Por Sálvio
Siqueira
Nenhuma família se interessou tanto por fotografia quanto a imperial, D. Pedro
II é citado como grande incentivador da fotografia - estudosediscussoes.com.br
Demos
um ‘voo’ pelo vasto labirinto do tema cangaço, e “avistamos’ fatores que, em
nossa interpretação, o fizeram locomover-se por tão longo tempo. Infelizmente.
Iniciamos no longínquo tempo imperial, onde, desde então, existe uma total
falta de interesse sociológico no Sertão nordestino.
Na vasta região, o não interesse, faz com que, aos poucos, gere-se uma onda de
terror, sangue e lágrimas nas diversas camadas sociais, se é que existiu
‘diversas’, para e por que não dizer, nas duas camadas sociais.
Surgem então, com a negligência do Estado, acontecimentos em movimentos sócias,
grupais principalmente, que levam a resultarem em devastadores episódios no
tocante aos seres humanos regionais.
Bruno Henrique
Brito Lopes, Graduando em História pela Universidade Católica de
Pernambuco, nos fornece sete tópicos com que vem esclarecer as razões do
nascimento e vida de um Fenômeno, regional, gerado dentro de outro
fenômeno. Suas causas estão bem explícitas nos itens a seguir.
1º - O
poder absoluto dos coronéis no Sertão:
“Em
meio a uma vasta extensão territorial de pouco interesse público, o Império
instituiu a titulação de Coronéis da Guarda Nacional para grandes
latifundiários Brasil adentro(...)Desde os tempos do Império, a falta de
interesse do Estado pelo Sertão obteve efeitos sangrentos na região. Entre
os mais devastadores episódios de clara resposta à situação negligente e única
presença para cobrança de tributos, destaca-se a Guerra de Canudos e o fenômeno de banditismo conhecido
como Cangaço. Ambas as experiências possuíam em sua essência o sentido
de contestação das figuras conhecidas como coronéis(...)Na prática, o
governo passou a legitimaruma relação de domínio que já se fazia efetiva desde
os tempos coloniais. Os coronéis eram, quase sempre, pessoas
que possuíam total influência na atividade econômica de cidades
inteiras. O que representava poder absoluto em uma região onde a
opção era se submeter ou sucumbir(...)Os coronéis eram homens acima da lei.
Além da tradicionais forças policias, também submetidas aos seus interesses,
eles tinham sua própria "polícia", eram capangas conhecidos como
jagunços: figuras armadas que tratavam de fazer a guarda de terras, castigar e
executar inimigos de seus chefes. Foi a truculência desses jagunços que deu
origem à jornada de diversos cangaceiros motivados pelo desejo de vingança”.
2º - A
vida criminosa como alternativa à miséria e submissão:
“As
condições naturais do Sertão são especialmente infavoráveis à vida humana. Os
longos períodos de estiagem castigam seus habitantes através dos
efeitos consecutivos que a falta d'água produz. O gado morre e as
plantações ficam comprometidas, assim, famílias inteiras tentam se equilibrar
num contexto de subsistência precária. Quando havia oferta de emprego, ou
melhor, de trabalho, ela era ligada ao coronel da região, figura nem sempre
louvável(...)Pensar nas autoridades da região como figuras de violência e senso
de justiça similar aos dos temidos cangaceiros faz com que se compreenda melhor
como tantos sertanejos optaram por esse caminho. A vida criminosa não era
nada cordial, mas entre fugas e investidas, oferecia o poder de ter tudo aquilo
que passava longe da realidade da maioria: ouro, respeito e mulheres (e
sobre este último ponto, como é de se imaginar, o estupro era algo
recorrente)”.
"Durante
muito tempo, a história tradicional fez vista grossa para a opressão e a
miséria que vitimava o povo . Quando ficou impossível ocultar a exploração,
criaram mentiras sobre o caráter brasileiro".
clubedahistoria.com.br
3º - O
sangrento preço da vida entre os cangaceiros:
"O
vermelho é uma cor muito compatível com o trajeto do Cangaço, não apenas pelo
coro de luta ou coragem, mas principalmente pelo sangue. Se entre os coronéis,
representantes da lei no Sertão, a violência já era evidente, no Cangaço ela
era uma assinatura. O traço hediondo da tradicional execução por
sangramento era regido pelo punhal, introduzido em pontos vitais de suas
vítimas. Para lidar com tamanha rotina, outra característica chamava atenção: a frieza
aterrorizante.
Ao passo que
se comandava torturas e execuções, as histórias também falam dos
cangaceiros como figuras musicais e risonhas. Como se a vida e a morte fosse (e
era mesmo) parte do dia-a-dia daquelas pessoas(...)
Bem como a tradição
oral transmite, em certa ocasião um sujeito estava cometendo incesto e foi
flagrado por Lampião, o cangaceiro separou os dois irmãos e trouxe o rapaz para
conversar. Ele falou para o homem que ele devia colocar os seus testículos
dentro da gaveta e fechar com chave. Em seguida, Lampião colocou um punhal
sobre o criado-mudo e disse "Volto em dez minutos, se você ainda
estiver aqui eu te mato"(...)".
Foto do
bando tirada em 1927 na cidade de Limoeiro, após o ataque a Mossoró. Lampião
seria o quinto da direita para esquerda, sentado - limoeirodonortece.blogspot.com
4º - A
opinião pública dividida entre amor e ódio:
“Lampião já era uma lenda viva antes mesmo de sua vida ser documentado pelo
corajoso jornalista sírio-libanês, Benjamin Abrahão. Tratado pela
polícia dos estados como uma verdadeira praga a ser exterminada, temido
por onde passava, ainda assim ganhou a simpatia de muita gente. Virgulino
tinha a confiança de gente de diversos setores da sociedade: coronéis,
sertanejos e até mesmo a igreja, representada pelo inigualado Padre Cícero, a
quem se deposita regionalmente o prestígio de uma santidade(...) A
situação de considerável apoio da sociedade pode se amparar no senso de justiça
em crítica à força oficial vigente. O respeitado historiador britânico, Eric
Hobsbawn, em uma de suas obras (Bandidos/1969), apontou o Cangaço
brasileiro como um exemplo claro do fenômeno do banditismo social, que se
alinhava ao princípio de contestação, como um sentido primitivo de revolta”.
Bando de Lampião - 1936 - 1937 - Benjamin Abrahão
5º -
Volantes: a polícia especial dos estados treinada com as mesmas práticas
dos cangaceiros:
“Por
décadas a República simplesmente amargou a inferioridade de suas forças diante
do preparo e conhecimento preciso dos bandos cangaceiros. Equipados com cangas
de madeira e utensílios metálicos (daí o nome cangaço: canga+aço), esses
grupos eram compostos por homens (e também, muito raramente, mulheres) de
invejável experiência de combate, sempre furtivos e ágeis(...)Nas cidadelas
invadidas, a polícia costumava ser ínfima e sem a menor condição para impedir
investidas tão bem articuladas. Quando chegava algum reforço capaz de
enfrentá-los, os cangaceiros simplesmente desapareciam em rotas de fuga que os
levavam para outros estados, onde somente as forças policiais correspondentes
poderiam atuar(...)Nas cidadelas invadidas, a polícia costumava ser ínfima e sem
a menor condição para impedir investidas tão bem articuladas. Quando chegava
algum reforço capaz de enfrentá-los, os cangaceiros simplesmente desapareciam
em rotas de fuga que os levavam para outros estados, onde somente as forças
policiais correspondentes poderiam atuar”.
6º - O
jornalista libanês que documentou a vida dos cangaceiros:
“Figura responsável pelos mais preciosos registros iconográficos do Cangaço, Benjamin
Abrahão Botto conheceu de perto, por vários meses, a rotina de diversos bandos
cangaceiros, inclusive os dos notáveis Corisco e Lampião. Ele foi por
muitos anos secretário de Padre Cícero em Juazeiro do Norte, no interior
do Ceará, até que com a morte do sacerdote em 1934, colocou em prática seu
projeto mais ambicioso: filmar e fotografar Lampião e seu bando(...)Se
aproveitando da ligação de Lampião com Padre Cícero, Abrahão facilmente se
aproximou do cangaceiro. Lampião era uma figura extremamente vaidosa,
característica que o consolidava como Rei do Cangaço, se deixando acompanhar
pelo jornalista. O material coletado ao longo de cerca de 2 anos (1936 e
1937) era de extrema preciosidade e foi recebido nas grandes metrópoles como um
verdadeiro escândalo. O Cangaço era uma ofensa ao Estado Novo de Getúlio
Vargas, que tratou de censurar e confiscar o registro de Benjamin(...)O
sírio-libanês Benjamin Abrahão trouxe a público relatos detalhados sobre a
rotina e características dos bandos cangaceiros, o que pode ter sido nocivo à
estratégia dos bandos, cada vez mais combatidos em esfera interestadual. Em
menos de três anos a maior parte dos principais bandos foi desmantelada,
inclusive com a execução de Lampião (1938) e Corisco (1940). O próprio
Benjamin também teve seu fim em 1938 (dois meses antes da morte de Lampião
e seu bando), vítima de nada menos que 42 facadas em um assassinato até
hoje não esclarecido. Segundo o historiador Frederico Pernambucano de Mello, a
mesma força que matou Lampião, matou Benjamin: o desmoralizado Estado
Novo(...)”.
PS// Aqui,
mostramos a opinião do sociólogo
Frederico
Pernambucano de Mello, sobre o que resultou, as filmagens do Benjamin:
“As fotos e
filmes de Benjamim eram um atestado da incompetência das forças policiais e uma
afronta ao Palácio do Catete”’(...)“Antes que o Estado Novo espatifasse o
sistema de poder do sertão, era alto negócio para qualquer fazendeiro
comercializar com o cangaceiro. O Estado Novo acabou com esse colaboracionismo. A
morte de Benjamin foi, sobretudo, uma queima de arquivo histórica.”
7º - Um
cerco que se fechava: a falência dos bandos e o fortalecimento do combate ao
cangaço:
“Com o passar dos anos, a forma que o Estado tratava o Cangaço era cada vez
mais madura. A segunda metade dos anos 1930 foi especialmente difícil para os
bandos cangaceiros. Um a um, os criminosos iam sucumbindo ou se entregando em
troca da anistia. O marco do fim dos tempos do Cangaço foi a emboscada que
executou Lampião, Maria Bonita e diversos membros de seu bando. Suas cabeças
foram expostas ao público em muitas cidades do Sertão nordestino(...)O fim do
Cangaço foi causa direta da insatisfação com tamanha desmoralização do
Estado Novo causada pelas imagens de Abrahão. Não só como atividade marginal,
mas também como exemplo escancarado da corrupção
de coronéis colaboradores, o Cangaço era uma afronta a Getúlio Vargas e sua proposta ideológica. E
sistematicamente pagou o preço da visibilidade que adquiriu.”
OPINIÕES E
PITACOS:
“O ponto sobre
bandidos sociais é que eles são criminosos camponeses a quem o senhor feudal e
o Estado enxergam como criminosos, mas que permanecem dentro da sociedade
camponesa, e são considerados por seu povo como heróis, como campeões,
vingadores, lutadores pela justiça, talvez até mesmo líderes de libertação e,
em qualquer caso, homens para serem admirados, ajudados e apoiados. Esta
relação entre o camponês comum e o rebelde, bandido e ladrão é o que faz o
banditismo social interessante e significativo.”
Eric Hobsbawn
“Naquela
época, Lampião mobilizava grossos capitais. Travava com coronéis da
região que financiavam seus roubos e recebiam parte do lucro. Seu bando era a
imagem do sucesso da organização fora da lei."
Frederico
Pernambucano de Mello
Poeta popular
faz, produz, estrofe sobre Canudos.
"O soldado morria,
porque queria matar.
O sertanejo matava,
por que queria viver.
... coisa bem diferente,
que se precisa entender.
Venceu o acampamento,
acabou-se o povoado.
O tempo veio depois,
o fogo acabou as casas,
a água escondeu o chão.
Mas o nome de Canudos
ninguém esquece, patrão.
Canudos é protesto
ecoando no sertão".
(A Tarde, 26-06-1993).
(autor desconhecido)
"(...)os poetas populares, os artistas anônimos, a tradição do povo para
quem Canudos nunca deixou de ser uma esperança destroçada de redenção dos
pobres. A resistência ideológica da literatura de cordel, dos repentistas
semianalfabetos e dos compositores populares contribuiu, e muito, para ensinar
aos esclarecidos a verdade de Canudos(...)".
Haroldo Lima Deputado Federal pelo PCdoB da Bahia
Pesquisa:
HOBSBAWM, E.J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1969.
MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do sol – violência e banditismo
no nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
http://oficiodasespingardas.blogspot.com.br/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com