Então Manoel Dantas é lá homem para governar Sergipe?! Ele é um senhor de engenho, um coronel de poucas letras, um homem rude. Honesto, isto lá ele é. Mas nunca estudou direito administrativo, não sabe o que é uma administração adiantada.

- Então o senhor é oposicionista?

- Não! Sou conservador. Não posso formar com esses malucos dos liberais. Eles querem implantar aqui doutrinas do Soviet e eu, um homem de leis, não posso estar de acordo com eles. Sou conservador e, embora tenha admirado o governo que fez o doutor Graccho Cardoso, não posso aplaudir-lhe o gesto que vem de ter rompendo com o governo. É um homem inteligente mas dessa vez falhou. Eu acho é que nós precisamos de uma monarquia como a de D. Pedro II, a de Victor Manoel, a de Jorge V. só assim é que consertaríamos a situação má que atravessamos.

- Mas Mussolini é um ditador e o senhor, um homem de lei, não pode aprovar uma ditadura! – disse provocadoramente monsenhor Costa Rego.

- De modus in rebus – fez o doutor Corrêa – Ele salvou a Itália do abismo. Eu ando bem informado, esteja certo, pois sou assinantes do Diário de Pernambuco, o decano da imprensa brasileira.


E o bom velho, atacando os liberais, fazendo caretas horríveis quando pronunciava a palavra liberal, entrou a dissertar sobre a política federal, a pernambucana até que, provocado por monsenhor Costa Rego, abordou a situação de Alagoas, assegurando:

- Lá está um tal Sr. Paes, um homem de poucas letras, tal como o Sr. Manoel Dantas.

- Mas ele é seu colega, bacharel – disse um dos presentes.

- Ser bacharel, hoje, não é nada. Vai-se agora analfabeto para a Bahia e volta-se sobraçando uma bolsa de couro e com o título de bacharel. Pergunta-se a um desses bacharéis o que é Corpus Juris e ele dirá que é sanduíche... no meu tempo, sim, é que se estudava para se obter um pergaminho assinado em nome de Sua Majestade o Imperador. Hoje, parece que os bacharéis sabem tanto como o coronel Manoel Dantas.

Monsenhor Costa Rego procurou ainda encaminhar a palestra para o seu irmão, o ex-governador de Alagoas. O avião, porém, já estava pronto e tivemos necessidade de deixar o bom velhinho, que, ao despedir-se do sacerdote, depois de abraça-lo demoradamente, fez questão de novo abraço, dizendo:

- Esse abraço foi-me ao coração! Dê-me outro, seu padre!

Daí a instantes, depois de uma tentativa frustrada, o “Blumenau” levantava voo e demandava a Alagoas, para daí tomar a direção de Recife, onde desembarquei, afinal, às 15 ½ horas de ontem.


Preparo-me agora para atravessar o sertão pernambucano, andar várias léguas de trem e automóvel para conseguir penetrar em Princesa. Conseguirei? Lograrei defrontar-me com o coronel José Pereira e entrevista-lo? É o que vou tentar.

O Jornal - 18.04.1930

NO REDUTO DO SR. JOSÉ PEREIRA, O CHEFE SERTANEJO DISSIDENTE DA PARAÍBA –

A VIAGEM DO ENVIADO ESPECIAL D’ "O JORNAL", DO "DIÁRIO DA NOITE", DO RIO E DO "DIÁRIO DA NOITE" DE S. PAULO ATÉ A CIDADE DE PRINCESA, NO INTERIOR PARAIBANO – OS RECURSOS BÉLICOS DOS CANGACEIROS – O AMBIENTE NO SERTÃO DA PARAÍBA

Levado pelo intuito de oferecer aos seus leitores um depoimento tão amplo quanto possível, em torno dos acontecimentos que se estão desenrolando no interior paraibano, com a ocupação da importante cidade de Princesa por um grupo de homens armadas, sob a chefia do Sr. José Pereira, O JORNAL, em combinação com o Diário da Noite desta capital e o Diário da Noite de S. Paulo destacou um dos seus redatores para colher, de visu, no próprio teatro da luta armada, que ora se trava no interior daquela unidade federativa do norte, impressões que logrem dar uma justa ideia e definir as verdadeiras proporções do levante cangaceiro que se opõe ao poder constituído da Paraíba.

O nosso enviado especial teve ensejo, no desempenho da missão de que foi portador, de visitar o reduto do chefe dissidente paraibano, onde demorou-se o suficiente para observar o vulto e os objetivos das atividades rebeldes do Sr. José Pereira, cuja palavra, ainda por seu intermédio, os nossos leitores terão oportunidade de conhecer, através das correspondências que hoje começamos a publicar.

RECIFE, 15 – É das coisas mais penosas ter-se de atravessar o sertão pernambucano, percorrendo léguas e léguas das mais horríveis estradas. Logo que se sai de Recife começa o suplício com a viagem em incômodo trem da Great Western, por caminhos poeirentos, com paradas intermináveis e marcha de caranguejo. E percorrem-se, assim, durante mais de novo intermináveis horas, 270 quilômetros, para atingir-se Rio Branco, o ponto terminal da linha! Viagem bem mais incômoda que em qualquer trem da Linha Auxiliar...

De Rio Branco a Princesa são 30 léguas que se percorrem em automóvel, numa verdadeira corrida de obstáculos em que a perícia e o arrojo dos choferes são a cada instante reclamados. Chegando a Rio Branco às 16 horas do dia 12, quatro horas após embarcava eu em um auto que me deveria conduzir à cidade dominada por José Pereira e seus homens.

Não me foi fácil encontrar quem me conduzisse até princesa, dado o receio dos choferes de penetrar na cidade que se encontra fora da lei e onde se afirma José Pereira vem desde longos anos fazendo valer a sua vontade, encobrindo crimes e mandando executar outros.

Afinal, com a interferência do prefeito de Rio Branco, coronel Antonio Japiassu, que tinha interesse em mandar para o seu colega de Flores, coronel Antonio Medeiros, a fim de que este as enviasse a José Pereira, duzentas e cinquenta alpercatas de couro cru, que recebera de Recife, conseguiu-se um auto com chofer disposto a fazer a longa caminhada. No auto, porém, deveriam seguir as alpercatas...

No dia imediato, domingo, entrava eu em Princesa, onde a melhor das recepções me foi feita e da qual me ocuparei em outra reportagem. Quero agora dizer como encontrei a cidade de onde José Pereira se corresponde, como ele próprio me afirmou, diretamente com os presidentes da República e de S. Paulo.

DESOLAÇÃO

José Pereira havia sido avisado de minha visita, e, por isso, tratara de preparar ambiente para que a minha impressão fosse a melhor possível. Mandara vir para a cidade algumas famílias, determinara que se preparasse uma mesa farta para o almoço, fizera com que os melhores dos seus homens, os mais abastados, ficassem na parte central do lugar, de forma que eu trouxesse de Princesa uma impressão que desmentisse tudo o que de mal se dizia a seu respeito.

E, efetivamente, a julgar pelo que me foi mostrado em Princesa, teria eu de voltar daquele longínquo lugar aplaudindo a atitude de José Pereira, se não estivesse bem ao par da situação dos verdadeiros motivos que determinavam o seu gesto de rebeldia.

Princesa bem merece o nome que tem, pois é uma cidade de bom aspecto, a melhor dos que percorri em toda a zona sertaneja, exceção feita de Triunfo. Possui boas estradas, bens prédios, recursos próprios, embelezamentos naturais e feitos pela mão do homem, sendo, no sertão, uma cidade em que se pode viver.

Logo à entrada, porém, da cidade, tem-se a impressão de desolação e tristeza: casas abandonadas e inteiramente fechadas, com mato a atingir já à altura das janelas. Nem uma só pessoa em longa extensão, para afinal só se encontrar homens em armas, quando se entra na porta central do povoado.

Às margens das estradas, trincheiras construídas de pedra e barro, tendo a guarda-las sertanejos de caras assustadas e olhos inquiridores.
E Princesa que, em dias normais, deve ser uma cidade de movimento, atraente e interessante, apresentava naquele domingo em que lá estive um aspecto de desolação.

AS ARMAS DE PRINCESA

Na longa palestra que comigo entreteve, José Pereira teve ocasião de referir-se às armas com que conta, armas que, escassas a princípio, ele afirma serem agora abundantes, o mesmo sucedendo com relação à munição, que me foi assegurado bastar para seis meses de luta. E disse-me:

- “Afirmar-se que o governo pernambucano me vem auxiliando, fornecendo-me armas, munição e gente, é uma inverdade. As armas que aqui tenho são de particulares e foram adquiridas para combater os cangaceiros, quando Lampião andou por aqui. O Sr. João Pessoa quis toma-las, como fez com outros municípios, mas eu não me submeti à sua ordem e por isso, tenho hoje armas. Possuo também duas metralhadoras além de um pequeno canhão que só serve para arrombar portas. O governo de Pernambuco só tem feito prejudicar-me, com revistas rigorosas e vexatórias à entrada da cidade, fazendo ainda com que amigos que tenho em localidades pernambucanas deixem de vir dar-me a sua adesão, pelo temor das consequências que as providências do Sr. Estácio fazem prever.”

Nessa revista o carro em que eu viajei sofreu e foi efetivamente rigorosa. Verificou-se o mesmo em Flores, à saída da cidade. Entretanto, pouco antes dela ser feita, o comandante do destacamento do lugar, tenente Severino Felix, respondendo a uma pergunta por mim feita sobre a passagem para Princesa e os empecilhos que poderia encontrar, disse-me:

- “A não ser armas, que só passam com ordem do governo”, tudo mais pode seguir, sem qualquer dificuldade”.

OS HOMENS DE JOSÉ PEREIRA

Em Recife, assegurava-se que José Pereira tinha sob suas ordens cerca de 1500 homens.

O chefe do movimento armado afirmou-me, porém, que conta com 700 homens aproximadamente, o que leva a acreditar ser ainda inferior o número de sertanejos em armas.

Os que foram apresentados o farão como fazendeiros, lavradores, operários, gente do lugar, exclusivamente, havendo até entre eles um bacharel em direito, que exercia em tempo normal as funções de promotor da cidade. Mostravam-se todos animados e confiantes na vitória.

José Pereira teve a habilidade de fazer-lhes crer que se o governo paraibano conseguir vencê-los, terão todos eles as suas vidas sacrificadas e as suas propriedades incendiadas. Por isso, o encarniçamento com que lutam.

Um desses homens, a quem transportei de Princesa a São José, no automóvel que me servia, declarou-me: - “Eu não estou nessa luta por gosto, pois não tenho e nunca tive prazer em matar ninguém. Mas devo tantos favores a José Pereira que não posso deixar de estar a seu lado. Além disso não quero ser “sangrado” nem tão pouco que eles incendeiem a minha propriedade.”

Assegurou-me José Pereira que Princesa unânime está a seu lado e que aqueles que não lutam por não terem sangue de homem de guerra, favorecem a sua causa, fornecendo-lhe recados, roupa e mesmo gado.

A RESISTÊNCIA DE PRINCESA

Não obstante toda a fanfarronada de José Pereira, dizendo que Princesa não cairá e que poderá manter-se em luta durante meses e meses, a impressão que trouxe daquela zona e do que observei é que o reduto de José Pereira não poderá resistir a um ataque forte das forças paraibanas, ataque que talvez, à hora em que estas notas estiverem circulando, esteja sendo feito.

As forças rebeldes não têm chefes capazes de um bom plano estratégico, pois cada qual dá a sua opinião, que José Pereira acata, para depois aceitar outra inteiramente contrária. Em guerrilhas, em emboscadas, são capazes de manter-se em luta longo tempo. Mas a um ataque seguro não terão com que resistir. É preciso saber se a polícia paraibana conta com técnicos capazes de levar a efeito esses ataques.

A VOLTA A RIO BRANCO

Não quis voltar a Rio Branco sem passar por Patos, onde se dera, havia pouco, um encarniçado combate entre 50 soldados paraibanos e 300 rebeldes, e por Triunfo, onde estão as forças pernambucanas incumbidas de garantir a... neutralidade.

Encontrei Patos abandonada, com suas casas cheias de perfurações de balas, umas derrubadas a dinamite e outras bastante estragadas. Nem soldados paraibanos, nem sertanejos de José Pereira. Tudo em abandono!

Triunfo é uma vila privilegiada. Situada em lugar de clima aprazível, produzindo tudo o que se queira, a Petrópolis pernambucana deveria merecer as atenções dos governantes do Estado. Celeiro de todo o sertão daqueles lados, Triunfo deveria ter boas estradas que lhe dessem acesso, a fim de que o seu movimento correspondesse ao seu adiantamento. Entretanto, o Sr. Estácio Coimbra que cobra dos municípios um pesado imposto destinado à conservação e melhoria das estradas, deixa a que vai de Patos a Triunfo e desta cidade a Flores em estado tal que só mesmo muita necessidade pode fazer com que alguém se aventure a percorre-la em automóvel. Foi um trajeto penoso, cheio de perigos, e que, feito à noite, mais difícil ainda se tornou.

De Flores a Rio Branco, embora melhores, as estradas muito atrasaram a viagem, pois por duas vezes vi o carro atolado, só conseguindo pô-lo novamente em movimento depois dos mais ingentes esforços, só postos em prática para que não visse a retardada de 48 horas a minha partida para Recife, visto que, se perdesse o trem de segunda-feira, só teria outros dois dias depois.

Estava-me ainda reservada uma outra surpresa desagradável. Às 5 horas, depois de viajar toda uma noite por péssimas estradas, quando ainda faltavam seis quilômetros para atingir Rio Branco, a gasolina acabou. E eu, que viajara de avião milhas e milhas, que fora passageiro de trem e automóvel por caminhos intermináveis, acabei por ter de fazer 6 quilômetros a pé para alcançar Rio Branco, onde cheguei, enfim, a tempo de tomar o trem e chegar ontem, à noite, a Recife, para escrever a próxima crônica, em que inicio, realmente, o relato da minha palestra com o famoso Zé Pereira.

O Jornal - 24.04.1930

O MOVIMENTO SUBVERSIVO DA PARAÍBA –

COMO O SR. JOSÉ PEREIRA FALOU EM PRINCESA, AO REPRESENTANTE D’ O JORNAL E DO DIÁRIO DA NOITE – OBJETIVOS DA LUTA, SEGUNDO OS PROGNÓSTICOS DO CHEFE REBELDE – À ESPERA DA INTERVENÇÃO FEDERAL – UM COMENTÁRIO À MARGEM DA ATITUDE DA JUNTA APURADORA DO ESTADO 

RECIFE, 13 de abril de 1930 – Prosseguindo no meu relato, tive, logo depois, de aceder a um convite do Sr. José Pereira para tomar parte no seu almoço. Durante a refeição, a palestra versou sobre os mais variados assuntos, até que, à certa altura, disse-me o chefe reacionário de Princesa, empunhando uma taça de champanhe:

- É ainda champanhe que sobrou do banquete que oferecemos ao Sr. João Pessoa.

- E por que – perguntei, sendo oferecido esse banquete num dia logo no outro o Sr. rompeu as hostilidades?

- Simples – contestou-me o Sr. José Pereira. É que recebido aqui com todas as festas e honrarias, o Sr. João Pessoa sempre que eu lhe fazia perguntas sobre a reunião da Comissão Executiva do Partido, fugia do assunto, atacando outra palestra. Quando, afinal, deixou Princesa entregou ao major Soubreira um papel para me ser dado. Tratava-se da chapa do Partido. Foi o que mais me exasperou.

O senhor José Pereira, ainda apreciou outros aspectos da questão, falando sempre com extrema volubilidade.

RELAÇÃO DE CRIMINOSOS QUE SERVEM AO SR. JOSÉ PEREIRA

Depois de terminado o almoço, passamos à sala, onde a palestra prosseguiu sempre animada. Conversador incorrigível, dado a espirituoso, o Sr. José Pereira nem sempre guarda a discrição que seria (...) em um homem que tem as suas responsabilidades.

Assim foi que, ao lhe fazer eu perguntas sobre os criminosos que tem entre os seus homens, obtive a seguinte resposta:

- Eu não tenho bandidos entre os meus homens, pois procuro selecioná-los sempre. Aliás, não faço isso por escrúpulo próprio. Por mim, eu aceitaria tudo o que caísse na rede. A questão, porém, é que não quero desmerecer a confiança que em mim depositam os senhores Washington Luís e Júlio Prestes, confiança essa manifestada em telegramas que tenho em meu poder. Por eles é que não aceito bandidos para servir entre os meus homens.

Aludimos, então, à lista de criminosos publicada pela União, órgão oficial do governo paraibano.

Sem perceber o alcance de suas declarações, retrucou o Sr. José Pereira:

- Pois então vejamos: “Sinhô Salviano” – esse homem matou efetivamente dois oficiais, mas fê-lo em defesa de seu irmão, que foi morto. Desse crime já foi absolvido. “Tocha” e “Moreno”. – Esses mataram em Triunfo, mas foram absolvidos, tendo o promotor apelado. “Possidônio Cosello Branco” – matou um oficial de polícia em Flores, mas já foi absolvido. “Manoel Virgulino” – tirou a vida a um homem, foi condenado, porém o crime prescreveu. “José Soares” – esse nunca praticou crime nem foi condenado. Esteve preso, mas por engano, por um crime praticado por outro José Soares, que não é ele. “Marcolino Diniz” – esse é meu cunhado e teve necessidade de matar um homem em Triunfo; entretanto, já foi absolvido. E, assim, todos os demais.

E como para frisar:

- Eu queria agora é que o Sr. João Pessoa, por sua vez, contasse a crônica do famoso “Quelé”, tenente José Guedes e outros.

COMO O SR. JOSÉ PEREIRA SE REFERE AO SENADOR EPITÁCIO PESSOA

A palestra, já agora provocada pelo Sr. Epitácio Pessoa de Queiroz, que se achava presente, voltou a girar em torno do Sr. João Pessoa, alvo da indignação do Sr. José Pereira.

O chefe rebelde de Princesa lamenta, nessa altura, que o Sr. Epitácio Pessoa tenha ficado ao lado do atual presidente da Paraíba, acentuando entretanto:

- Eu tenho pelo Sr. Epitácio a mais viva gratidão, a maior admiração, reconhecendo nele o maior dos brasileiros vivos. Nada lhe devo a não ser elogios que ele teve ocasião de fazer-me no Rio Negro, na presença do Sr. Arrojado Lisboa, ao passo que S. Excelência me deve até o governo da Paraíba, pois foi por minha causa que o seu nome saiu vitorioso em 1915. Princesa foi o fiel da balança.

AGUARDANDO A INTERVENÇÃO FEDERAL

Mais adiante perguntei ao Sr. José Pereira, como esperava viesse a terminar o movimento subversivo e ainda o que esperava afinal de tudo isso. O chefe rebelde respondeu logo:

- Espero pôr fora do governo ao Sr. João Pessoa.

Peguei em armas e não me entrego, visto não querer que amanhã a Câmara de que faço parte dê permissão para que eu seja processado como qualquer criminoso comum. Ainda se o governo reconhecesse que se trata de um crime político vá lã. Mas o Sr. João Pessoa não entende assim e hostiliza rudemente todos os meus correligionários, criando um ambiente de irritação surda contra o seu governo, de forma que hoje todos os habitantes de Princesa estão em armas em legítima defesa, não só para serem processados como bandidos como também para defender as suas propriedades. Se eu tivesse bandidos e quisesse saquear, como se afirma, não teria os escrúpulos que venho tendo.

Fez ainda considerações para justificar-se dizendo que tanto a mesa de Rendas como os Correios estão intactos.

- Se eu fosse assassino – prosseguiu – não teria poupado os soldados paraibanos que aqui estão presos, e não trataria dos feridos que estão em meu poder. São fatos que saltam aos olhos.

PLANOS DE GUERRILHAS

Perguntei-lhe, então, se pretendia depor o governo.

- Não. Eu não o atacarei. Continuarei a defender-me com toda a energia, certo de que eles aqui não entrarão. Se, por fim, não conseguir defender este reduto, dividirei meus homens em grupos de 50, 100, 200 e entrarei a assolar o Estado, fazendo guerrilhas e emboscadas. Mas creio que nada disse se verificará, por ter o governo de intervir aqui.

Ponderei que a intervenção se podia dar para garantir o governo legal! da Paraíba.

- Não creia – respondeu o Sr. José Pereira. O governo federal fará a intervenção para apaziguar o Estado, retirando do poder o Sr. João Pessoa. Não pode vir contra mim, que tenho sofrido pelo apoio que lhe dei, em favor de um adventício da Paraíba, de um governo que se colocou fora da lei, de um governo realmente ilegal e revolucionário. Nós aqui temos como certa a intervenção do governo federal, que nos dará ganho de causa.

VISITANDO A CIDADE

Fui, logo depois, convidado pelo Sr. José Pereira para uma excursão à linha de frente, em Tavares, o que, infelizmente, não foi possível realizar-se, pela intervenção de outras pessoas. Diante disse, fizemos uma visita à cidade. Fomos à praça Epitácio Pessoa, que o Sr. José Pereira afirmou estar sendo construída a suas expensas. Estivemos nos açudes Macapá e Barão de Ibiapina; andamos pelos arredores, percorrendo edifícios públicos, para, afinal, voltarmos ao ponto de partida.

A certo ponto, querendo provocar uma manifestação do chefe dos rebeldes sobre a atitude da Junta Apuradora da Paraíba, disse-lhe:

- Ninguém, no Rio nem em Recife, mesmo entre os mais exaltados governistas, quis ainda defender o ato da Junta Apuradora da Paraíba, diplomando os oposicionistas.

- Efetivamente – respondeu logo o Sr. Pereira – aquilo foi uma decisão escandalosa, e ninguém esperava tal decisão. Mas não tenha dúvida de que o presidente da República mandará reconhecer os diplomados...

Depois dessa confissão, pouco honrosa, aliás, para o Sr. Washington Luís, o chefe rebelde desconfiou, talvez, que teria avançado em demasia, não mais tocando no assunto, passando a dizer, já respondendo a uma pergunta minha, que, de fato, recorrera ao padre Cícero, pedindo homens e munições, no que não foi atendido. Assegurou, ainda, que não tinha agentes entre os cangaceiros do Ceará, e, nesse diapasão, sempre atacando o Sr. João Pessoa, o coronel José Pereira abordou ainda assuntos de menor importância, até à hora em que, afinal, deixei Princesa, com destino a Triunfo, para passar pela povoação de Patos, onde se travara vivo combate, há pouco.

O Jornal (RJ) - 26.04.1930

IMAGENS que integram a reportagem: José Pereira - Rua coronel José Pereira, em Princesa - Grupo de homens armados na proximidade da casa de José Pereira - Rua coronel Marcolino Pereira, em Princesa.

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AUTÓPSIA DE D. PEDRO I

Revelação inédita da autópsia de D. Pedro I aponta para a sua saúde frágil e livra seu médico particular da acusação de envenenamento

O médico e o doente. Mas não era um médico qualquer, era daqueles que acompanham o paciente por anos, conhecendo seus hábitos, suas aflições, suas fraquezas. O doente também não era comum: um jovem que se tornou imperador aos 26 anos, boêmio, um tanto fogoso, e que enfrentou guerras, acidentes e uma série de percalços de saúde. Dr. João Fernandes Tavares e D. Pedro I se encontravam nos momentos mais vulneráveis do monarca. Dos sintomas aos diagnósticos, a relação de confiança se fortalecia e fazia o médico conhecer ainda mais o paciente. A prova está no registro de autópsia feita pelo Dr. Tavares. O médico expõe os diversos problemas de saúde que debilitaram a vida de D. Pedro.
Mas a forma como o documento é escrito extrapola as notações técnicas da função. Linha por linha, o médico narra a história de cada órgão, como personagens de um grande drama. E sofre. Quando descreve o estado dos rins, por exemplo, põe-se no lugar do enfermo: “E que transtorno e perturbação não devia causar na regularidade das funções dos demais órgãos tão aturado, e tão intenso padecimento!”.
Tanto sofrimento e intimidade também tinham um quê de defesa, já que as más línguas suspeitavam de que o médico havia envenenado D. Pedro, como conta Claudia Thomé Witte. Seu artigo nos brinda com este documento exclusivo e apresenta o complexo contexto da morte de D. Pedro, mergulhado na disputa familiar pelo trono português.
Em 2012, o corpo de D. Pedro I começou a ser estudado pela primeira vez com todos os recursos da atual medicina. Esse trabalho, conduzidopela arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel para o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP com o fim de preservar os corpos, confirmou que nosso primeiro imperador fraturou quatro costelas ainda em vida e que seu coração foi retirado do corpo logo após falecer.Um documento histórico inédito, publicado nas próximas páginas, traz a versão da morte de D. Pedro I por meio do relato de seu médico particular, Dr. João Fernandes Tavares (1795-1874), que assinou o atestado de óbito e realizou a autópsia do ex-imperador do Brasil.
Até agora se conheciam apenas as informações que D. Amélia de Leuchtenberg, viúva de D. Pedro, relatara em uma carta para sua enteada Januária. O resultado da autópsia, impresso avulso em 1834, foi localizado em uma coleção particular no Brasil e seu proprietário gentilmente concordou em divulgá-lo. Com isso, temos finalmente acesso ao relato completo da morte de D. Pedro e das semanas que a antecederam, além de um histórico de sua saúde. Nas entrelinhas, percebe-se que o médico João Fernandes Tavares foi bastante explícito e detalhista ao narrar as causas da morte. Procurava, com isso, justificar sua conduta e afastar as suspeitas que recaíam sobre ele.
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Quando D. Pedro I faleceu em Portugal, em 1834, o Dr. Tavares foi acusado de tê-lo envenenado. Era natural que se buscasse um bode expiatório, afinal, a morte ocorria pouco após D. Pedro vencer uma guerra civil contra seu irmão, o absolutista D. Miguel. Todas as esperanças de reconstrução de Portugal repousavam sobre D. Pedro. Havia dúvidas de que a nova rainha, D. Maria II, com seus 15 anos, fosse capaz de assumir as grandes responsabilidades que exigia um país recém-saído de uma guerra. A morte de D. Pedro podia significar uma nova oportunidade para os miguelistas.
Extraído do blog do historiógrafo Tok de História - https://tokdehistoria.com.br/2014/02/05/autopsia-de-d-pedro-i/
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A EDUCAÇÃO PELA PEDRA MEMÓRIAS DA INFÂNCIA DE CELSO FURTADO, NO SERTÃO, ENTRE OS PERIGOS DO CANGAÇO, DA POLÍTICA E DA NATUREZA

Por Roberto Pompeu de Toledo

Para o menino Celso Furtado a vida era uma sucessão de perigos. O perigo dos cangaceiros que vez por outra invadiam Pombal, sua cidade natal, no sertão da Paraíba, por exemplo. "Lá vêm os cangaceiros", avisavam, e todo mundo saía correndo. Os cangaceiros avançavam pelas ruas em cavalgadas que espalhavam poeira e terror. Uns queriam bancar os bem-educados e sentavam-se no bar, pediam café, respeitavam as senhoras.

Outros agiam como brutamontes. Ameaçavam, atiravam, agrediam, intimidavam, barbarizavam. Numa dessas ocasiões o pai de Celso agarrou-o e levou-o a um esconderijo, onde ficaram até os cangaceiros irem embora. "Tantas vezes vi pessoas mortas na rua", lembraria ele, muitos e muitos anos depois. Convocado para o serviço militar no período da II Guerra, Celso integrou-se à Força Expedicionária Brasileira, na Itália – mas dizia que viu mais mortos na Paraíba, na infância, do que nas frentes de batalha.

Havia a violência política, em acréscimo à dos fazendeiros. Todo mundo estava envolvido na "política", mas não se pense que essa "política" tenha a ver com o debate dos problemas do município, do estado ou das grandes questões nacionais. A "política" se traduzia em escaramuças entre famílias rivais. Eram particularmente agudas em épocas eleitorais, e podiam degenerar em pequenas guerras civis.

Num dia de 1930 alguém chegou correndo à casa de Celso: "Mataram João Pessoa!". Não era um dia qualquer para o menino. Era o dia em que completava 10 anos, 26 de julho. Quem trazia a notícia era um empregado. Eram sempre os empregados que traziam as notícias. E não podia haver notícia mais terrível – Pessoa, o popular governador (ou presidente, como se dizia então) da Paraíba, fora emboscado por um inimigo numa confeitaria do Recife. Entre as pessoas simples do estado, João Pessoa gozava de mística que tangenciava o sobrenatural. Celso ouvia da empregada da casa histórias como a de que o governador se disfarçava de pessoa comum e saía "para fazer o bem" nos bairros pobres. Era a mesma legenda que acompanhava os "reis bons" da Idade Média. À noite, a empregada o levou a uma procissão encabeçada por um andor onde ia o retrato de João Pessoa, venerado como santo.

 Celso Furtado, 
(Pombal, 26 / 07 /1920 — Rio de Janeiro, 20/ 11 / 2004)

Seguiu-se um período em que os adversários políticos do líder assassinado, em cada cidade paraibana, eram atacados como se cada um deles fosse o assassino. Agrediam-nos nas ruas, incendiavam-lhes as casas, feriam, matavam. Na manhã seguinte, ao sair de casa, a primeira coisa com que Celso deparou foi o cadáver de um homem estendido na rua. Ali perto ficava a usina de propriedade de um notório adversário de João Pessoa. Um alvo fácil para os vingadores do governador, portanto, tanto assim que soldados do Exército foram destacados para protegê-lo. A família Furtado, pelo sim, pelo não, achou prudente afastar-se do bairro. Refugiou-se na casa da avó de Celso, até o ambiente se acalmar.

Quando não vinha dos homens, o perigo vinha da natureza. Celso tinha 4 anos na época da grande cheia de 1924. As águas, em fúria, invadiram sua casa, destruindo-lhe a parte da frente. A casa só não veio abaixo por milagre. Vários de seus compartimentos ficaram inutilizados, inclusive a cozinha. Tiveram de trazer o fogão para a sala, por causa disso. Temerária decisão. Celso, numa hora em que brincava sozinho na sala, jogou uma bola para cima e ela foi cair bem no caldeirão que ardia no fogo. O caldeirão tombou nas costas do menino. "Ah, sofri muito", recordaria. Uma marca da queimadura ficou-lhe nas costas pelo resto da vida.

E havia os perigos do fanatismo religioso. Celso Furtado cresceu num tempo em que a Guerra de Canudos ainda estava fresca na memória dos povos do sertão. Um tio-avô seu participou da guerra, do lado das forças que combatiam os beatos de Antônio Conselheiro. Muitas histórias do período se contavam na família. Depois veio o padre Cícero, ainda vivo quando Celso despertava para o mundo. Para o menino, João Pessoa e padre Cícero eram figuras da mesma extração. Pertenciam ambos ao mesmo universo popular e místico.

Celso Furtado, que morreu no sábado, dia 20, tinha um olhar triste. Ele foi ministro, embaixador, conselheiro de presidentes, membro da Academia Brasileira de Letras. Notabilizou-se como professor nos melhores centros universitários do mundo, escreveu livros e artigos traduzidos em múltiplos idiomas. Conheceu os grandes deste mundo. Era reconhecido como um dos mais destacados intelectuais brasileiros. No entanto, o olhar triste denunciava a eterna presença, lá no fundo, do menino assustado entre os cangaceiros, a violência política e a fúria da natureza. Era um nordestino educado pela pedra, para usar a expressão de outro filho da região, o poeta João Cabral de Melo Neto.
Nota: As recordações de infância aqui alinhadas foram relatadas por Celso Furtado ao autor destas linhas em duas longas séries de entrevistas, uma em 1993, outra em 1999.
Publicado originalmente na coluna Ensaio da Revista Veja, Edição 1882 . 1° de dezembro de 2004.

Link para a matéria: Revista Veja
Foto: Portal da imprensa

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