*Rangel Alves da Costa
O que dizer de um amor que ao invés de se situar na esfera do sentimento, transborda para o domínio da mercadoria, de objeto, de algo palpável, vendável, permutável?
O que dizer daquilo que ao invés de ser construído e fortalecido no coração, passa a ser avistado num prateleira à espera de quem mais pague pela sua retribuição?
Para muitos, o amor sentimento continua sendo uma verdadeira abnegação da alma, do espírito, do aparato comportamental. Mas para outros não. Tanto faz amar como fingir amor.
O amor se tornaria, assim, uma reles mercadoria. Em algo que nas relações humanas passa a ter um valor não sentimental, mas simplesmente de uso para outros objetivos na vida.
O amor vendável, negociável, permutável, passa um negócio da própria existência. Como o olhar amoroso envolve a beleza, o corpo, as formas, o aparato sexual, então o produto amor passa a ter sua cotação.
Aquele que tem muito dinheiro compra quase tudo o que desejar, até o amor. Não compra o amor da pessoa que se resguarda nos sentimentos, valorizando suas aspirações e seus desejos, mas compra outros amores.
Compra outros amores por que pessoas se vendem mesmo. Não se fala aqui em prostituição, em mera comercialização da carne nos bordéis e cabarés, nos programas e nos escritórios, mas noutros contextos sociais.
Pessoas que não se valorizam dão um preço ao próprio corpo, ao próprio sexo. Passam a utilizar seu sexo como algo que, pagando em moeda o valor, possa ser usufruído e descartado. Não como prostituição enquanto hábito, mas pelo brilho social.
E também os sonhos transformados em venda pelas aspirações de dias melhores, de um futuro mais promissor perante a força do dinheiro. Mesmo que não sinta qualquer atração, a pessoa de repente vai sendo atraída pelo que o outro possa oferecer.
Por que bilionários já envelhecidos demais recebem juras de amor de novinhas? Por que ricaços carcomidos de tempo de repente são avistados colocando alianças naquelas com idade de serem suas netas? O dinheiro. A única explicação.
O dinheiro transforma o amor em mercadoria toda vez que o dito amor se expressa de outro modo que não o do sentimento verdadeiramente amoroso. Já não há amor, mas puro ato negociável, a perspectiva de união pelo que o outro possa oferecer.
Enquanto mercadoria, o amor nada mais seria que uma das expressões capitalistas, vez que sai da pessoalidade íntima para transmudar em algo que pode ser comercializado.
No contexto da conceituação de mercadoria proposta por Karl Marx, onde esta é o que se produz para o mercado e não para o desfrute pessoal, o amor seria possível de aquisição. E hoje possui a feição de mera aquisição.
Sendo possível de aquisição, logicamente que é colocado à venda, podendo ser trocado pelo valor que a pessoa sinta como equivalente ao seu produto amoroso. E valor este que é sempre acima do valor que a própria pessoa se dá.
Mas por que assim ocorre? Assim por que as relações humanas assumem um valor de mercadoria. Quanto mais importante for uma pessoa mais valor ela terá no mercado social. É que as pessoas são geralmente avistadas apenas pelo aparato externo ou pelo bolso.
No mundo materialista, as relações de troca vão além dos objetos para assumirem a feição de relacionamentos pessoais. Há um poder econômico que se impõe às escolhas. Quando se escolhe, reserva-se para si o direito de amar, o que está cada vez mais difícil acontecer.
Tenha-se como exemplo o fato de que se diz amar um feio desprezível, porém rico, a um jovem belo e empobrecido. O amor se torna apenas uma questão de conveniência. Não é conveniente apenas amar, mas usufruir em nome desse amor.
Mas nunca será justo o preço pago pelo amor. Aquele que se vende se negocia bem abaixo do que vale. Aquele que compra, paga sempre acima do merecido no outro, ainda que este seja apenas objeto de uso e descarte.
Não há nada imune ao preço. Tudo se compra e tudo se vende. Nas sociedades do passado, os casamentos eram arranjados entre famílias igualmente poderosas. Havia um preço. O mesmo se diga com relação aos dotes e outros usos tradicionais.
Ante o amor tornado mercadoria, o capital age para descaracterizar a própria essência humana e, desconfigurando-a, amolda segundo os seus objetivos de mera utilidade ou de simples uso. E tudo num comércio cada vez mais crescente.
Lamentável que os sentimentos íntimos, pessoais e verdadeiros, deixem-se embrulhar para serem colocados em prateleiras. Porém sem etiqueta, pois o preço sempre dado pela conveniência da escolha. Enquanto um deseja, o outro se deixa apenas levar.
E ao fim da feira a verdade. E é quando se percebe quanto lixo social vai restando entre ratos e urubus. E honras e personalidades sendo devoradas com a avidez da fome. Mas justo que assim aconteça perante os epitáfios: Não amarás!
Escritor
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