Por Rangel Alves
da Costa*
Ante as
críticas e manifestações que se alastram pelas redes sociais, quase todas no
sentido de priorizar sentimentos pela tragédia brasileira que soterrou uma
cidade inteira e dizimou vidas em flor, afirmo: Sofrer pelo sangue derramado na
França não diminui a dor sentida pela lama de Mariana. Mostrar que também
padece com o distante sangue derramado não significa renegar a dor sofrida pelo
irmão mineiro.
É preciso
compreender para sentir. Alguém por aí já ouviu que as lágrimas são universais?
Ou alguém aí do outro lado já leu que os sofrimentos pelos outros nos chegam
mesmo sem parentesco, conhecimento ou amizade? Ou ainda já ouviu falar que a
tristeza pelos funestos acontecimentos está na percepção do sofrimento das
vítimas e não pela conveniência em sofrer?
Ou uma
indagação mais explícita: Por que as vítimas da tragédia de Mariana são nossos
irmãos pátrios não poderemos também sofrer pelas vítimas da pátria francesa e
outras pátrias? E mais claramente: Por que ser criticado ao reverenciar e
prestar homenagem às vítimas dos ataques terroristas, pelo simples fatos de que
no solo brasileiro as vítimas também se alastram?
Será que por
que as vítimas soterradas na tragédia mineira devem ser lamentadas, não se pode
ou se deve também chorar todas as vítimas do mundo? Chorar, prantear,
entristecer, enlutar, afligir-se e orar por todas as vítimas do mundo. Seja
pelos deserdados que morrem nas travessias marítimas fugindo das guerras e
genocídios, seja pelas crianças tornadas reféns pelo Boko Haram, seja pelas
vítimas das insanidades terroristas pelos quadrantes do mundo.
Ademais, não é
pela tragédia de Mariana ou pela mortandade do terrorismo na França, que irei
esquecer-me do pequeno Aylan Kurdi morto na beirada da praia, que irei
deslembrar da tragédia naquele11 de setembro nas torres gêmeas em Nova York, e
muito menos dos adeptos ao jihadismo que invadem escolas e matam dezenas de
inocentes. Tenho motivos demais para não esquecer-me das dores do mundo.
Talvez
diferente de outras pessoas, cujas manifestações de pesar surgem com a
pontualidade da conveniência, não me faço deslembrado de nada que mortifica a
humanidade, ainda que somente através da história. Não posso esquecer-me: “Eli,
Eli, Lama Sabactani?!” (Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!). E dessa dor
todas as outras dores do mundo. E sofro por todas elas. E sofrerei
indistintamente por todas as dores da perversidade, do terrorismo, do
genocídio, da perseguição, da intolerância, da crueldade.
E agora
Mariana e a França. A lama e o sangue provocando a mesma dor e o mesmo
sofrimento. Contudo, e infelizmente, apenas mais algumas tragédias no somatório
dos tantos dramas humanos. E também as tragédias sem mídia, os dramas sem
noticiário, os holocaustos sem a devida divulgação. Então pergunto sobre nossas
tragédias do dia a dia: quantos não morrem todos os dias nas portas ou nos
corredores dos hospitais por falta de atendimento médico, pela violência
generalizada, pelo terrorismo governamental?
Desse modo,
antes de criticar uma homenagem que se presta aos irmãos franceses, será
preciso fazer uma autocrítica pela veracidade dos sentimentos com relação à
nossas vítimas. Na verdade, como num jogo de cena, é muito fácil abraçar uma
causa emergida da dor apenas por oportunismo. Quem verdadeiramente sente a dor
do outro não diz que a dor é maior porque é aqui, por que ocorrido no solo
brasileiro.
O sofrimento,
o pesar, o entristecimento e as lágrimas não possuem fronteiras. A
sensibilidade humana não deve possuir uma margem que priorize esta ou aquela
tragédia. Ora, somos todos irmãos, somos todos filhos de um mundo que padece
pelas mãos do ódio e do terror. Daí que a lama envolvendo um irmão de Mariana
possui a mesma cor de sangue daquele irmão francês. Ou daquele irmão nigeriano,
sírio, egípcio, iraquiano, numa família imensa que sofre por todo lugar.
Causa sofrimento
indescritível aquelas cenas com pessoas mortas envoltas em lamaçal, casas
destruídas, vidas acabadas. Igualmente ao sofrimento do mundo pela tragédia
francesa. E assim por que as bombas e os tiros do Estado Islâmico não atingiram
somente a França, mas todas as nações democráticas do mundo, toda a segurança
do mundo, todo o temor pela vida de todos em qualquer lugar do planeta. E por
isso mesmo possuir um sentido de maior comoção. A ousadia terrorista é tamanha
que ninguém pode se sentir seguro na suposta distância que esteja.
Portanto,
deixai que a dor e o sofrimento de cada um sejam demonstrados da forma que
melhor lhe convier, do jeito que melhor se ajuste à sua homenagem. Que se evite
dizer que a lama de Mariana impede de ver as cores da França, ou que as mortes
ocorridas noutras países não foram tratadas com a mesma comoção de agora. A dor
sentida por Mariana deve ser a mesma dor sofrida pela França. Ou se age assim
ou se expressa uma incoerência oportunista sem igual.
Que se diga,
por último, que o governo francês já está caçando e atacando os responsáveis
pelos atentados. Seus aviões e armas de guerra já estão no encalço dos líderes
fundamentalistas do Estado Islâmico. E, no caso da tragédia brasileira, apenas
o sofrimento do povo será a resposta. O governo brasileiro, negligente e
corresponsável pela tragédia, apenas dirá que os responsáveis serão punidos.
Você acredita?
Poeta e
cronista
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