Por Rostand
Medeiros
Como já foi
bastante comentado, devido as sérias perseguições contra a família de Virgulino
Ferreira da Silva, seguido do assassinato do seu pai pela ação desastrosa de um
grupo de policiais alagoanos no lugar Matinha de Água Branca, em 9 de junho de
1920, fez com que ele e seus irmãos Antônio e Livino, se transformem
definitivamente em cangaceiros.
O cangaceiro
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que invadiu e saqueou a cidade de São
José do Belmonte (PE), em 1922.
Os irmãos
Ferreiras se juntam ao bando conhecido como Porcinos e depois, em agosto de
1920, passaram a servir sob as ordens do chefe cangaceiro Sebastião Pereira, o
conhecido Sinhô Pereira. Em meio às ações junto com Sinhô, Virgulino recebe a
alcunha de Lampião. A ligação de amizade entre Sinhô e Lampião vai
ocasionar, em outubro de 1922, a morte de um importante comerciante chamado
Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz, da cidade de Belmonte (atual São José do
Belmonte), no sertão pernambucano. Este caso, um dos mais emblemáticos do
período em que parte do Nordeste foi flagelado pela figura do temido cangaceiro
Lampião, teve uma grande repercussão. Muito já foi comentado sobre este
episódio, mas no Arquivo Público do Estado de Pernambuco, nas amareladas
páginas dos antigos jornais, foi possível encontrar novas informações.
Uma
Interessante Carta
No domingo, 11
de março de 1923, foi publicada no jornal recifense “A Província”, uma grande
carta vinda da cidade de Belmonte, cujo autor se intitulou “Um Assignante”.
Neste volumoso documento ele narra pormenorizadamente o conflito ocorrido na
sua cidade em outubro do ano anterior, que culminou na morte do comerciante
Gonzaga.
Fotografia do
coronel Luiz Gonzaga Lopes Ferraz, assassinado há 92 anos pelo bando de
Lampião, a pedido do fazendeiro Crispim Pereira de Araújo, desafeto político e
pessoal do coronel Gonzaga.
Em maio de
1922, segundo o autor da missiva publicada no periódico, se encontrava em
Belmonte a volante policial Pernambucana, comandada pelo tenente Cardim. Esta
volante estava a caça do grupo de cangaceiros de Sinhô Pereira e tinham
informações que estes se encontravam no lugar “Olho D’água”, uma serra próximo
a fronteira do Ceará e da Paraíba. Para alcançar seu objetivo o tenente Cardim
solicitou apoio de uma volante da polícia cearense, que teria em torno de
sessenta membros, cujo autor da carta não declina o nome do comandante, mas
afirma que este era “um antigo cangaceiro”. Consta que Cardim desejava realizar
um cerco contando com o apoio dos cearenses. Mas o comandante desta volante não
participou da ação policial e, pior, saiu a praticar toda sorte de atrocidades
contra a população, principalmente terríveis surras. Este fato assustou toda a
comunidade e alertou o bando de Sinhô Pereira que desapareceu na
caatinga. A carta afirmava que Cardim se encontrou com seu colega cearense,
dispensou seu apoio, mas antes passou uma ríspida descompostura no seu
comandante pela ação dos seus soldados. Evidentemente insatisfeito com a
reprimenda, com a frustrada ação policial no estado vizinho ao Ceará, onde a
sua marca principal era a tortura em larga escala na busca de informações, o
tenente cearense buscava alguma compensação. Consta que o militar recebeu uma
informação sobre um possível coiteiro e parente de Sinhô Pereira e, para não
“perder a viagem”, no caminho de volta para casa fez uma “visitinha” a esta
pessoa e sua família. A propriedade era A Fazenda Cristóvão, que pertencia a
Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Ioiô Maroto, um homem pacato e
que vivia longe de complicações, apesar de ser membro da família de Sinhô
Pereira.
Segundo comenta a
tradição oral da região , e que conseguimos apurar em nossa visita a Belmonte
em 2008, o mínimo que posso dizer em relação à visita da volante cearense ao
pobre do Ioiô Maroto foi que “o cacete comeu”. Sobrou até para sua já vetusta
mulher e suas filhas. Consta que um policial negro, conhecido como “Uberaba”,
teria praticado contra as mulheres “toda sorte de misérias e imoralidades,
entre a risadaria de todos, inclusive do tenente que achava em tudo muito
espírito”. Depois do ocorrido, segundo a versão publicada no jornal de 1923,
consta que Ioiô Maroto soube que o oficial da polícia cearense esteve na cidade
de Belmonte, onde se arranchou na casa de seu compadre e amigo, o comerciante Luiz
Gonzaga Lopes Ferraz. Foi informado ao fazendeiro ultrajado que Gonzaga declinou
ao perverso tenente que Ioiô Maroto era parente de Sinhô Pereira. O autor da
carta publicada no jornal, por razões óbvias, não declinou o nome do militar,
mas se sabe que ele era o tenente Peregrino de Albuquerque Montenegro.
Versões
Em seu livro
“O Canto do Acauã” (2011, pág. 157), a pesquisadora Marilourdes Ferraz dá outra
versão para o caso. Ela afirma que o tenente Montenegro recebeu uma carta, onde
havia uma denúncia contra Ioiô Maroto, informando ser ele um coiteiro de
cangaceiros. Segundo afirma a autora de “O Canto do Acauã”, a
dita carta foi falsamente atribuída ao comerciante de Belmonte. Por saber de
qual família vinha Maroto, Gonzaga correu a afirmar ao fazendeiro que
não tinha culpa neste caso.
A ilustre
visita do Bispo Dom Augusto Álvaro da Silva, a paróquia de Belmonte (PE) em
1912. Da esquerda para a direita sentados: Frei Lucas, D. Augusto Álvaro da
Silva e Padre Sizenando de Sá Barreto. De pé: Coronel José de Carvalho e Sá
Moraes, Capitão Tertuliano Donato de Moura, Manoel de Medeiros Filho, Dr.
Isídio Moreira, Coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz, Dr. Felisberto dos Santos
Pereira, Capitão Miguel Lopes Gomes Ferraz, Capitão João Lopes Gomes Ferraz,
Major Manoel da Mota e Silva, Tenente Augusto Nunes da Silva e o Major Joaquim
Leonel Pires de Alencar. Crianças: Antônio Brandão de Alencar, Luiz Alencar de
Carvalho (Luzinho), Otacílio Gomes Ferraz e Napoleão Gomes Ferraz. Fonte –
Arquivo de Valdir Nogueira, Belmonte-PE, através do pesquisador Artur Carvalho.
Já autora de
“As Táticas de Guerra dos Cangaceiros”, Maria Christina Russi da Matta Machado
(1969, pág. 73), não afirma que Ioiô Maroto e Gonzaga eram amigos e nem
compadres, mas que os dois tinham uma desavença antiga. A autora aponta, sem
detalhar nada, que o problema entre os dois “foi coisa sem importância” e que
Ioiô Maroto não imaginava que Gonzaga aguardasse a oportunidade de “liquidar as
contas”, lhe denunciando a volante cearense que lhe desonrou em sua própria
casa.
Já João Gomes
de Lira, autor de “Memórias de um Soldado de Volante” (1990, págs. 77 e 78) tem
outra versão. Segundo este antigo membro de volantes que perseguiu cangaceiros,
Ioiô Maroto residia em um lugar chamado “Queimada Grande” e durante a surra
aplicada pelos militares cearenses, soube da boca do próprio tenente Montenegro
que foi o comerciante Gonzaga a pessoa que lhe havia
denunciado. Mas é a própria Marilourdes Ferraz que aponta duas ocorrências, que
mostram uma possível solução deste pequeno mistério. A primeira razão teria ocorrido
em maio de 1922, quando foi saqueada por Sinhô Pereira e seu bando, composto
inclusive de Lampião e seus irmãos, uma carga de tecidos de Gonzaga que era
transportada para Rio Branco, atual Arcoverde. Parte da carga foi distribuída
entre os bandidos e o resto eles atearam fogo.
Fotografia do
fazendeiro Crispim Pereira de Araújo, o Ioiô Maroto, que teve seu nome
envolvido na morte do coronel Luiz Gonzaga Ferraz. Segundo seu neto, Valdenor
Feitosa, quem está a direita de seu avô é Raimundo Neves Pereira, nascido
em 12 de setembro de 1935, em Parambu(CE), conhecido como “Edmundo” e
filho de Ioiô. Sentado no seu colo está o seu neto Dário, e à a sua esquerda se
encontra a sua filha caçula, Francisca Neves Pereira. Esta foto foi
tirada, na década de 40, do século XX, na fazenda Malhada, Município de
Parambu, nos sertões dos Inhamuns, Estado do Ceará, próximo a fronteira com o
Piauí onde Ioiô Maroto havia ido morar depois da questão.
A outra razão
seria o fato que, depois desta ocorrência, Gonzaga começou a atender as
exigências dos cangaceiros que viviam pela região. O comerciante, para se ver
livre desta corja de malfeitores, entregava mercadorias e dinheiro. Entretanto,
em uma ocasião em que estava ausente, consta que sua esposa, a Senhora Martina,
tratou muito rispidamente o portador da mensagem dos bandoleiros. Diante dos
episódios ocorridos, a autora afirma que Gonzaga contratou homens para a sua
proteção, de sua família, de seus negócios e de suas propriedades.A notícia da
desatenção da esposa de Gonzaga e do fato dele contratar homens para sua
proteção chegou aos chefes dos cangaceiros causando insatisfação. Estes
guardavam muito rancor de quem não lhes atendia seus pedidos e de quem tomava
estas atitudes de defesa. Sabendo destes fatos narrados em “O Canto do Acauã” e
lendo o teor do material publicado no jornal recifense “A Província”, em 11 de
março de 1923, ao cruzarmos as informações, podemos facilmente deduzir que
Gonzaga estando com homens armados para lhe proteger e com o comandante da
volante cearense arranchado em sua casa, se sentiu seguro para relatar ao
tenente Montenegro os problemas que acontecia consigo e a ligação de parentesco
entre Ioiô Maroto e Sinhô Pereira. Depois do fracasso da atuação de sua volante
em Pernambuco, da reprimenda do tenente Cardim, não é difícil imaginar que o
tenente Montenegro deduziu que fazer uma visita ao parente de Sinhô Pereira
poderia lhe trazer alguma vantagem. Evidente que isso é apenas uma dedução e
nada impede que a triste sina de muitas pessoas de “botarem lenha na fogueira”,
possa ter desencadeado tudo que ocorreu depois.
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