*Rangel Alves
da Costa
Toda vez que
olho um retrato antigo de feição enraizada na alma, é como se voltasse no tempo
e somente assim poder ter aquela ausência tão sentida. Toda vez que meus olhos
encontram os olhares de ontem, com seus silêncios e suas palavras mudas, é como
se pudesse avistar a chegada e o encontro, o abraço e o diálogo de vida. Toda
vez que avisto retratos em paredes é como se as portas estivessem novamente se
abrindo para que venham me visitar.
Não somente
nas paredes, mas em qualquer lugar onde eu possa encontrar os meus - e até eu -
noutros instantes da existência. Olho ainda no olhar de minha mãe e sinto o
quanto se compraz em reencontrar a feição do filho. Olho ainda no olhar de meu
pai e sinto o brilho vivo que muito quer me dizer. E diz, pois os retratos falam,
os retratos sorriem, os retratos entristecem. Os retratos de minha mãe e de meu
pai sempre parecem mais tristes quando diante deles chego carregando tristezas.
Minha mãe
sorri pra mim quando avista minha felicidade. Meu pai sorri para mim quando
encontra contentamento no meu olhar. E sempre há um diálogo silencioso entre
nós. Ouço a voz de minha mãe, ouço a voz de meu pai. A eles tudo confesso num
breve instante. Não lhes escondo as tristezas nem as alegrias. Sei que de
minhas tristezas e de minhas alegrias é que dependem as tristezas e as alegrias
daquelas feições retratadas em toda vivacidade. Juro por Deus que os retratos
também chorariam se me vissem chorando. Filho meu, filho meu, por que choras
assim?
Muita gente
não se importa mesmo com os retratos antigos. Estejam nas paredes da casa, por
cima dos móveis em porta-retratos, escondidos e esquecidos nos velhos e
amarelados álbuns, dentre as gavetas e noutros lugares, tanto faz que passem e
avistem ou não. Parece que nenhuma recordação transforma as indiferenças da
mente e do coração.
Outros,
contudo, buscam nas velhas fotografias, sejam em preto e branco indefinidos ou
descoloridas pelo tempo, o reencontro e até o reviver com a pessoa retratada.
Ali o avô, o bisavô, o pai, a avó, a irmã, a mãe, o irmão, a parente, o amigo
ou o apenas conhecido, em feições que fazem voltar ao passado. Tem gente que
apenas se enternece, tem gente que se aflige, tem gente que sofre e que chora.
Os retratos
representam a fixação de um momento para a posteridade. Toda vez que um retrato
é retido pela lente, acaso não seja rasgado depois ou simplesmente apagado,
sobreviverá muito além da pessoa retratada e do fotógrafo. Assim por que os
retratos não se submetem aos acasos ou desvãos da vida senão pela força do
tempo. Quando preservados, podem possuir a idade de séculos. Embaçados,
amarelados, mas ainda contando histórias de pessoas e vidas.
Alguém já
disse, e com razão, que os retratos passam a ter as idades que as pessoas tanto
desejariam ter. Quantas vezes as infâncias são novamente desejadas apenas pelo
fato de as pessoas se avistarem como crianças brincando em parques, correndo
atrás de uma bola ou penteando uma boneca de pano? Quantas vezes as raízes
familiares - principalmente pai, mãe e irmãos - são novamente desejadas como
presenças perante uma simples fotografia amarelada que jaz pendurada numa
parede?
Quando os
velhos álbuns são abertos e diante do olhar, folha a folha, vão surgindo
aquelas imagens antigas, sempre surpreendentes e maravilhosas, dificilmente que
as sensibilidades e as saudades não chamem aos olhos um tiquinho de molhação.
Quando as gavetas são remexidas ou cadernos velhos são reabertos e de repente
surge uma fotografia de pessoas tão íntimas ao coração, em instantes assim não
há quem não se comova, quem não se sinta diante daquele passado retratado.
Os olhos
reconhecem as pessoas e o coração estende sua mão em carinho, em afeto, em
saudade. Então a pessoa diz, no silêncio mais gritante da alma: como minha mãe
era bonita, que olhar tão meigo e encantador, como meu pai possuía uma beleza
que jamais tive tempo de confessar ao seu lado, como meu sorriso era bonitinho
e como era engraçada essa roupinha de vestir aos domingos. Palavras assim vão
surgindo como inevitáveis. Palavras assim representam o reencontro e o amor ao
passado e ao que está representado nas fotografias.
Quem não se
lembra daqueles velhos binóculos, onde a fotografia somente era avistada quando
a pessoa trazia para pertinho dos olhos aquele quadradinho de plástico? Quem
não se lembra das velhas fotografias em preto e branco, mais comumente chamadas
3X4, tão imprescindíveis aos documentos? Quem não se lembra dos retratistas de
feira e suas cabines com cortinas floridas e máquinas de tripé para fotografar?
O mesmo paletó usado por todos para fotografar. Quanto foi? Dois contos.
Dois contos
apenas. E a eternidade.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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