Populares do lugar denominado Lagoa do Couro / Mata Grande que foram " S A
N G R A D O S " pelos cangaceiros lampiônicos. Infelizmente, a foto não
traz maiores informações sobre a autoria dos crimes.
Fiquei chocado, quando vi essa foto pela primeira vez. Mas, assim, era o ciclo
do cangaço. As vezes, muitos inocentes pagavam com a vida por causa de um
fuxico; uma conversa mal escutada ou, simplesmente, eram assassinados porque
prestavam auxilio ao cangaceiros ou às volantes policiais.
Agradecimento especial ao nobre pesquisador/escritor Luiz
Ruben F. A. Bonfim que, gentilmente, me cedeu a respectiva foto.
Sou sertanejo. Conheço o sertão como a palma da minha mão. Pego como exemplo o todo existente naquilo onde nasci, e o resultado é conhecer o seu chão, o seu povo, o seu sofrimento, a sua luta, o seu passado e o que certamente acontecerá. E nem precisa exercício de adivinhação. Basta ver a que estágio doloroso o sertão chegou.
Sua vegetação é espelho bem acabado de tudo o que foi e o que será. Sua mataria fala pelo silêncio dos tempos o que já não mais pode falar. Sua caatinga, antes tida como característica maior de sua geografia, já ressente da necessidade de sobrevivência apenas nos livros. Verdade é que a vegetação sertaneja não existe mais, apenas vegeta.
Nem precisa fazer o percurso de séculos, ou lançar o olhar aos tempos mais distantes, para saber o que povoava a floresta matuta e o que não existe mais. Basta ouvir os mais velhos, conhecer um pouco da história de ontem, e assim conhecer os causos da caatinga fechada e assustadora, da mataria chegando aos quintais das moradias, dos bichos rondando as povoações.
Catingueira, aroeira, cedro, bonome, umburana, pau-pereira, umbuzeiro, quipá, araçaizeiro, quixabeira, araticunzeiro, craibreira, juazeiro, jurema, marmeleiro, mulungu, jurubeba, pau-ferro, jequitibá, velame, fedegoso, pau d’alho, angico e muito mais. Tudo isso existia em profusão, tudo fazia parte das entranhas sertanejas. Hoje é até difícil encontrar cachaça perfumada com lasca de árvore nativa.
Não significa que a mata tenha sumido de vez, tenha sido totalmente devastada pela mão do homem. Ainda é possível encontrar propriedades particulares onde a mataria está preservada e continua altiva e imponente. Mas são raros os casos onde haja essa preocupação ambiental e os arvoredos matutos permaneçam vívidos como nos tempos idos.
Contudo, verdade é que não há lugar de preservação ambiental que suporte as ferozes investidas do progresso e a ação desenfreada e violenta dos integrantes dos movimentos sociais que lutam pela posse da terra. Enquanto o progresso vai passando por cima de tudo, os sem terra vão cortando tudo que encontrem pela frente. O que secularmente foi construído pela natureza, em uma semana é completamente destruído pelo homem.
No sertão sergipano do São Francisco, por exemplo, praticamente não há mais mata nativa, não há mais caatinga fechada de pega-de-boi nem de bicho de caça. Aquilo que se tinha como latifúndio, uma imensidão de terra com pouca produtividade para a sua dimensão, guardava em seu seio tarefas e mais tarefas de mataria praticamente intocável, local de moradia de inúmeras espécies da fauna e flora. Mas bastou que os sem terra tomassem conta de tudo que não se avista mais um só pé de pau ainda com vida.
As consequências do desmatamento desenfreado, da derrubada incoerente de toda mataria que seja avistada - e sempre com a desculpa de preparar a terra para o plantio e a criação -, são aquelas já conhecidas por todos. Derrubando a mata, a moradia do animal é destruída; devastando a caatinga, as fontes de água vão secando por causa da secura do solo; destruindo a vegetação, a terra deixa de ter sua proteção natural e a tendência é o clima da região se tornar cada vez mais aquecido.
No estágio que está, onde as estradas e caminhos não são mais ladeados por qualquer vegetação arbustiva, não há outra coisa de se esperar mais adiante senão uma região sertaneja toda transformada em deserto. E certamente descumprida estará a profecia de Antônio, o Conselheiro, que um dia sentenciou que o mar viraria sertão e o sertão viraria mar. Pelo contrário, pois no passo que vai o sertão será deserto, saárico, faminto, sedento.
Já derramei meu lamento quando noutro texto falei do desaparecimento do araçaizeiro, árvore-mãe daquela frutinha doce conhecida como araçá. E não sumiu porque tinha tempo certo de existência, mas porque o homem se deu o direito de devastar seu ambiente. E certamente ainda lamentarei a morte de outras plantas nativas, ainda que já tenha meu pranto derramado por outras que já não existem. E será muito triste ao prantear a morte de toda a caatinga sertaneja.
Pranto que se avizinha, infelizmente. Não sei até quando o velho umbuzeiro vai continuar sombreando as tardes matutas de cantoria; não sei até quando o antigo juazeiro vai continuar imponente no meio da pastagem devastada; não sei até quando a carcomida catingueira vai continuar se curvando lá pelas brenhas escondidas.
Chegará o dia que a missão maior do sertanejo, quando for olhar para trás para reencontrar sua história, será conhecer o que um dia foi conhecido como caatinga. E daí em diante talvez guarde consigo outra missão a cumprir: caminhar sem destino para ver se ainda encontra resquícios da última umburana, da última aroeira, do último angico. Talvez até da última catingueira.
Pois certamente ainda haverá uma árvore nos escondidos do sertão. A última. A árvore de fim de mundo.
O alagoano
Cristino Gomes da Silva Cleto foi um ‘cabra’ de Lampião em dois períodos
distintos. O primeiro período foi nas quebradas do sertão pernambucano, na
região do Pajeú das Flores, onde recebera a alcunha de “Corisco”, e tendo como
chefe direto o cangaceiro “Jararaca”, José Leite Santana, natural de Buíque,
PE, muito curto, e o segundo, já na fase baiana, mais longo, no entanto, sem
ter tanta participação constante entre os dois bandos. Há não ser quando
Corisco era convocado, assim como os outros chefes dos subgrupos também eram,
para uma empreitada maior de tempos em tempos. Com essa ‘convocação’ o “Rei dos
Cangaceiros” lembrava a seus ‘súditos’ quem comandava.
“(...) um novo
componente do bando de Lampião chamou a atenção do cangaceiro Jararaca, um dos
seus lugares-tenente mais valentes e perigosos. O novo cangaceiro era Cristino
Gomes da Silva Cleto, soldado desertor do Exército que servira em Aracaju,(SE),
nascido em 10/08/1902(...) nas encostas da Serra da Jurema, próximo a cidade de
Matinha de Água Branca (atual Água Branca). Cristino entrara para as fileiras
do cangaço no dia 24 de agosto (de 1926)( quatro dias antes do ataque (a
fazenda Tapera)) na vila de Santa Maria (atual Tupanaci), à margem direita do
rio Pajeú, sendo recebido por Lampião, na casa do senhor José Bezerra. Era
valente no combate e da boca de seu rifle papo amarelo parecia sair fogo. A
rapidez com que se movia lembrava um raio, rolava pelo chão, atirava e gritava
descompondo o inimigo. Surgiu ali o apelido que o acompanhou para o resto de
sua vida: “CORISCO”(...).” (“AS CRUZES DO CANGAÇO – Os fatos e personagens de
Floresta – PE” – SÁ, Marcos Antônio de. E FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa.
Floresta, 2016)
Cristino
inicia sua saga no pequeno Estado sergipano, quando era soldado do Exército
brasileiro, destacando, servindo, no 28º Batalhão de Caçadores de Aracaju,
durante a Revolta Militar de 1924, iniciada em São Paulo, SP, e tendo como
consequência na Capital do Estado de Sergipe, Aracaju, uma ‘revolta’, ou motim,
onde se tentou dar um golpe, sendo o mesmo abafado pela Força legal no interior
do Estado e outra frente vinda do vizinho Estado baiano. Com a derrota dos
‘revoltosos’, Cristino e boa parte dos homens que participaram sob ordens
superiores, fogem e tornam-se desertores.
Havia bons
motivos para eles andarem longe um do outro, Lampião e Corisco. Primeiro para
confundirem as volantes que os cassavam dia e noite, e o segundo, as
companheiras, de Lampião, Maria Gomes, a cangaceira Maria Bonita, e de Corisco,
Sérgia, a cangaceira Dadá, não se ‘bicarem’ muito. Essa ‘distância’ entre os
grupos, prevista e projetada entre os dois bandos, era uma tática que deu bons
resultados. Ocorreram fatos em dias iguais, em lugares distantes e diferentes,
deixando as Forças que os perseguiam desnorteadas. E foi motivo de manchetes em
jornais da época essa façanha empregada pelos cangaceiros, onde noticiaram
Lampião e seus homens estarem agindo em lugares distantes e distintos, isso em
jornais de cidades diferentes. Quanto às companheiras, acreditamos que o
temperamento das duas era igual, faltando muito pouco para elas irem ao
estremo. Maria, certa feita, condena uma cangaceira, companheira do chefe de
subgrupo, o cangaceiro “Português”, que teve um ‘romance’ com o cangaceiro
Gitirana, ‘cabra’ de Corisco, a morte.
Era ‘lei’
dentre os cangaceiros que se houvesse traição, a mulher traidora seria
condenada a morte. Ocorreram casos do tipo. Porém, nem o cangaceiro Gitirana,
nem a companheira de “Português”, a cangaceira “Cristina”, nesse caso, são
condenados em princípios, coisa que só depois “Português” encomenda a morte de
sua companheira, principalmente pela intervenção direta de Corisco na defesa do
seu ‘cabra’. O cangaceiro “Português” não teve coragem de matar sua
companheira, como ditava a regra, a cangaceira Cristina, nem tão pouco de
‘topar’ o cangaceiro “Gitirana”, pois, no momento, teria que enfrentar o “Diabo
Louro”.
“(...)
tratou-se do desfecho do relacionamento amoroso entre Cristina e Português. Ela
o havia traído com um integrante do bando de Corisco - o cangaceiro Gitirana -
e Português contratara Catingueira para “limpar sua honra maculada” (...) Maria
Bonita e Lampião estavam no mesmo acampamento e, por acaso, se aproximaram
deles. Maria Bonita adiantou-se, sugerindo a Catingueira que a pessoa a ser
eliminada deveria ser Cristina (a verdadeira culpada, segundo ela) e, não,
Gitirana. Naquela hora, Corisco retrucou: Ela deu o que era dela! Ninguém tem
nada com isso! Insatisfeita com a resposta, Maria Bonita continuou defendendo a
contrapartida masculina: É, mas Português vai ficar desmoralizado! Já
impaciente com aquele confronto, o Diabo Louro deu um basta à discussão:
"Ele que
cuide da mulher dele! Do meu rapaz, cuido eu!"
“(...) Em relação àquele desenlace amoroso, Lampião deu total apoio a Corisco.
Cristina permaneceu com o bando, escondida durante alguns meses. Todavia, como
era de se esperar, ela foi morta quando ia para a casa de familiares, já que
Português contratara outros cangaceiros para matá-la. Neste sentido, não
restava dúvidas: o adultério feminino não era tolerado nos bandos do Nordeste
(...).” (VAINSENCHER, Semira Adler. Corisco. Fundação Joaquim Nabuco).
Corisco foi um
dos cangaceiros, já como chefe de grupo, que fez muita bagunça por onde andou.
Sua maneira de ‘tratar’ o inimigo, soldado, ou suas vítimas, com grandes
requintes de crueldades, torturas, tornaram-no num grande terror nas regiões
dos três Estados em que mais agiu, Bahia, Sergipe e Alagoas.
Após a morte
do “Rei dos Cangaceiros”, em 28 de julho de 1938, no leito do Riacho “Angico”,
na Fazenda Forquilha, no município de Poço Redondo, SE, afluente da margem
direita do Rio São Francisco, seu lugar, para alguns historiadores, seria
ocupado pelo chefe cangaceiro Corisco. Vejam bem, nessa época existiam vários
subgrupos chefiados por diferentes chefes e, a nosso ver, qualquer um poderia
assumir o comando geral, no entanto, talvez pela valentia, disposição e/ou
aproximação com Lampião, muitos escritores o colocam como sendo o sucessor
direto de Virgolino no comando do Cangaço.
“(...) Essa
fazenda é conhecida como fazenda Angico, porém, apenas a título de curiosidade,
seus atuais proprietários, descendentes da família de Pedro de Cândido, ou
seja, descendentes de D. Guilhermina, me disseram que a fazenda é registrada
com o nome oficial de fazenda Forquilha (...).” (“LAMPIÃO – O CANGAÇO E SEUS
SEGREDOS” – BASSETTI, José Sabino. Salto, SP, 2015);
A maneira de
Corisco agir, apesar de ter tido escola militar, diferenciava-se totalmente
daquela usada pelo “Rei dos Cangaceiros”, principalmente em termos de
planejamento, o que era essencial para dar-se prosseguimento a existência do
bando, colocando a emotividade a frente do projeto de ataque, defesa e fuga.
Tanto ele, como os outros chefes, citando como exemplo, ao enviarem os famosos
‘bilhetes’ de extorsão, em vez de terem a quantia, ou parte dela enviada pela
pessoa alvo, recebiam outro bilhete com desaforos e mandando irem, eles mesmos,
buscarem a quantia exigida.
A verdade é
que com a eliminação de Lampião, o cangaço desmorona-se ficando os cangaceiros
restantes, feito baratas tontas, sem saberem o que fazerem. Nem munições sabiam
onde irem buscar ou mandar que enviassem. Esse tipo de fornecedor Lampião não
disse, já que ele próprio era quem fornecia, vendendo-a diretamente aos chefes
dos subgrupos, pelo menos que saibamos, quem era. Documentos foram encontrados
com ele, em seus espólios, porém, o conteúdo verdadeiro que continham não fora
exposto ao público.
“(...) É -
mais que nunca - o tempo dos ‘bilhetes’, escritos para pedir dinheiro aos mais
afortunados. Contudo, estes já não têm mais o poder de outrora. Lampião está
morto e quase todos os bandoleiros se entregaram à polícia. Outro tanto fugiu
para lugar incerto. O proverbial ‘medo de cangaceiro’ começa a perder força por
entre a população sertaneja. Os antigos coiteiros em sua maioria, já não
prestam os favores dantes. O cangaço marcha célebre para o ocaso (...).”
(“CORISCO – A SOMBRA DE LAMPIÃO” – DANTAS, Sérgio Augusto de S.. Natal, 2015)
O velho ditado
já profetiza de que ‘quem tem, tem medo’, e referindo-se a própria vida, ou a
perda dela, aí é que o arrocho cresce, então começam a entregarem-se. Não viam
outra saída se não entregarem-se, e naquele momento foi à decisão mais correta
que tomaram, pois, do contrário teriam tombados todos pelas balas disparadas
pelas armas dos contingentes das Forças Publicas que os perseguiam. Apostaram
em que se entregando tinham uma chance de sobreviverem por mais um espaço de
tempo, no que acertaram em cheio.
É sabido por
todos que tanto cangaceiros quanto volantes bebiam bebidas alcoólicas em
demasia. Como em qualquer grupo de qualquer escala militar ou de guerrilheiros,
ou ainda, de cangaceiros, há aqueles que bebem por beberem, no entanto, tem
aqueles que bebem para perderem o medo, não só de matar, mas, e principalmente,
de morrer. Dentre todas as camadas sociais, existem alguns que já trazem uma
espécie de susceptibilidade ao alcoolismo em seus genes, e tornam-se
dependentes alcoólicos crônicos, inclusive hoje, já é tido como doença crônica.
Por outro lado, causas ou consequências no decorrer da vida de qualquer um, com
seus altos e baixos, dependendo de como o mesmo encara essas ocorrências, a
bebida torna-se um fator essencial para que, iludidos, pensem que embriagados
não ‘estariam’ com seus ‘espectros’ a perturbarem-nos, usando o álcool como um
meio de ‘fuga’ da realidade. Mais uma ilusão do ser humano.
Relatos de
vários historiadores, de ex-cangaceiros e de ex-volantes, nos dizem que Corisco
torna-se, a partir de determinado momento, um bebedor inveterado. O alcoolismo
toma conta do seu corpo e cérebro, não o deixando tomar determinadas decisões
importantes para o grupo. Com isso, sua companheira, a cangaceira Dadá, toma as
rédeas de chefia e passa a comandar os ‘cabras’. Num ‘mundo’ quase que
totalmente masculino, receber ordens de uma mulher, mesmo sendo a cangaceira
Dadá, é demais para alguns dos homens e esses terminam por deixarem o bando.
Após saírem do grupo de Corisco, alguns passam a fazerem parte de outros ou
fogem do cangaço procurando as autoridades e entregam-se. E, o já pequeno
grupo, diminui mais ainda.
“(...) Nas
raras horas em que está sóbrio, Corisco apresenta raciocínio embotado; humor
depressivo. É aí que Dadá, desnuda de qualquer cerimônia, se arvora na
qualidade de chefe da falange. Assume o comando do resto do grupo sem o menor
constrangimento – e sem qualquer resistência por parte do marido. Um dos
cangaceiros que trabalhou para o Diabo Louro neste delicado período, em
particular, ressaltaria, mais tarde, que “ela (Dadá) é que é a chefe do grupo.
Dá ordens, grita, manda. E Corisco obedece-lha, sem discutir”. (José Porfírio
dos Santos, o ‘Atividade II’, A Tarde, maio de 1940) (...).” (“CORISCO – A
SOMBRA DE LAMPIÃO” – DANTAS, Sérgio Augusto de S.. Natal, 2015)
No dia 8 de
agosto de 1939, um ano e onze dias após a morte do chefe mor do cangaço,
Virgolino Ferreira, o cangaceiro Lampião, Corisco é baleado nos braços pelo
soldado volante João Torquato dos Santos, que estando no momento sozinho, pois
seu companheiro, o soldado Francisco Amaral, se borra de medo e dar no pé. Pois
bem, além de ferir o chefe, termina por eliminar dois de seus homens, os
cangaceiros “Guerreiro” e “Roxinho”, terminando tendo, também, trocado tiros
com Dadá, essa, ao ter ficado com a pistola descarregada, sem munição para
recarregar, agacha-se, apanha pedras e as atira no soldado, ao mesmo tempo em
que empurrava seu marido, Corisco, para dentro do mato, procurando refúgio.
“(...)
Surpreso se ver frente a frente com apenas um soldado. A surpresa lhe foi
fatal. Havia perdido precioso tempo. O tempo necessário para João Torquato
disparar a sua arma e atingi-lo, com incrível sorte, justamente nos dois braços
do lendário cangaceiro (...). A companheira de Corisco, aparece, com todo
esplendor de sua coragem e valentia, à frente daquele homem fardado que mais
parece um demônio. Não irá abandonar o seu amado em momento tão doloroso. Irá
defendê-lo até, se preciso fosse, a morte(...) atira no temível agressor. Os
disparos são contínuos. João desvia sua atenção de Corisco e se vê obrigado a
enfrentar a guerreira. Dadá atira sem parar. Atira e empurra o companheiro para
uma baixada ali perto. As balas de sua arma acabam e a cangaceira, como se
fosse uma suçuarana defendendo os seus filhotes se vale de um novo e inesperado
armamento: pedras. Apanhando-as sacode-as no maldito que queria matar o seu
grande amor (...).” (“LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO – MENTIRAS E MISTÉRIOS DE ANGICO”
– COSTA, Alcino Alves. 3ª Edição. Cajazeiras, PB, 2011).
Após esse
combate, Corisco, o cangaceiro não mais tem condições de lutar. Seu codinome
seguira só, sem seu dono, reaparecendo Cristino Gomes da Silva Cleto, só que
desta vez, cansado, mais velho e aleijado. Os ferimentos foram grandes,
romperam e destruíram tecidos essências a flexão, extensão e rotação dos
braços. O projétil termina rompendo vasos e atingindo músculos, nervos,
tendões, ligamentos e ossos, retirando a possibilidade de movimentação nos
membros superiores. Talvez até se tivesse tido uma assistência profissional,
adequada, Cristino não tivesse perdido tais movimentos, no entanto, sua
‘enfermeira’, sua ‘doutora’, fora sua esposa, Dadá. Ela, em um relato, muito
tempo depois, cita que até o odor era demais, nos mostrando o tamanho da
infecção. Ela, com o auxílio de uma pequena faca, cortava os tecidos
necrosados, mortos, fazendo uma espécie de ‘desbridamento’ forçado, retirando
as partes lesadas e lesando as sãs, também retirava pedaços de ossos que a bala
tinha fragmentado, fazendo os curativos na medida dos seus conhecimentos, e com
o equipamento disponível, faca e punhal, usando os remédios que a natureza,
através da caatinga, lhes fornecia.
A partir de
então, aquele que fora tido como o maior dos terrores dos sertões baiano,
alagoano e sergipano, está definitivamente fora de ação. Não tem condições de
segurar uma arma para lutar. Seu, já pequeno grupo, acaba de acabar e chega a
ser composto por apenas ele, sua esposa Dadá, um cangaceiro, Rio Branco, e sua
companheira, a cangaceira Florência.
Cristino tenta, por diversas vezes se entregar, porém, sua esposa não
‘consente’. Certa vez, até fora marcado o local de onde se entregaria, após o
mesmo dizer para um comandante da Força baiana, onde estariam, ainda colocadas
por Lampião, escondidas certas armas, munição e joias, mas, não fora realizado,
ainda dessa vez não ocorreu à entrega do alagoano, mesmo o comandante achando a
‘botija’ e a removendo para o quartel.
“(...) o
cangaceiro sustenta que teria informações valiosas sobre lugares onde estariam
escondidos ‘munição, algumas armas e joias de ouro e de prata’. Uma parte desse
material, segundo se fazia entender através destas cartas, era produto de
assaltos. A outra teria sido escondida há muito tempo, pelo próprio Lampião
(...).” (“CORISCO – A SOMBRA DE LAMPIÃO” – DANTAS, Sérgio Augusto de S.. Natal,
2015)
Já em maio de
1940, em sua segunda metade, Cristino, Sérgia, e o casal de cangaceiros,
solicitam de um coiteiro, a permissão para levarem sua filha com eles, já que
estavam em rota de fuga. O pai da menina, depois de ficar sabendo como sua
filha seria tratada, permite que a levem. Essa foi uma estratégia usada pelo
pequeno grupo, um cangaceiro, duas mulheres e um aleijado, para melhor
despistar os perseguidores, já que todos sabiam que cangaceiros não andavam com
crianças. Trocam de nomes, ensinam como a menina deveria chama-los e danam-se
de Bahia adentro, em busca da liberdade.
Essa criança é
a adolescente Josefa Erundina de Almeida, chamada por todos de ‘Zefinha’. Filha
de um antigo coiteiro de Corisco, Braz Francisco de Almeida, alcunhado por
‘Braz dos Couros’, que morava no município de Bebedouro.
“(...) Então,
o antigo lugar- tenente de Lampião propõe ao curtidor de couros:
- “Braz, quer me dar essa menina? Eu levo ela comigo para Bahia!”
O curtidor pensou um pouco e falou:
- “Se o senhor garantir que leva a menina para Bahia e bota nos estudos, eu
dou. Porque, aqui, não posso dar a educação precisa a ela” (...).” (“CORISCO –
A SOMBRA DE LAMPIÃO” – DANTAS, Sérgio Augusto de S.. Natal, 2015)
Vemos que não
ocorreu o tão famoso sequestro que tanto fora divulgado pela própria imprensa.
A fonte citada divulga uma espécie de ‘adoção’ feita pelo casal Cristino e
Dadá, onde estariam de acordo os pais da criança.
Um dos
‘cabras’ do grupo que debandaram, José Porfírio dos Santos, o cangaceiro
Velocidade II, ao entregar-se as autoridades, é interrogado. Nas revelações que
faz, ele diz que seu chefe não se entrega por que sua esposa não permite. Ainda
mostra o suposto ‘roteiro’ que pretendia fazer o pequeno grupo, além de contar
como estava fisicamente o cangaceiro “Corisco”, ou seja, dedurou que ele estava
aleijado, sem condições de lutar.
De posse no relato do depoimento do cangaceiro que entregara-se, o Jornal A Tarde
publica, isso, já em maio de 1940:
“Inutilizado, incapaz de lutar, Corisco foge ameaçado de morrer, se tentar
abandonar o banditismo. Triste sorte esta para o antigo lugar-tenente de
Lampião.”
O tenente Zé
Rufino, sempre citado que fora o maior estrategista dentre os comandantes das
volantes por vários pesquisadores, o que realmente fora, pois sua tropa foi
quem mais matou cangaceiros, está a muitas léguas de distância desse grupo em
fuga. Mesmo assim, resolve, segundo ele mesmo por ordens superiores, saírem em
sua pista. Em termos de estrategista, o comandante Zé Rufino se equipara aos
estratagemas de Lampião. Ele, como cita o antigo ditado, ’não colocava a mão em
cumbuca, sem saber o que tinha dentro’. Antes de qualquer ataque aos bandos que
enfrentou, analisava o terreno, para depois atacar, dava contraordens durante o
conflito, dependendo da situação e procurava, minuciosamente, detalhes após a
luta. assimilando conhecimentos para os próximos confrontos. No entanto, ele
envia aos superiores que o ordenaram a caçada, os capitães Felipe Borges e
Rehen, um telegrama da cidade baiana de Djalma Dutra, tendo a certeza do
encontro e da vitória diante dos fugitivos.
Ao pesquisarmos outras informações prestadas pelo tenente Osório aos seus
superiores, anteriores a essa perseguição, jamais nos deparamos com ‘tanta
certeza’ quanto ao resultado do que viria, ou estava para acontecer nessa feita
ao cangaceiro “Corisco”. Esse detalhe só nos vem ‘dizer’ o quanto se sabia da
incapacidade de Cristino lutar. Ficando mais fácil enfrentar duas mulheres e um
só homem, o cangaceiro Rio Branco, jovem com 19 anos sem experiência em lutas.
Andaram muito
tempo a pé, romperam distâncias a cavalo e, por fim, encurtaram a distância em
cima de um caminhão. Vários dias depois, já na tarde do dia 25 de maio de 1940,
estão diante de um dos casais em fuga, o outro correu e não foram perseguidos,
abrindo um enigma muito grande, a nosso ver, pelo deixar pra lá, se era um
casal cangaceiro. Na verdade, a meta de Zé Rufino seria apenas e somente
Cristino? Pois só vemos alguma notícia de perseguir o outro cangaceiro, no mês
de junho daquele ano.
Jornais citam o ocorrido em tudo que é lugar. Na Capital do país, como sempre,
a imprensa prioriza o ‘confronto’ que resultou na morte do sucessor de Lampião.
O jornal O
Estado da Bahia, relata, em sua matéria de 1º de junho de 1940, como ocorreram
os fatos no ‘combate’ onde tombou o ‘Diabo Louro”.
“E saltando pela porta dos fundos enquanto atirava com um enorme parabélium,
Corisco logo seguido pela sua mulher, que também fazia fogo correu para o mato
(...).” (Transcrito) (“Fim do Cangaço: As Entregas” – BONFIM, Luiz F. de A.
Paulo Afonso, 2015)
Nesse trecho
da notícia, o jornal tenta mostrar um homem em condições de lutar. No trecho
seguinte, também notamos essa ‘intenção’, vejamos:
“O bandido não parava. Vez por outra, virava-se rápido, descarregando seu
Parabélium, e a sua figura hercúlea, com os cabelos louros, soltos ao vento,
bem justificava o apelido que o povo lhe deu.
Era o Diabo Louro em ação.” (Transcrito) ("Fim do Cangaço: As Entregas” –
BONFIM, Luiz F. de A. Paulo Afonso, 2015)
Além de outros
equívocos, o maior seria dizer que estava com os cabelos longos, não sendo
verdade, pois o mesmo tinha mando cortar os cabelos, que não eram louros, e sim,
ruivos. Notamos que seus cabelos estão curtos, quando vemos a foto dele morto.
Vejam bem, nos dois trechos mostrados, cita que ele atirava com seu Parabélium.
Pois bem, vejam no seguinte, em qual das mãos ele segurava a arma e atirava,
além de recarregar, pois se descarregou, tem que recarregar se não, não atira,
é citado:
“A uns dez
metros de distância, o tenente Rufino viu que Corisco fora baleado no braço
direito, deixando cair a arma e gritou-lhe outra vez: - Se entrega Corisco!
(Transcrito) "(“Fim do Cangaço: As Entregas” – BONFIM, Luiz F. de A. Paulo
Afonso, 2015)
Ora, o braço
direito de Cristino deste há vários meses, agosto de 1939, que não servia nem
para ele pegar numa colher e comer. Alguns autores ainda citam que ele
conseguia, com muito esforço, segurar uma pistola com a mão esquerda, mesmo
sendo, segurar é uma coisa, manejar e atirar é outra totalmente diferente.
Quanto mais saltar uma porta, correr, atirar e recarregar a pistola? Totalmente
sem lógica.
Não sabemos se
realmente ele garantiu a vida de Cristino quando estavam naquela fazenda,
depois relatando que Cristino diz: “Estou satisfeito, sou homem pra morrer e
não para me entregar”. Esse dizer do militar não seria uma maneira de esconder,
ou desviar a atenção da população, sobre a covardia de matar um homem que não
tinha condições de lutar? Para nós aparece uma ‘cachoeira’ de porquês: Será que
sua intenção não era no ouro, nas joias ou no dinheiro que supunha levassem os
cangaceiros? Com certeza Zé Rufino sabia que o que fora arrecadado nos espólios
dos cangaceiros mortos em Angico, em 1938, fora uma soma bastante elevada, e
como sendo Cristino o sucessor direto de Lampião, segundo a própria imprensa,
também teria uma enorme soma, então daria de qualquer jeito o bote, mas, apenas
com a intenção nos espólios? Por que o comandante não autorizou aos homens
deceparem a cabeça do cangaceiro, ato costumeiro que lhe fez famoso e o ajudou
a galgar diversas patentes militares? Teria sido o temor de um castigo por
cortar, ou ordenar cortarem, a cabeça de um aleijado?
Zé Rufino, em
seu leito de morte, muito tempo depois daquela tarde de maio de 1940, manda
chamar Dadá e pedi-lhe perdão. Esse pedido teria vindo através de qual
‘pecado’? Só pede-se perdão quando se peca. Será que não fora a consciência pesada
por ter matado uma pessoa que não tinha condições físicas de segurar em suas
mãos uma pistola, nem tão pouco um fuzil, mesmo sendo Corisco?
Para nós, não
ocorreu luta, e sim um assassinato. A tropa que assassinou Cristino era entre
14 e 15 homens, no mínimo, esses homens não tinham a força e coragem de pegar
no braço um aleijado? Eles abriram foi fogo ao comando direto do comandante,
resultando na morte de um renomado cangaceiro cruel e assassino, porém, na
oportunidade, aquela pessoa só tinha o nome, impossibilitado de lutar. Porém,
não somos donos da verdades, apenas expomos o resultado do confronto sobre
pesquisas bibliográficas,ficando ao entender de cada um com a sua
interpretação.
Fotos Benjamim
Abrahão
“Fim do Cangaço: As Entregas” – BONFIM, Luiz F. de A. Paulo Afonso, 2015
Acervo de Devanier
Lopes
Acervo Robério
Santos
Era a boca da noite do dia 13 de junho de 1927. Lampião, na estação ferroviária da cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte, já estava sabendo de que perdera dois de seus melhores homens no confronto, além de estar ferido Moderno, seu cunhado, As de Ouro e outro, com o abdome aberto pelo projétil de um dos homens da resistência, se contorcia e soltava gemidos involuntários devido a enorme dor. Esse último com um ferimento gravíssimo. O cangaceiro Sabino, seu “tenente” na época, reportara para o mesmo a perda e a impossibilidade de levar o plano adiante. Recebe ordens de reagrupar o bando para deixarem a cidade…
As sombras da noite os engolira de repente. Tomaram, sob as ordens do chefe maior, um itinerário diferente daquele usado quando da vinda para a cidade do sal. Todos com caras de poucos amigos, sem pilhérias nem brincadeiras de tipo algum. Naquele ocaso do dia, o silêncio estava a consumir cada um deles. O silêncio só era quebrado pelos gemidos do cangaceiro agonizante e o soar das alpercatas “Xô-boi” levantando a poeira em solo potiguar.
A sua frente aparece um muro de varas e estacas, uma enorme e longa cerca, mas, não podiam parar, transpõem com rapidez e seguem em busca de um lugar para “lamberem suas feridas” físicas e morais, todas em carne viva. Não sabem ao certo por onde estão. Despontam em uma casa solitária. Pedem à mulher que abriu a parte superior da porta água e sal, para lavarem os ferimentos. A mulher, dona Maria Liberata, que tinha um sitiozinho nos arredores da cidade, estava a morrer de medo envolto pelos cangaceiros. Seu medo era tanto que, não sabendo onde esconder sua filha, a fez entrar embaixo d’um monte de cascas de feijão que havia no recanto da parede da sala. A pilha de cascas não era tanta e ao socar-se embaixo dela, os pés da adolescente ficam de fora. Lampião percebe o medo da filha e a agonia da mãe, então tenta tranquilizar as duas, dizendo só querer água e sal, depois diz para a senhora que pode mandar sair de debaixo das cascas quem lá estivesse que suas vidas estavam garantidas.
“- Dona, a senhora pode tirar essa pessoa que está por debaixo das cascas! Ninguém quer fazer mal a ninguém aqui!” (Dantas, 2005)
Recebendo o que pedira, os cangaceiros misturam o sal na água e lavam seus ferimentos. Rapidamente, ao findar esse pequeno tratamento, Lampião ordena para que a cabroeira se levante e coloquem os pés no caminho. Por fim chegam ao local de onde partiram para o ataque frustrado – o sítio “Saco”.
DEIXANDO MOSSORÓ PARA TRÁS
O chefe pernambucano portava-se igual uma fera acuada. Não parava em lugar nenhum. Ia pra um lado e retornava no mesmo instante, reclamando com tudo e com todos, porém, seu maior aborrecimento era referido ao cangaceiro Massilon Leite, pelo fato dele o ter convencido a atacar uma cidade do porte de Mossoró. Instantes depois de terem chegado, imediatamente a um pequeno “tomar fôlego” ordena que seus homens subirem em suas montarias para, mais do que rápido, deixarem as terras do Rio Grande do Norte.
Do ponto em que se encontravam Lampião não poderia pegar o rumo do sul, transpondo os limites dos Estados do Rio Grande do Norte e penetrar na Paraíba, terreno do seu conhecimento, pois, além dos homens do coronel Pereira, de Princesa Isabel, que não eram poucos, estarem a sua procura, no seu encalce estavam várias volantes paraibanas determinadas, valentes e perigosas. Então, só havia uma rota de fuga: seguir rumo ao Oeste, pois no poente ficava o território cearense, terra do Padim Padre Cícero, lugar onde a Força Pública não o perseguiria.
Virgolino sabia que estavam sendo caçados vigorosamente. Começa a aplicar táticas de vai-e-vem, além de ordenar cortarem os fios do telégrafo, para dificultar a trilha percorrida e atrasar os perseguidores. Segue por um caminho e, de repente, entra no mato, transpõem lajedos, e seguem sem poderem parar um só instante. O “Rei do Cangaço” não conhecia o terreno que percorria, nunca havia estado naquele Estado, por isso levava um senhor da região, Seu Formiga, desde antes ao ataque, servindo-lhe de guia. Com a andada sem paradas, o Senhor formiga começa a cambalear, estava quase que totalmente sem forças para prosseguir. Lampião dispensa os serviços desse guia e captura um senhor e seu filho para que tomassem o lugar dele. E assim prosseguem sem pararem para nada, nem para cuidarem dos feridos. Ao dispensar Formiga, Lampião manda que esse vá falar com o coronel Antônio Gurgel, um de seus reféns. O coronel escreve um bilhete solicitando que familiares e amigos arrecadem certa quantia para que fosse libertado pelos cangaceiros, caso contrário, perderia sua vida, e pede ao Senhor Formiga que fizesse chegar até seu irmão, Tibúrcio Gurgel, para que o mesmo tomasse as devidas providências.
Os novos guias levam a caterva rumo ao Ceará, seguindo os postes e fios do telégrafo. Assim percorrem léguas e léguas para ficar mais distante de Mossoró. Em determinado lugar, chamado sítio Baixa da Broca, Lampião ordena que parem e montam acampamento. Naqueles dias, os cangaceiros formavam um grande círculo fechando o perímetro. No centro, de um lado, ficavam o chefe e seus lugares tenentes, Sabino, Luiz Pedro, Moderno e etc., do outro os reféns sob a guarda de alguns cabras. Antes do alvorecer, os cangaceiros já estão bem longe daquelas paragens. Por volta das cinco da matina, cercam e invadem a fazenda chamada Jucuri, a qual tinha como proprietário o senhor Manoel Freire.
SUPLÍCIO NO JUCURI
Naquelas horas da manhã, o dono estava a ordenhar as vacas junto com seu vaqueiro Teófilo Lucas. Os dois são presos. O dono é obrigado a leva-los até a casa sede. Lá chegando, obrigam-no a chamar por sua esposa para que ela abrisse a porta. A casa é tomada imediatamente por uma horda de cangaceiros que começam a vasculhar cada centímetro do lugar. Além dessa bagunça toda, os cangaceiros exigem que se faça café para eles. Lampião e Sabino começam a apertar Manoel Feire pelos contos de réis. Freire responde que não tem. Sabino toma de conta do dono da fazenda e assume o interrogatório, ameaça-o de tudo quanto pode. O homem é valente e não diz onde está o dinheiro. Em vez de continuar só com a negativa, Manoel, a certa altura da coisa, faltando a paciência, diz:
“- Não tenho dinheiro para bandidos! Não tenho! Já disse!” (Dantas, 2005)
Rapaz, teria sido melhor ele não ter dito dessa maneira.
Sabino, que já estava com o rebenque na mão, pequeno chicote de couro em forma de bengala para tocar a montaria, começou uma sessão de espancamento no pobre fazendeiro. Freire nada podia fazer a não ser levar as chibatadas e chorar de tanta dor. E quanto mais Manoel chorava, mais o cacete comia. Em certo momento, sua esposa, Dona Francisca, vendo que Sabino ia acabar matando seu esposo na chibata, resolveu interferir. Aí a coisa ficou pior. Tentar impedir que um homem como Sabino das Abóboras prosseguisse o que estivesse fazendo, era melhor nem tentar. Sabino em vez de atender àquela senhora, lhe solta a “macaca no lombo”, ou seja, bate nela sem piedade. A mulher gritava de dor e o meliante não cansava nem parava de bater. Até que os dois, marido e mulher, ficaram estendidos no piso da casa com suas peles rasgadas pela sola do chicote. Porém, o castigo em Manoel tem recomeço. O homem quase que nada mais dizia, soltava apenas sons pela boca, e a surra não parava.
E Lampião? Ora, quem iria intrometer-se naquele meio contra Sabino? Nem ele! Enquanto o pau cantava nas costas do pobre fazendeiro, Virgolino, aproveitando o aperreio das filhas, começa a saquear suas joias. Após ter pego tudo que encontrou de valor dentro da casa ou com as pessoas, Lampião ordena que Sabino pare de bater no homem. Vai até ele e o condena a ser seu prisioneiro, sequestrando-o, estipula uma quantia para que fosse libertado.
“(…) Concluído o saqueio, o vesgo determinou ao subordinado a suspensão da muxinga (ação de bater; sova, surra). Segurou Freire pelo braço e sentenciou com autoridade:
– Olhe, o senhor vai com a gente! Sua liberdade vai custar dez contos de réis!
Em seguida tornou aos familiares do fazendeiro:
– Mandem alguém a Mossoró arranjar o dinheiro!
O agricultor foi conduzido de forma ridícula, em roupas de pijama (…).” (“ Lampião e o Rio Grande do Norte – A história da grande jornada” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, 2005)
O FIM DO SOFRIMENTO DE DOIS DE OURO E O ATAQUE A FAZENDA VENEZA
Em seguida o chefe ordena que montem e partam em trote acelerado. O tempo urgia ficar o mais longe possível daquela cidade potiguar. Já não estava tão bem o cangaceiro ferido na altura da barriga. Com o trote forçado a coisa piora e alguns cangaceiros que estavam ao seu lado têm que parar para ver o que poderiam fazer em socorro ao companheiro. O sofrimento era tanto que o ferido suplica aos companheiros que tirem sua vida. Ninguém se habilita a tal coisa. As dores aumentam e ele retornar a suplicar que o matem. Havia, dentre os homens de Lampião, naquele instante, um com alcunha de Marreco. Esse vai até ele e diz que fará seu pedido. Arrastam o ferido para dentro do mato, levam-no até a sombra de uma grande árvore e lá, no meio do nada, Marreco o mata com um tiro.
(…) Afastaram o bandoleiro para lugar recatado, debaixo de velha quixabeira. Tiro seco e rápido tirou-lhe o resto de vida sacrílega.
Expiação finda, o corpo foi enterrado em cova rasa, à beira do caminho. Cruz tosca marcou o local(…)
A tradição oral fixou que o cangaceiro enterrado nesse ponto da estrada foi o célebre Menino de Ouro. Tal não é verdade. O bandido em questão se quer saiu ferido do embate em Mossoró. Raimundo Lucena, em seu livro “Memórias”, refere-se à presença do bandoleiro-mirim na cidade de Limoeiro do Norte, no dia 15/06/27. Não morrera, pois. Teve, sim, longa sobrevida. Foi encontrado n década de noventa pelo pesquisador Hilário Lucetti. Menino de Ouro, o Alagoano ou Oliveira, morrerá somente em 23 de novembro de 1999, com vetusta idade de oitenta e sete anos. O homem sepultado nesse ponto do caminho – o que foi revelado pós a exumação – não era tão jovem. Provavelmente o corpo era do bandido “Dois de Ouro”. O resto é tradição verbal. Pura lenda.” (DANTAS, 2005)
A caterva prossegue rumo a terras cearenses. Antes da linha limítrofe, ainda em território potiguar, tinha uma fazenda chamada Veneza que tinha como administrador o senhor Childerico Fernandes.
Por ter uma vasta área desmatada em sua volta, a visão de quem se encontrava na casa pegava todo o derredor. Por isso, a esposa do administrador, dona Felisbela, ao escutar um tropel de cascos no solo duro, ergue e avista o bando de cangaceiros aproximando-se. Vai até onde se encontrava o marido e lhe diz o que estava vindo em direção a eles, a tempestade que vinha chegando.
Sendo comerciante, Childerico havia comprado um rebanho de reses a prazo, ou feito um empréstimo e comprado o gado, mais provável. De posse das reses, começa a engordá-las e vai vendendo e juntando a quantia para fazer o pagamento. Tanto a esposa como o marido treme nas bases, principalmente por saberem ter em casa a quantia de dez contos de réis, os quais seria utilizado para saldar a dívida. Avexam-se a procura de um local para esconderem a “botija de dinheiro”.
Lampião parecia já estar refeito da derrota em Mossoró, pois seu cérebro já tramava a mil por hora. Antes da aproximação da casa sede da fazenda Veneza, ele divide o bando, fica com alguns cangaceiros e os reféns. Envia Sabino com trinta cangaceiros a vivenda. Sem a preocupação dos reféns nem a marcha lenta dos guias como empecilho, a tropa liderada por Sabino esporeiam suas montarias e chegam muito rápido a casa e imediatamente a cercam, invadem e tomam conta de todo e qualquer recanto que havia nela. Na sala, estando Childerico, Sabino começa a fazer-lhe várias perguntas: onde estão, a qual Estado pertencem aquelas terras e por aí foi… O administrador ia respondendo a cada pergunta de acordo com a situação.
Dona Felisbela, de posse da grana junta, tinha tentado sair pela porta da cozinha para ir escondê-la, mas, não deu tempo. O cangaceiro apelidado de Coqueiro invade a casa por essa saída e impede que ela saia. Percebendo o nervosismo da senhora, o cangaceiro começa a procurar e acha tudo. Ela, sem ter outra opção, dispara pra sala onde se encontram seu marido, Sabino e vários cangaceiros, narrando o que tinha acontecido. Pelo que a senhora falou, Sabino, cangaceiro experiente, já sabia de quem se tratava e lasca o grito pra cima querendo a presença de Coqueiro imediatamente. De imediato o chefe ordena que lhe passe a grana. Ao receber nota a quantia e seus grandes olhos quase que saltam da face, sem acreditar direito no que via. O cabra das Abóboras afasta-se dos demais e começa a contar o volume de notas uma por uma. Fica meio que boquiaberto. Nunca pensara em encontrar naquela simples casa tanto dinheiro junto. A razão da soma, um tanto grande para a época, era simplesmente o acúmulo para pagar o que havia comprado, as reses, ou seja, aquele dinheiro não era de Childerico.
O restante do bando, ao ver a quantia de notas nas mãos de Sabinos, imediatamente começa a fazer uma varredura no local. Não deixando inteiros os poucos móveis que ali havia. O administrador, cheio de pena, lamentos e raiva por estar perdendo tudo quanto havia conseguido na vida, protestou com o chefe, Sabino das Abóboras, que lhe responde para que ele vá reclamar com o coronel José Pereira, chefe político da cidade de Princesa Isabel, Paraíba, o qual havia lhe ensinado o que acabara de fazer. Essa ligação entre José Pereira, Sabino Gomes de Gois, também conhecido como “Sabino das Abóboras” e o coronel Marçal Florentino Diniz, esse pai de Sabino com uma de suas empregadas, contaremos em outra oportunidade.
Pois bem, não contente, mesmo tendo encontrado a enorme soma, Sabino começa uma sessão de torturas no corpo de Childerico. Dessa vez, ele alterna os objetos que produziam as dores: usava o chicote e depois o punhal, voltava a usar o chicote e em seguida, novamente a ponta fina e dura da lâmina de aço. Assim o tempo passa, para Childerico, cada minuto parecia um tempo enorme… Uma eternidade!
O misticismo, catolicismo e messianismo foram, são e será uma válvula de escape sobre o sofrimento de parte da população mundial, arrancando daí uma fé às vezes doentia e entre os que usam dessa fé estão os sertanejos nordestinos. Em determinado momento, não aguentando ver o sofrimento de Childerico, sua esposa corre até o oratório, nicho ou armário com imagens religiosas; capela doméstica que surgiu desde a Idade Média no território europeu, como devoção popular tendo sido inserido em nosso convívio pelos europeus migrantes, pega uma imagem e a coloca na frente do rosto do cangaceiro. Tanto dona Felisbela, quanto o cangaceiro Sabino possuíam, não explicar como, a mesma fé interior. Ao deparar-se com tal imagem, o cangaceiro perverso larga do chicote, guarda o punhal na bainha e deixa Childerico de lado.
“(…) A essa altura, Dona Bebela (Felisbela), em prantos, correu ao oratório. Tomou nas mãos imagem de Nossa senhora e a colocou rente aos olhos do cangaceiro:
-Poupe nossas vidas! Já lhe demos todo dinheiro e nossos bens! Você não acredita em Deus; em Nossa senhora?
– Ora, deixe de choradeira! Já vem você com essa tapeação? Contrapôs Sabino, com sorriso amarelo.
A estratégia de alguma forma surtiu efeito. O cangaceiro – ignorante, fanático religioso por índole e cultura – temia as coisas do céu. Respeitava os Santos e reverenciava imagens. Teve, decerto, medo de sortilégio que podia advir de atitude tida por “herege”.
Sem mais discussão, largou Childerico (…) (DANTAS, 2005)
Lampião estava acampado perto dali, havia combinado com Sabino que, tudo dando certo na fazenda ele enviasse um emissário com a senha “acabado o serviço”. Essa frase, para o chefe pernambucano significava que ele poderia aproximar-se com segurança. Virgolino percorre o a pequena distância entre seu acampamento e a casa, desmonta no terreiro da sala e entra na casa. A partir do momento da sua aproximação, desmonte e caminhada até onde estava o casal, não escutou som de voz alguma. Naquele momento, apenas sua presença fazia todos calarem-se. Um dos cangaceiros chega bem perto do sofrido administrado, agachasse e lhe pergunta se sabe quem seria aquele que estava em sua frente. Não entendendo o que o prisioneiro respondeu, pois até para falar doí-lhe tudo, o cabra insiste na pergunta. Depois termina lhe dizendo de que se tratava de Lampião.
O cangaceiro mor se aproxima mais ainda do prisioneiro, se abaixa e começa a fazer-lhe várias perguntas. Dentre essas, perguntou se seria parente do prefeito de Mossoró, coronel Rodolfo Fernandes. Acreditamos que nesse momento tanto Childerico Fernandes como dona Felisbela começaram a rezar fervorosamente, encomendando suas almas a Deus, pois ele era parente do Intendente de Mossoró, que organizou a resistência cívica naquela cidade.
Na historiografia do “Rei do Cangaço”, vemos fatos, ações e atitudes com tamanha distinção entre eles, que não sabemos do porque, agir daquela forma.
Em vez de sacar a pistola e atirar na cabeça de Childerico, ou puxar seu grande punhal da bainha e sangrá-lo, Lampião começa por pedir que armassem redes para que ele, Sabino e o coronel Gurgel se deitassem. Depois começa a conversar, sem ameaças ou violência com o prisioneiro. Pede azeite para lubrificar as armas. Tanto fica dono da situação que o preso lhe oferece refeição de carne de gado. Meticuloso, Lampião diz querer comer galinha, as quais estavam no terreiro e todas foram mortas, a tiros, pelos cangaceiros. A comida é preparada e todos se empanturram de galinha cozinhada. Conversa vem, conversa vai, de súbito, Lampião ergue-se e ordena que a cabroeira monte que iam partir imediatamente. A coisa seria cômica, se não fosse tão trágica, pois, ao despedirem-se do casal prisioneiro, vão apertar-lhes as mãos e desejam-lhe felicidades.
Incrível essa maneira de mudar suas ações. Em repentino momento, muda da água para o vinho. Todos montados, apertam as pernas e aos sentirem as pontas pontiagudas das rosetas das esporas, os animais começam a caminhar para a terra dominada por Padre Cícero.
“(…) Os homens equiparam-se, apressados. Dirigiram palavras amáveis a Childerico e esposa. Apertaram-lhes as mãos. Ensaiaram, brevemente, atos de civilidade.
– Vamos embora! – insistia o líder supremo, algo nervoso.
A malta partia, satisfeita com refeição e sesta.
Em menos de hora cruzaram a fronteira cearense. Lampião alertou os carbonários. Deixou claro que a partir dali o comportamento deveria ser outro. Estavam nos domínios do Padre Cícero Rumão. Repetia e advertência:
– Aqui já é Ceará! Pra diante ninguém rouba mais, pois o Governo daqui não bole com a gente! (…) (LUCETTI e LUCENA, 1995,p. 210)
NO CEARÁ
Já em terras do Ceará, o cidadão Manoel Freire é libertado já em terras da fazenda Lagoa do Rocha, após de determinado portador ter entregue a Lampião a quantia por ele estipulada para o resgate. O proprietário dessa fazenda, Lagoa do Rocha, o senhor Anísio Batista dos Santos é informado de que um bando de cangaceiros seguia rumando à cidade de Limoeiro do Norte, o que teria de passar por a casa sede da mesma, ou bem próximo a ela, já que ficava um pouco ‘recuada’, dentro da mata. Resolveu ir até as autoridades e deixa-las ciente do que estava acontecendo em suas terras, à presença de Lampião e seus homens. Antes de partir, recomenda para seus familiares que não acendessem candeeiros ou lamparinas para não trair, mostrar, onde estavam com a claridade.
Quando a noite encobre aquela região com seu negro manto, Anísio parte para cumprir sua missão. Mais tarde, já alta noite, as pessoas que estavam dentro da casa escutam um grande tropel de animais no terreiro da casa. De repente, alguém bate a porta…
“(…) La fora, bateu-se vigorosamente à porta:
– Pode abrir sem medo! É de paz!
– E quem é?? – quis saber a mulher.
– Capitão Virgolino Ferreira! A senhora está garantida! Quero só um lugar para passar a noite! (…)(DANTAS, 2005)
Como comentado anteriormente, quando estudarmos a história do cangaceiro Virgolino, notamos altos e baixos, constantes, em suas ações. A senhora abriu a porta e deixou que a cabroeira entrasse. Lampião foi totalmente educado, assim como seus homens ficaram todos comportados. Após todos comerem o “Rei do Cangaço” solicita a dona da casa que arme três redes para eles. Lampião, mesmo cansado, ainda saiu ao terreiro e foi rezar. Mais tarde o dono retorna da sua viagem, conversa com Lampião e esse pergunta se ele viu soldados perto daquelas paragens ou no caminho de Limoeiro até ali. Recebe resposta negativa do senhor Anísio, no entanto, ordena que se façam vigias, guardas, nas estradas para evitar surpresas.
Já era madrugada do dia 15 de junho de 1927, dois dias iam ser completados desde a derrota em Mossoró. Antes da aurora, todos fazem o desjejum e, tomando o senhor Anísio como guia e seguem ao encontro do seu destino. Lá pelas dez horas do dia chegam à fazenda Cacimba da Vaca, onde suas terras iam terminar nos arredores de Limoeiro do Norte. Ordenando que todos desmontassem, chama o novo guia Anísio Batista e, lhe entregando certa quantia, o envia a Limoeiro para fazer compras. Manda também que ele dê uma sondada vendo se havia policiais, os macacos, na cidadela. Além de lhe mandar procurar algum familiar do coronel Antônio Gurgel, um de seus reféns.
O senhor Anísio, ao relatar que Lampião e seu bando estavam às portas da cidade, causa certo pavor na população. É realizada reunião urgente com as autoridades que se encontravam na cidade que, descartam de imediato formarem um grupo de resistência pois não havia armas nem munição, tão pouco gente suficiente e disposta. Nessa reunião ficou acordado que convidariam o “Rei do Cangaço” e seus cangaceiros para vir conhecer Limoeiro…
“(…) Ao fim das deliberações, encontrou-se solução bisonha, porém de inegável prudência: resolveu-se convidar o célebre prover do cangaço e seus sequazes para conhecerem a cidade (…). Fizeram saber ao guia o resultado dp debate de há pouco. Pediram-lhe que fosse ao encontro do cangaceiro e o informasse sobre as condições de uma possível visita à urbe:
– Diga a Lampião que pode entrar sem receio! O único soldado que havia nós mandamos embora! Pedimos, entretanto, que ele não faça nenhum mal a cidade! (…).” ((DANTAS, 2005)
Lampião vai ser recebido pelo juiz de paz mais outra autoridades no caminho e na entrada da cidade. Bem recebido visita lugares. Os feridos são “remendados” e medicados. O chefe cangaceiro vai ao telégrafo e etc..
Posam para fotos. Os homens se alimentam e fazem compras, pagando em dinheiro e recusando o troco e assim se passa o dia. Custódio Saraiva, juiz de paz e vice, ou subprefeito, de Limoeiro do Norte, o homem que recebeu Lampião, a noite, recebe um telegrama onde dizia que tropas volantes haviam partido das Russas em direção a sua cidade, assim como dois caminhões lotados de soldados também estavam no mesmo rumo. Temendo uma bagaceira pelas ruas de Limoeiro, Custódio conversa com Virgolino sobre ele deixar a cidade antes da chegada dos militares, para assim evitarem derramamento de sangue, o que é aceito pelo cangaceiro chefe.
Lampião pega seu apito e faz ouvir o seu silvo e todos já sabem o que fazer. Aprontam-se, montam e o pernambucano de Vila Bela agradece a acolhida e se despede de todos, tendo o Sr. Anísio como guia, as 11 da noite daquele dia partem rumo ao desconhecido…
O APOIO DOS GUIAS
Por já ser altas horas da noite, a caminhada é curta. Depois de mais ou menos caminharem 12 quilômetros, param para descasarem e dormirem um pouco. Já estavam nas terras do senhor José Tertuliano de Souza Vidal e nela acampam no ponto denominado Serrote dos Morros. Por ser noite de lua os cangaceiros notam silhuetas se movimentando próximo do morro. Lampião ordena que alguns cangaceiros façam as devidas investigações. Tratava-se de um idoso, o proprietário que estava procurando um local para esconder alguns animais, justamente para escaparem dos cangaceiros.
Além de pedir para ficar com os cavalos, trocando por aqueles que estavam cansados, Lampião “convoca” o velho para que sirva de guia, pois não conhecia o lugar. O velho dá sua palavra de que viria pelo amanhecer e o levaria. Pela manhã chega ao acampamento o velho Tertuliano acompanhado de um jovem, seu sobrinho Francisco Vidal. Chico Vidal veio para que se Lampião concordasse, servir de guia no lugar de seu tio, já idoso e cansado. Lampião aceita de bom grado. Com esse novo guia Virgolino libera Anísio Batista. Dá seus agradecimentos e lhe diz que se algum dia precisar dele, seja para o que fosse, era só mandar chamá-lo.
“(…) Lampião mandou chamar Anísio Batista. Explicou-lhe que a partir daquele ponto não iria mais precisar de seus préstimos. Agradeceu ao guia a atenção e esmero. Por fim, deu-lhe autorização para retornar à sua casa. Acrescentou que, àquela altura, sua família deveria estar aflita.
Por fim, deu-lhe algum dinheiro e – como prova maior de gratidão – anunciou-lhe bizarra recompensa:
– Quando precisar de mim é só mandar me chamar! Seja o que for! (…).” ((DANTAS, 2005)
O senhor Anísio é dispensado para retornar a sua moradia e o velho Tertuliano também. Francisco Vidal começa a guiar o bando por terras desconhecidas ao chefe, dando sequência a grande volta até as terras do Pajeú das Flores, no sertão pernambucano.
O sol já estava alto, quando a turba chega ao povoado por nome de Taboleiro de Areia, hoje município de Tabuleiro do Norte. Nele os cabras de Lampião fazem compras. Numa grande feira, feita na bodega do senhor Antônio Alves Maia, eles colocam, além dos alimentos, “espelhos, lençóis de chita, meias de seda e duas dúzias de cerveja”, chegando ao total, toda a feira, de seiscentos mil réis. Após pagarem as despesas, Lampião monta em seu animal, seguido pelos demais, e despedem-se do dono da venda, reiniciando sua caminhada…
Duas horas depois, estavam todos descansando nos tabuleiros do sítio Armador. Lampião escolheu aquelas terras por serem altas e descampadas, assim teriam uma grande vista ao redor, além de ter água para reabastecerem suas reservas. Virgolino tinha conhecimento de que volantes paraibanas e cearenses estavam em seu encalce, porém, demonstrava confiança.
Depois de cinco horas de descanso, lá pelas três horas da tarde, Lampião dispensa os serviços de Francisco Vidal, lhe agradece e diz que só o estava soltando devido a serem homens honrados e sem mentiras.
“(…) Na porteira da propriedade Lampião dispensou Francisco Vidal:
– Você só volta porque seu tio não mentiu! Vocês são homens de palavra! (…).” ((DANTAS, 2005)
Daí por diante, duas horas de caminhada depois, chegam às terras da fazenda Araras. Num movimento de guerrilha Lampião dividiu parte do bando em três grupos.
Chefia uma parte, Sabino e Massilon os outros dois. Atacam e dominam rapidamente o dono das terras João Roque Macedo. Após está diante do cangaceiro mor, este diz ao senhor João, seu genro Sinésio Magalhães e o vaqueiro José Pedro, que necessita dos seus serviços para que levassem uma carta ao Delegado da Vila de Pereiro, Hidelbrando Mourão, “solicitando” determinada quantia. O primeiro e o segundo encarregaram-se dos bilhetes, já o vaqueiro tem outra obrigação, servir de guia. Além da missiva de Lampião, o coronel Antônio Gurgel pede aos emissários para que entregassem uma dele aos amigos em Pereiro, Décio e Artur Holanda. Nela, Gurgel referia querer saber como estavam as coisas sobre a grana do seu resgate, assim como solicita o apoio e a colaboração dos mesmos.
Emissários a caminho de Pereiro, o chefe Virgolino ordena então que sigam todos para outro local, por dentro da chamada “Mata Branca”, tentando esconder seus rastros. Após algumas horas de caminhada dentro da caatinga, ao chegarem à beira de um grotão, ordena que se faça no mesmo, onde suas barreiras serviam de anteparo para proteção. Tudo em total silêncio.
A noite do dia 16 passa sem complicações. Na madrugada do dia 17, logo cedinho, o cantar do galo já encontra a caterva de caminho afora. Naquelas paragens, sem nem sonharem com tanto cangaceiro por perto, os sertanejos levavam suas vidas como dantes, empenhados na labuta de seu dia-a-dia. Vez por outra um dava de cara com o bando. Já pensaram?
A pessoa vai de caminho a fora e dar de cara com Lampião e seu bando? Não era moleza não. Ao encontrarem esses roceiros, eles os abordavam e Virgolino fazia uma série de perguntas, dentre elas a principal: se tinham avistado soldados por perto. Todos respondiam que sim, que tinham visto muitos soldados pela vizinhança…
“(…) Pelo rumo das conversas, a certeza insofismável da presença de militares na região:
– Tem polícia por aí que faz medo! – era a resposta que brotava em uníssono da boca dos sertanejos (…).” ((DANTAS, 2005)
Em conversa, por certo, com o vaqueiro José Pedro, Lampião pede que esse o coloque em local que dê condições de enfrentarem qualquer ataque. Chegam e acampam nas terras do sítio Saco do Garcia. Escolhem um serrote com pedras e grotões, além de ter água em poços e “pias” de rocha, local ideal para acamparem. Lampião abate, a tiros, uma rês que pastava por perto. Os cangaceiros a sangram e tiram-lhe a pele, o couro, e fazem, preparam, a carne: salgam e a colocam no sol para desidratar e poderem colocar nos bornais para os dias vindouros. Ficou decidido que ali, naquele local, pela natureza das defesas naturais e a quantidade do líquido precioso, ficariam a esperar a resposta do delegado.
DRAMA DO CORONEL GURGEL
A maioria dessas informações ficaram registradas para a História através do diário do coronel Antônio Gurgel, que relata o que ocorria no bando, ou com o bando, nos terríveis dias do seu cativeiro.
O vaqueiro José Pedro, além de guia do bando, tornasse os “olhos e ouvidos” do “Rei do Cangaço”. Primeiro Lampião o envia a Vila de Alto Santo para averiguar como estava a situação, e se havia movimentação das volantes. Ao retornar, o vaqueiro reporta que havia um contingente com, mais ou menos, 150 homens na Vila. Notícia que coloca a pulga atrás da orelha de Virgolino. Este então manda mais uma vez que o colaborador vá a outras direções, vasculhe como se caça uma rês perdida na mata, por mais informações sobre a movimentação dos militares. Lá pela hora da Ave Maria Sertaneja, José Pedro retorna e com notícias negativas. Disse ao “capitão” que uma grande volante paraibana estava em seu encalce. Além de uma pequena tropa, uns vinte soldados, estava batendo em tudo que era lugar em busca de informações sobre ele. Nesse busca, relata o vaqueiro, os militares descem a macaca, roubam e praticam várias atrocidades contra os sertanejos.
“(…) Acrescentou que, pelo caminho, os homens da milícia cometiam os maiores horrores – davam surras, seviciavam, roubavam sitiantes. Ressaltou José Pedro, por fim, que grande contingente paraibano parecia deslocar-se naquela direção. Lampião de imediato pressentiu algum perigo (…).” ((DANTAS, 2005)
Passa-se a noite do dia 17. Já no alvorecer do dia 18, Lampião envia, mais uma vez, o vaqueiro para que desse uma averiguada nas redondezas. O sol já havia pendido para o poente, o calor estava abrasador e nenhuma brisa soprava para diminuir o mormaço.
Sínésio Magalhães retorna trazendo junto o vaqueiro Manoel Alves. Esse trazia a quantia estipulada por Lampião pelo resgate do coronel Joaquim Moreira, outro de seus reféns das terras potiguares. Recebida a grana o coronel Moreira e libertado. O chefe cangaceiro chama Sinésio e lhe pergunta sobre sua missão. Esse reporta que o Delegado Hidelbrando estava ciente e de que responderia dentro do prazo.
Toda vez que ocorria algo assim, ser solto, ou liberado, um companheiro refém, o coronel Antônio Gurgel ficava desesperado. Procurava saber o porquê de não terem mandado o resgate para sua libertação. Já pensaram que agonia passou esse cidadão? Sem mais saber o que fazer, apela para o vaqueiro que trouxera o dinheiro para liberta o coronel Moreira, para que o mesmo levasse uma carta na fazenda Brejo. Manoel Moreira diz que a fazenda fica totalmente ao contrário ao caminho que teria que seguir. O outro vaqueiro, José Pedro, prontifica-se para levar a carta do coronel no dia seguinte. Então o coronel Gurgel escreveu o ‘bilhete’ dessa forma, maneira:
“Muita reserva
Tilon:
Venho depositar em tuas mãos minha vida e liberdade.
Quando receber esta, sem perda de um minuto, monta a cavalo e corre até Mossoró para arrumares os 21:000$000 para meu resgate, o que farás com T. Filho e Jayme – Mesmo no caso de andar no mundo a outra remessa, consegue por tudo, meu irmão, a importância que te peço e regressa de automóvel para ganhar algumas horas. É muito importante e recomendo-te sobretudo o maior sigilo sobre essa informação, da qual ninguém por enquanto deverá saber, a não ser Tibúrcio e Jayme. Ouve bem: ninguém mais – além de vocês três, para evitar qualquer intervenção de autoridades, que neste caso só poderá me ser fatal. Quanto a este portador V. o guardará aí s/ qualquer pretexto até sua volta. Confio que terá maior cuidado nesta arrumação para que nada transpire e eu possa me livrar – pois tido agora depende de ti – do cuidado que empregares – sobretudo sigilo. O portador par vir com este poderá ser o velho Gaudêncio, ou se V. aí souber ou tiver um homem mais prático. Pensa bem na minha situação e faze tudo para conseguir minha liberdade. Ao Guedes que telegrafe a T. Bezerra pedindo meu saldo que apesar de pequeno serve. Age com presteza e que Deus se cpmpadeça de minha sorte.
Teu irmão am°
Antônio Gurgel do Amaral (FERNANDES, 1985,p. 257-258)”
As coisas caminham de uma só maneira no acampamento. A chegada da noite encontra o vaqueiro José transmitindo oralmente mais um relatório para o chefe, e dessa vez ele arrisca aconselhar Lampião. Lampião acata o que Pedro disse e lhe ordena que os guie para outro coito. Pedro os guia, mesmo durante a noite, por mais ou menos seis horas de mata adentro, onde os coloca em outra grota, distante. Ao amanhecer, tudo estava calmo. Porém, os alimentos começavam a acabar. Teriam que encontrar mais… Otílio retorna à tarde com uma boa compra. Por enquanto, estavam abastecidos de alimento.
Porém, esse mesmo coiteiro alerta Virgolino que soube que um certo vaqueiro os viu e passou a informação para as autoridades, as quais estavam seguindo para onde estavam. Mais uma vez o acampamento é levantado as presas. Aproveitam a noite para se distanciarem daquela paragem e vão se alojar nas perto da Serra do Palhano. Acampam e passam a noite sem novidades.
EMBOSCADA DO SERROTE DA RODA
As coisas começavam a piorar: quando tinha alimento, faltava água. Quando faltava os dois, a saída era os cactos. Levantam acampamento novamente e seguem de mata adentro. Acampam, desta vez na Serra da Micaela, onde pelo menos tinha água abundante. À noite dormia-se pouco, qualquer ruído na mata fazia aqueles homens ficarem com os nervos a flor da pele, prontos para guerrearem.
Pela manhã Lampião recebe mais informações sobre a movimentação militar. O cerco se fecha e, por mais que tentasse Virgolino não conseguia se afastar o suficiente dos perseguidores. A coisa estava se complicando. Dessa vez Lampião modifica a maneira de locomoverem-se. Ele divide o bando em pequenos grupos para assim se movimentam mais rápido e, se fossem atacados, os outros saberiam a tempo, eliminado uma grande emboscada por parte dos militares.
O “Rei dos Cangaceiros” mais uma vez acertou em cheio. Bem próximo a eles estavam duas volantes, uma cearense e outra da Paraíba, comandadas por seus respectivos tenentes.
“(…)Ali bem perto, conglomerado de volantes, chefiadas pelos tenentes Luís Davi e João costa, das polícias cearense e paraibana, respectivamente, seguiam o rastro da chusma (…).” (Ob. Ct.)
O tenente Luís Davi escolhe o Serrote da Roda como local para arma uma “arapuca” para os cangaceiros. A geografia do serrote dava condições favoráveis para uma embosca ser bem sucedida. Se os cangaceiros, acostumados a situações deveras adversas estavam nervosos, os soldados estavam em pior situação. Mesmo estando entrincheirados, protegidos, não permaneciam quietos e a todo instante alguém mudava de lugar, ou dava uma espiada para ver se via alguma coisa. Todos os soldados já tinham escutado de como os cangaceiros lutavam, com acréscimos, provavelmente, e isso os deixavam mais nervosos ainda quando, de repente, avistam chapéus de couro de abas largas e quebradas para trás se aproximando do local em que estavam…
Preparados para a emboscada no Serrote da Roda, os soldados comandados pelo tenente Pereira já estavam comprimindo os gatilhos das armas, fazendo mira nos cangaceiros que se aproximavam. O tenente dá a ordem de abrir fogo. O tempo se fecha naquelas terras assoladas pelo sol abrasador de uma tarde do mês de junho. Os homens de Lampião vinham cansados, porém, eram feitos no traquejo do combate. Quase no mesmo instante em que a saraivada de balas partia da encosta do serrote, os cangaceiros, na planície, pulam, jogam-se de lado, para trás e começam a responder ao fogo.
Os homens que seguiam Lampião eram forjados na fome, na miséria do sertão nordestino onde, naquela época, a Lei era sempre protetora do mais forte, daqueles que podiam, tinham poder, nada comparado a eles, além das intempéries naturais em que os faziam beber líquido de cactos e comer alimentos que embrulhariam o estômago de qualquer outra pessoa. Cansaram de ver a morte de frente, mesmo sem ser em combate, e não seria naquela hora que não a enfrentaria com coragem.
Nossos estudos sobre o “Rei do Cangaço” não se iniciaram tentando desvendar se esse chefe cangaceiro seria herói ou bandido, mas, com a ideia de compreender o emprego de táticas de guerra e de seus movimentos em meio a nossa natureza rude, improvisadas dependendo da situação, do tempo, do terreno e outras condicionantes. Aqueles que seguiam Virgolino aprenderam a lhe obedecer cegamente, bastava ele dizer o que queria para que fosse cumprido rapidamente a sua vontade. Em meio ao som dos disparos, Lampião começa a gritar dando ordens dizendo como deveriam agir… E os homens obedeciam como se fossem automáticos impulsionados por um botão.
“(…) Homens que lhe obedeciam cegamente. Se submetiam, tal qual vassalos, à incomparável inteligência de um rei sem coroa. Conheciam com profundeza a astúcia e destreza da exponencial figura do cangaço. A liderança de lampião era sem dúvida algo inacreditável. E mais uma vez – à sombra do Serrote da Roda – provou a rara ascendência que detinha sobre a cabroeira.
Rápido, em simultâneo aos primeiros tiros da volante, ditou comando aos comparsas. Ao som de única palavra, os bandoleiros saltaram dos cavalos e buscaram refúgio nas pedras do terreno(…) Seguiram as ordens de Lampião como soldados treinados(…) Em segundos, já respondiam aos tiros dos militares, em cadência notável superior (…).” (“Lampião e o Rio Grande do Norte – A história da grande jornada” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª edição. Natal, 2005)
A papoqueira de balas se alastra levando seu som amedrontador de sertão afora. Os animais, antes utilizados pelos cangaceiros, saem em disparadas que nem bala conseguiu alcança-los. Feitos no combate, muitos dos homens de Virgolino rolavam de lado para outro, atirando e provocando seus adversários com pretensão desses se mostrarem para tornar-se um alvo fácil. A posição em que se encontravam os homens do tenente Pereira era privilegiada. Atiravam de cima para baixo. No entanto, sob o comando de Lampião, os cangaceiros conseguem, no momento do “pega-pra-capar”’, do “vamos-ver”, retirar essa vantagem. Quando as coisas estavam, mais ou menos nesse patamar, Surge uma fuzilaria parte na retaguarda da posição de combate dos bandoleiros. Era os homens comandados pelo sargento Eurico Rocha, da “Briosa” cearense que vinham em socorro dos seus companheiros. Com isso a coisa muda de figura e os bandoleiros sentem nitidamente, na pele, esse novo fogo adversário. O cerco aperta mais e mais. A coisa “nublou-se” pras bandas da cabroeira…
Mas, como se viu em vários e vários combates entre seres humanos, é justamente nessas horas difíceis que emerge a capacidade, o dom de um líder.
Lampião vendo a coisa preta para seu lado e o de seus “meninos”, erguesse e, de arma nas mãos, atirando ligeiro com um raio, começa a esbravejar palavras de coragem para seus comandados, e, como num passe de mágica, consegue abrir uma brecha no “paredão” feito pelos soldados, por onde seus homens começam a deixar a “arapuca”. Contornam o serrote em seguida procuram embrenha-se na “Mata Branca”, na vegetação de caatinga, sua leal acolhedora em momentos como aquele.
ESPERANDO A FORÇA PARA BRIGAR
Aquela emboscada causou uma tremenda queda, no já caído, ânimo da cabroeira. Apesar de ter durado, mais ou menos uma três horas, os prejuízos para Lampião foram enormes. Com o barulho dos disparos os animais somem sem ninguém saber para onde e nem a distância que alcançaram os animais levaram em seus alforjes, coxins e coronas, alimentos, água, joias, dinheiro, armas e a “farda de major” que era de Sabino, o qual a tinha pego em uma residência na capital do oeste potiguar e tinha utilizado quando do ataque de 13 de junho em Mossoró. Além desse prejuízo um de seus homens, o cangaceiro Moreno, foi ferido em um dos braços. O projétil ao entrar em choque com o corpo do cangaceiro abre uma ferida de enorme tamanho, levando consigo parte do tecido mole, deixando a mostra parte do osso. Isso deixa seus líderes preocupados, pois se gangrenasse, teriam que sacrificar o companheiro.
As coisas iam de mal a pior para os bandoleiros. Estavam dentro da caatinga sem comida e água. Tinham que percorrer léguas, não sabiam como nem à distância exata que teriam que andar. Pois bem, daquele momento em diante, a cabroeira partiu sem rumo certo, tomando cuidados redobrados para que outro confronto não acontecesse, pois seria o fim de muitos deles que estavam a pé. Aquela viagem de volta pela caatinga estava colocando a prova todos os conhecimentos do líder do Pajeú das Flores, adquiridos desde os anos em que trabalhou como almocreve e vaqueiro. Aguçando seus sentidos, raciocinando com frieza, apesar dos problemas, Lampião prevê que seus adversários, as volantes, no intuito de lhe cortarem caminho, partiriam direto para a região do Cariri cearense, localizada no sul do Estado.
Refazendo-se da agonia Lampião muda seus planos de imediato e segue, tomando todas as precauções e utilizando de despistes, como andar em sentido diferente na direção do município do Riacho do Sangue. Após algumas horas de caminhada ordena que se faça uma parada para descansarem.
Antes do raiar do dia 22 de junho, já estão de novo a caminhar numa busca desesperada por água. A situação se complica, ainda mais, depois que entram no leito de um riacho e esse estava mais seco do que suas gargantas. Autoriza uma parada e manda que alguém vasculhe as redondezas em busca de alguma coisa para comerem. Um dos cabras retorna trazendo a notícia de que havia uma casa e próximo a ela um riacho onde tinha uma cacimba com água. Dando-lhe dinheiro o chefe ordena que vá até a tapera, bata a porta e compre os queijos e rapaduras que lá tivesse. O homem vai e retorna com tudo que pode comprar, porém, para tanta gente, só deu uma refeição. Passaram o resto do dia e a noite naquele recanto de terra cearense.
Ao amanhecer do dia 23, dez dias após o ataque a Mossoró, partem sem saberem o que encontrariam pelo caminho, apenas de uma coisa tinham certeza, que a morte os rondava por perto. Na mata, a frente do grupo, escutam ruídos de cascos de um animal. Parando a cabroeira, Lampião começa a prestar atenção de onde vinha e se seria uma rês solta, o que significava alimento, ou se seria outro animal. De repente notam que se tratava de um homem encourado, um vaqueiro, que matinha a cabeça baixa ao andar da montaria, na certeza estava rastreando os rastros de uma rês desgarrada. O homem só vem perceber os cangaceiros bem perto, ao avistá-los, tenta virar o animal e dar o fora, no que é advertido pelos bandoleiros de que se assim fizesse morreria. Então o vaqueiro puxa as rédeas do animal que estanca.
Sabino das Abóboras chegou rapidamente junto ao animal e manda que o homem desmonte. Nele foi colocado o cangaceiro ferido que não sabe-se como suportara tanta dor, pois seu membro superior já cheira mal, havia gangrenado.
Notamos a seguir a diferença de um líder que pensa e outro que só tinha em mente matar. O cangaceiro Sabino quer porque quer matar o pobre vaqueiro, dizendo que se ele vivo ficasse entregaria a polícia, a situação e posição deles. Lampião pensou mais além, sabia que necessitava de alguém que conhecesse as redondezas, então não autoriza a morte do homem.
“(…) O covarde suplício foi refutado por Lampião, justificando ao comparsa a extrema necessidade de um guia. Vagavam por região desconhecida.
Sabino não mais criou caso.
O matuto não coube em si de contentamento. Prostou-se de joelhos aos pés de Lampião:
– Obrigado “coroné”! Eu levo vocês até um esconderijo que conheço! Pode confiar na minha palavra! (…).” (DANTAS, 2005)
O novo guia os leva, agora numa marcha mais rápida, há um local com segurança. Dali, Massilon pega o vaqueiro e ordena que ele o leve a algum lugar para conseguir comida. Retornam ao anoitece com alguns punhados de farinha, queijos e um peru, coisa mínima para tanta gente esfomeada.
No coito, ou esconderijo, improvisado Virgolino começa a pensar nas volantes paraibanas, repletas de homens corajosos, astutos, corajosos e que “não abriam nem para um trem” e se questiona onde eles estariam? Com certeza em sua busca. Parece que estava adivinhando. Os cangaceiros estavam próximos do local onde se encontrava uma volante comandada pelo Oficial Germano Sólon de França, que tinha sob seu comando não paraibanos, mas uma Força cearense, que vinha escavacando tudo quanto era grotão, furnas, grutas, serras e serrotes, em todas as propriedades rurais, na busca de algum vestígio deixado pelos cangaceiros.
Sabino chama dois dos homens e sai à procura de mais alimentos. Encontra-se com um agricultor e fazem negócio em duas criações que serviriam de alimento para o bando. Preço acertado, Sabino puxa do dinheiro para pagar, quando, naquele momento nota a aproximação de soldados. Imediatamente caem fora, embrenham-se na mata e fogem. O dono das criações não consegue evadir-se, também não tinha por que, deve ter pensado. No entanto é preso e sumariamente torturado quando lhes conta o que estava fazendo. É tido como acoitador, colaborador, fica detido e preso.
“(…) Jeremias foi aprisionado. Não teve tempo de escapar. Sobre seus ombros pesou suspeita de ser coiteiro. De pronto passou por torturas e muito em breve pôs tudo a descoberto. Informou à polícia que Lampião estava próximo, acampado a mais ou menos três quilômetros, no sopé da Serra da Macambira (…).” ((DANTAS, 2005)
Ao retornar para o acampamento Sabino reporta ao chefe tudo que havia se passado. Essas notícias só vieram confirmar as suspeitas de Lampião, principalmente quando é sabedor de uma grande volante circulava em seu encalço naquela zona. Lampião envia alguns homens, disfarçados, para sondarem se alguma volante estava seguindo para onde estavam. Cai à noite e Sabino chama seu chefe para darem no pé. Virgolino não aceita e diz que esperará aquela volante para dar uma brigada com ela.
“- O filho do velho disse que tinha uma força grande por aí! Acho que a gente deveria fugir!” (diz o cabra das Abóboras)
“- Não! Eu vou esperar essa força! Estou com disposição prá brigar! – reagiu Lampião. (DANTAS, pgs. 302 -303)
Sem darem um minuto de descanso aos cangaceiros, várias volantes, paraibanas e cearenses os perseguem dia e noite. Avançando durante a noite, já na madrugada do dia 25 de junho, um imenso cerco é formado em torno do acampamento onde se encontrava Lampião e seus homens. Aos poucos os volantes vão diminuindo o raio do perímetro, e o confronte teria início a qualquer momento.
O lugar tenente de Lampião vai até onde estão os reféns Antônio Gurgel e dona Maria José, relata o que está para acontecer e os leva até uma grota funda que ficava perto e os deixam neste local onde estariam protegidos dos tiros. Junto aos reféns também fora deixado o cangaceiro Moreno que estava ferido. Os reféns sempre estiveram o tempo todo sob a guarda do cangaceiro Félix da Mata Redonda, cabra sério e que os demais o respeitavam, porém, dessa vez, ficaram dois a guardá-los.
Em volta de onde estavam os cangaceiros, a coisa estava fervilhando de soldados. Segundo historiadores, seria um contingente, aproximado, de 400 homens doidinhos para matarem cangaceiros.
“(…) Ali bem perto, tropas militares posicionam-se. O comando da operação fora confiado ao tenente cearense Manoel Firmo. Ao seu lado, alentado efetivo, com aproximadamente quatrocentos homens. Acompanhavam o Oficial-em-comando os tenentes cearenses José Bezerra, Osimo de Alencar Lima, Luiz Davi de Souza, Veríssimo Alves Gondim, Antônio Pereira, Germano Solon de França, além do tenente João da Costa e Silva, da polícia paraibana (FIGUEIREDO,s.d.)(…).”
Diferentemente de quando fora emboscado, no serrote da Roda, Lampião era quem estava numa posição favorável. Quando o dia clareia Virgolino observa o movimento tomado pela tropa. Em seguida passa as ordens para os seus homens se posicionarem em determinados lugares. As estratégias empregadas por Lampião, sempre foram fatos de admiração até mesmo entre seus maiores inimigos.
O nazareno Davi Jurubeba, policial e ferrenho inimigo dos irmãos Ferreira, citou sobre as artimanhas de Lampião em combate e afirmou que ele sempre levou vantagem. Já o pesquisador Sérgio Augusto de Souza Dantas, que entrevistou Davi Jurubeba, trouxe em sua obra os seguintes apontamentos deste inimigo de Lampião:
“Lampião era de uma sagacidade sem nome. Era muito difícil pegar Lampião; ele não caía em emboscadas. Ele vinha de lá e de lá alguém nos avisava. Ficava um bocado esperando ele aqui. Grupos de quatro ou cinco volantes emboscados. Ele vinha, vinha, quando chegava a um ou dois quilômetros da emboscada, ele entrava pelo mato e desaparecia. Isso eu mesmo vi, não foi ouvindo contar não. Eu mesmo vendo. Não! Não sei o que é que ele era não. Não sei se era o Cão. Devia ser Satanás”.
O fogo rompe no Riacho da Fortuna. Cangaceiros colocados em lugares estratégicos “balançam suas armas”, atiram, em respostas aos tiros disparados pela tropa que cercara o local. O tiroteio primeiro dura por volta de hora e meia. Entre disparos e fumaça, escutava-se o vozerio daqueles que se digladiavam, cada um a sua maneira de provocar seu adversário. Xingamentos, palavrões e toadas cantadas no calor da luta…
Após o primeiro tiroteio, ao receberem um sinal do chefe, os cangaceiros param de atirar e ficam imóveis em seus lugares. Calados, sem moverem um músculo do corpo, permaneceram os cabras de Lampião. A tropa, talvez achando que seus adversários deram as costas, começam a sair de seus abrigos e avançarem na direção em que estavam posicionados os cangaceiros. Movimento errado e precipitado. Há um novo sinal do “Rei do Cangaço”, todos de balas nas agulhas das armas, os cangaceiros saem dos abrigos e abrem fogo contra a tropa exposta. Ao escutarem o silvo dos projéteis bem perto de suas cabeças, os soldados partem para bem distante, em busca de salvarem suas vidas adentram a mata ao contrário onde se realiza o confronto. Salta pra lá, corre pra cá, arrasta-se pra li e toda a organização da tropa se desfaz.
“(…) A debandada seguiu-se em desordem, aflita. Cada soldado tentava fugir da melhor forma possível. Rastejaram, saltaram embrenharam-se no tabuleiro. À esmo, respondiam aos tiros da falange criminosa (…).” ((DANTAS, 2005)
Aproveitando esse instante de desordem das volantes, Lampião dá outro sinal e todos partem seguindo o leito seco do riacho. Correm até perderem suas forças. Da parte dos cangaceiros, nesse confronto não ocorreu baixas, já do lado militar, a coisa foi terrível:
“Tombaram no teatro da luta os Cabos de Esquadra Raimundo José Augusto, Manoel da Silva Brito, José Felix do Monte e o soldado Aprígio José da Silva. Feridos com gravidade os praças Emídio José de Oliveira, Raimundo Rocha e José Casimiro.” (FIGUEIREDO, s.d.)
LIBERTAÇÃO DOS PRINCIPAIS REFÉNS E PERSEGUIÇÃO FEROZ
Descansando o suficiente, os cangaceiros empregam nova caminhada, saindo do leito do riacho, apagando seus sinais e começando a ação de despistar na caatinga. Lampião e seus companheiros sabiam que se topasse com outra tropa, e mais um confronto ocorresse, não haveria balas suficientes para tal. A preocupação aumenta entre o “estado-maior” de Lampião. O cangaceiro mor relata para os seus lugares-tenentes que chegara a hora de libertar os reféns. Durante o último confronto, Virgolino escutara por diversas vezes os soldados gritarem para que libertassem os reféns. Deixou eles cientes de que, libertando os reféns, a perseguição diminuiria e eles conseguiriam voltar para sua terra. Sabino foi o interlocutor para dar a notícia aos reféns, coronel Antônio Gurgel e dona Maria José, de que eles seriam libertados.
Lampião ao despedir-se deles manda que uma das cativas, Dona Maria José Lopes, levada da fazenda Aroeira (hoje na zona rural da cidade de Paraná-RN) que tome bastante cuidado, pois estavam com volantes nas proximidades e estas poderiam, por engano, atirar neles. O coronel Gurgel chega-se pra perto de Lampião e estende-lhe a mão. Antes de partir, recebe do “Rei do Cangaço“ duas moeda de ouro, duas libras esterlinas, deixando o coronel surpreso e boquiaberto com aquela atitude.
“Ao sair, recebeu duas moedas de ouro. Não conseguindo esconder a surpresa. Lampião justificou o ato:
O dia seguinte, 26 de junho, foi cheio de espectros que surgiam em cada moita, levantavam-se de trás de cada pedra… E sempre partiam ao encontro daquela horda faminta, cansada e sedenta. À noite era pior, pois não conseguiram pregar o olho.
A caminhada era incessante. Não poderiam parar para nada. Desciam serra, subiam morros, atravessavam baixos e prosseguiam numa louca tentativa de salvarem suas vidas. Já iam longe, na segunda metade do dia 27 de junho, no lugar chamado Cabeça do Boi, quando são atacados por uma Força paraibana. Lampião e seus “meninos” rompem mais esse ataque e embrenham-se na sua aliada natural, a caatinga. Dessa feita não há baixas em nenhum dos lados. Porém os nervos dos cangaceiros estavam, cada vez mais, em total frangalho.
No dia 29, após longa e sofrida volta ao rumo do Cariri cearense, os cangaceiros, sem notarem, estavam às voltas com os homens do antigo cangaceiro e companheiro de lutas Clementino José Furtado, o sargento Quelé, o conhecido “Tamanduá Vermelho”, agora comandante de uma volante paraibana e verdadeiro osso duro de roer.
Estavam eles, os cangaceiros, naquele momento sob os olhares dos homens da volante paraibana comandada pelo tenente Manuel Arruda Diniz. Diniz, segundo pesquisadores, não ordena que seus homens ataquem, e seria, ou teria sido, uma situação ímpar. O tenente distribuiu seus homens em duas fileiras, deixando um espaço que tinha condições dos cangaceiros passassem mesmo no meio da fila dupla de atiradores. Os cangaceiros passam e os soldados apenas os olham.
“(…) A emboscada preparada pelo tenente Manuel Arruda Diniz, da polícia paraibana, foi, entretanto, meramente figurativa.
Não houve tiro sequer.
O oficial – que no dia anterior (28 de junho) alardeava aos quatro cantos que iria arrasar o grupo – fez proposital vista grossa e os cangaceiros passaram incólumes entre as colunas (…).” (DANTAS, 2005)
Assim, volantes paraibanas, cearenses, pernambucanas e norte-rio-grandenses, passam a perseguir o bando de cangaceiros, desanimados, esfomeados e sem munição para enfrentar uma luta aberta contra tantos inimigos em comum.
Mas a coisa fica mesmo catastrófica, com a traição daquele a quem o “Rei do Cangaço”, caminha em busca de apoio e guarida, o coronel Izaías Arruda, da Fazenda Ipueiras…
A TRAIÇÃO DO CORONEL
O cerco ao bando de Lampião, em território cearense, a cada dia se fechava mais. Eles não tinham nem como descansar direito. Forças de três Estados estavam em seus calcanhares e não queriam “largar o osso”, pelo contrário, todos queriam era dar o golpe final. Acabar de uma vez por todas com o famigerado facínora que tanto lhes dava trabalho.
Para onde pendesse o bando encontra adversários. Uma grande tropa paraibana, comandada pelo tenente João Costa e pelo sargento Clementino Quelé, cercam o bando, ou o que restava dele na Serra do Velame. Nesse combate o pernambucano perde vários cangaceiros.
Procura refúgio e desça a encosta da serra. Ao chegarem próximos as margens do açude Velame, são novamente cercados e atacados pelos paraibanos que haviam dividido seus homens, deixando vários de seus combatentes na retaguarda. Mais vidas são perdidas e as baixas só aumentam. Nesse embate, não sabemos ao certo como, Virgolino consegue furar o cerco e cair fora com o restante de seus cabras. (LIRA, 1990)
Os cangaceiros estavam passando por uma prova que homens comuns não aguentariam. Além da perseguição constante das Forças Públicas de alguns dos Estados nordestinos, havia a fome e a sede que tirava os restos das suas resistências. A única coisa que sabemos que fora colaboradora de Lampião e sua turba naqueles dias, naquela volta terrível das terras potiguares, foi a sua aliada, a “mata Branca”. Quem respeita a caatinga e a conhece profundamente, tira proveito disso. Nela encontra-se o alimento e a água para matar a sede através da sua flora e fauna.
A meta de Lampião, naqueles momentos terríveis, era uma só: chegar às terras de seu, até então, amigo coronel Izaías Arruda, na fazenda Ipueiras, sul do Cariri cearense. Na verdade, segundo vários autores, o plano para invadirem a cidade de Mossoró fora elaborado pelo coronel Izaías Arrudas e outros daquele meio, nas próprias terras que agora o “Rei do Cangaço” tentava alcançar em busca de amparo, proteção e com isso salvar sua vida.
Lampião, diferentemente do que muitos pensam, dependia e muito dos coronéis sertanejos, pois sem a colaboração e o apoio deles seu “reinado sangrento” não teria durado quase vinte anos. Só que a coisa era na base do “toma lá, da cá”. Nem os coronéis faziam algo sem verem o que conseguiriam em troca, nem Lampião fazia algo sem ver o que receberia pelo feito. A “amizade” e a lealdade deles se baseavam unicamente nesse sentido, ou seja, na verdade nem uma parte nem outra tinham confiança mútua.
Além do mais para os coronéis havia as questões políticas e para isso era bom manter amizade e, quando possível, usarem os serviços daqueles que viviam da espingarda na mão. Eles, os “coronéis”, os principais políticos de sua época, fizeram e desfizeram de muita coisa a margem da “Lei”. No entanto a própria “Lei” os protegiam e só condenavam os pobres lascados. Isso é fato!
Pois bem, o coronel Izaías Arruda recebe a notícia de que Lampião e seu bando se encontram no município de Missão Velha e ou Aurora. Lampião, com as vestes em frangalhos, assim como as dos seus homens, solicitam acolhida ao chefe político. Izaías envia Lampião e ao bando para as terras fazenda Vivenda, de seu parente e cúmplice José Cardoso. Era para eles ficarem na casa sede, porém, como a coisa estava “quente demais”, Lampião, em cima da hora, já avistando a casa sede, resolveu levar os cangaceiros para a margem de uma vargem e alojam-se debaixo dos pés de oiticica e juazeiro que lá havia. Próximo a eles tinha um grande canavial de um lado e do outro a mata bruta. O coronel Izaías Arruda, vendo a coisa ficando preta pra o lado do seu aliado, resolveu dá um jeito de eliminá-lo.
Vemos duas situações nesse gesto do coronel: uma seria que ele, o capitão Lampião, estando morto jamais poderia abrir a boca sobre quem, onde e como fora organizado e planejado o ataque à grande cidade do sertão potiguar. Em segundo Lugar Izaías Arruda não era bem visto pelas autoridades cearenses e paraibanas, devido ter conseguido muito, inclusive ser Prefeito da cidade cearense de Missão Velha, a base das armas. Daí, sendo ele o autor indireto da morte do famigerado cangaceiro pernambucano, a sua situação poderia mudar de figura diante das vistas das autoridades.
O vaqueiro Miguel Saraiva é encarregado pelo próprio coronel Izaías para que esse colocasse veneno na comida que levaria para os cangaceiros. Além disso o coronel envia seus jagunços, que não eram poucos, juntos com uma tropa militar para que dessem cabo do bando. Além disso o coronel ordena que se coloque fogo na plantação de cana próxima ao acampamento dos cangaceiros e por último a tropa e os jagunços que faziam o cerco matariam a tiros aqueles que não morressem envenenados ou queimados.
“(…)Tudo envolvido em conjunto na estratégia traçada na fazenda Ipueiras com vista a invasão de Mossoró, o ataque da volante sofrido no sítio Ribeiro( riacho do Bordão de Velhos dia 2 de julho) e por fim, o suculento banquete(envenenado) a cargo do vaqueiro Miguel Saraiva( da serra do Diamante e Coxá) oferecido na casa grande da fazenda-vivenda pertencente a José Cardoso, parente do famoso coronel Izaiais Arruda que terminaria com um cerco policial e o ato incendiário ao bando. Neste episodio marcante ocorrido em 7 de julho de 1927 próximo do meio-dia, cumpre destacar que em cima da hora, Lampião a 500 metros da residência, decidiu que o almoço fosse servido não mais na casa grande, mas ali mesmo, no baixio sob as sombras das Oiticicas e Juazeiros. Uma decisão providencial e salvadora(…).” (“A Traição de Izaias Arruda” – José Cícero)
“(…)Dr. Izaías Arruda queria mesmo, naquele dia, exterminar o rei do cangaço e o seu já desfalcado bando(…) Além do veneno, o Dr. Izapias armou mais dois tremendos laços para Lampião: um foi em mandar tocar fogo em todo canavial existente no roçado; o último foi em por toda a sua cabroeira no pé da cerca, para que, quem escapasse do veneno e do fogo, não escapasse das balas de sua gente (…).” (“Lampião – Memórias de um Soldado de Volante”- LIRA. João Gomes. 1ª edição. Recife,1990)
Alguns cangaceiros na verdade, ao comerem a comida envenenada, não morrem, apesar de passarem bastante mal. Aí surgiu o fogaréu na plantação. Não se sabe, mais uma vez, como danado foi que veio a ideia para que Lampião saísse do veneno e do fogo que consumia rapidamente a palha seca do canavial. Foi um momento, talvez raro, em que Lampião não estava prevenido, pois tinha o coronel Arruda como amigo e aliado, nunca esperava uma traição daquele tamanho. Mas ele consegue escapar!
Lampião fora um bandoleiro das caatingas sertanejas que agiu em sete dos nove Estados da Região Nordeste, mas quando dava sua palavra ele a cumpria. No entanto, por achar que os outros também agiriam assim, perdeu a vida e a cabeça num leito de um riacho seco em terras sergipanas na segunda metade da década de 1930.
Aos trancos e barrancos, o “Rei Vesgo” consegue transpor os limites da linha divisória dos Estados do Ceará e de Pernambuco, ainda comandando um bando, bastante pequeno em relação ao que fora, não só pelas baixas, mas também pela separação dos homens do bando de Massilon Leite e deserções.
FIM DE UMA JORNADA E INÍCIO DE OUTRA
Estando no município da cidade de Bom Nome, já em Pernambuco, um dos cabras de Lampião, o cangaceiro “Mão Foveira”, também conhecido como “Serra do Umã”, cujo nome real era Domingos dos Anjos de Oliveira, vinha se contorcendo de dores devido ao veneno ingerido, solicita ao chefe sua dispensa. Pra que aquele cabra fez aquele pedido? O filho de Vila Bela se irritou muito e perdeu as estribeiras. Pois bem, o chefe, em vez de deixa-lo ir, coloca uma bala na agulha da arma e diz que o deixaria, porém, morto. Não sabemos de outra perda de serenidade nos estudos sobre Lampião como esse. O cangaceiro começa a implorar pela vida e só não perde devido todos os outros ficarem a seu favor. Fato esse também raro, se não único, nos feitos do cangaço lampiônico, em que toda a cabroeira fica contrária ao chefe.
“(…) Todo mundo contra Lampião, ficando todos ao lado do companheiro Mão foveira. Todo bando, por uma só voz falou a Lampião que, naquela jornada, por causa do veneno já havia morrido uma infinidade de companheiros, e, naquele momento, gritaram, dizendo que duvidavam como Lampião não atirava em Mão Foveira (…) Tendo, diante da forte recusa, Lampião desistido, deixando Mão Foveira com vida, apenas desprezado no meio da estrada, torcendo-se com as dores no intestino(…).” (Dantas, 2005)
Nos dias, semanas e meses seguintes as volantes não deixaram “a pista esfriar”. Aperto em cima de aperto e o bando, aos solavancos, vai diminuindo. Morrem alguns, outros desertam e outros se entregam as autoridades. Lampião então vai refugiar-se na Serra do Umã. Segundo o saudoso João Gomes de Lira, ex-volante: “A inviolável Serra do Umã era habitada por Caboclos, cangaceiros valentes”. Lá refugiado Lampião tenta curar suas feridas. Não dá tempo de sarar não, pois Manoel de Souza Neto, o comandando nazareno conhecido como Mané Neto e apelidado como “Mané Fumaça”, valente que só a gota serena, sobe a serra para matar e prende muita gente. No entanto, mais uma vez, apesar de estarem lascados, Lampião e alguns cangaceiros, incrivelmente, já haviam se mandado.
Nessa constante, de seguidas perdas de homens, apesar de alguns outros homens entrarem para o bando, as coisas não melhoraram em nada para o “Rei dos Cangaceiros”.
Acaba-se 1927, entra 1928 e as coisas continuam do mesmo jeito, as volantes não dão trégua a Lampião. Em março de 1928, seu lugar tenente Sabino das Abóboras é morto na fazenda Piçarra, terras pertencentes a um dos maiores coiteiros, citam alguns autores que também traiu a confiança de Lampião.
Durante o decorrer de 1928, o bando vai diminuindo, e chega a tal ponto de só ter o chefe Lampião e mais cinco homens – Ponto Fino, Moderno, Luiz Pedro, Mariano e Mergulhão.
Chega então, a hora do cangaceiro mor deixar as paragens entre Pernambuco, Paraíba, Ceará e o Rio Grande do Norte para ir à busca de novas terras em lugares distantes, para assim recomeçar seu sangrento “meio-de-vida”. As encontra no vizinho Estado da Bahia, após atravessar as águas do Rio São Francisco, o “Velho Chico”, e ir refugiar-se sob a proteção do coronel Petronilo Reis, que mais tarde, também vai trair sua confiança.
Mas, essa é outra história que depois a detalharemos…
Fontes
“Lampião – Memórias de um soldado de Volante” – LIRA, João Gomes de. 1ª Edição. Recife, 1990.
Cangaceiros Cariri. Com
Blog de Aurora.com
Fotos “Lampião e o Rio Grande do Norte – A história da grande jornada” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª edição. Natal, 2005.