*Rangel Alves da Costa
Muitos foram
os acontecidos no solo sertanejo de Poço Redondo, no sertão sergipano, naqueles
idos cangaceiros, principalmente a partir dos anos 30. Fato curioso é que a
saga cangaceira na região não envolveu somente a ferrenha luta entre
cangaceiros e volantes, mas também personagens que mesmo estando à margem das
vinditas, ainda assim foram alcançados pela cruel sangria.
Mais curioso
ainda é o fato de que dois destes importantes acontecidos, de consequências
verdadeiramente trágicas, tiveram por motivação as palavras ditas e as ameaças
impensadas. Ou mesmo de forma pensada, mas sem se imaginar no fatal desfecho
depois de proferidas. Depois da análise do relatado abaixo, logo será fácil
compreender que perante o cangaço - incluindo o mundo das volantes - a palavra
e o gesto possuíam tamanha força, tamanha consequência, que exsurgiam até como
sentença de morte para aquele que erroneamente se expressasse.
Assim
aconteceu, por exemplo, com Brió e Antônio Canela. Este de trágico fim nas
proximidades da Estrada de Curralinho (Estrada Histórica Antônio Conselheiro) e
aquele ladeando a Estrada da Maranduba (região das Queimadas, nas beiradas do
Riacho do Braz), bem próximo ao local onde, em 1937, Zé Joaquim (José Machado
Feitosa), um rapaz de Poço Redondo foi torturado e morto pelo grupo de Juriti e
Zé Sereno, sob a falsa acusação de ter dito a Zé Rufino que o bando de Lampião
estava emboscado à sua espera na Lagoa da Cruz.
Como dito,
Antônio Canela, um modesto vaqueiro vivente entre as beiradas alagoanas de
Bonito e sergipanas de Curralinho, falou demais e, além disso, ameaçou demais,
e acabou trucidado pelas próprias ações do passado. Segundo consta, nos idos de
1937, o vaqueiro se juntou com outros sertanejos e prometeu dar cabo a Lampião
assim que este chegasse a Entremontes, nas barrancas das Alagoas. Pegou em
armas, preparou a tocaia, mas nada de o bando aparecer. Contudo, a história
ganhou o vento e foi parar aos ouvidos da cangaceirama.
Certamente que
amedrontado com a irrealizada promessa e as juras de dar fim ao rei cangaceiro,
Antônio Canela resolveu se bandear para o outro lado do rio, região sergipana
do Curralinho. Oficiando como vaqueiro, um dia foi atrás de um jumento pelos
arredores da fazenda Camarões e mais adiante avistou, na sede da propriedade,
uma festança. Vai até lá e se junta à beberança. Não sabia, contudo, que logo a
cangaceirama chegaria para cobrá-lo na dor e no sofrimento aquela emboscada
feita pra Lampião.
E a
cangaceirama que chega é a comandada por Mané Moreno. O líder do subgrupo já
havia sido informado que o vaqueiro “metido a valente” poderia estar por ali.
Tanto estava que logo o reconheceu. Identificou e logo deu início à cruel
vingança. Sem dar o mínimo de atenção aos rogos dos sertanejos ali presentes, o
cangaceiro logo sentencia o vaqueiro de morte. E de forma mais bestial ainda
ante a confissão feita de que só não matou Lampião por que este não apareceu.
Uma coragem que equivalia a pedir pra morrer.
A morte de
Canela foi de indescritível perversidade. Picotado pelo canivete de Alecrim,
tombado ante o açoite do mosquetão de Cravo Roxo, e depois disso amarrado a um
animal e levado à morte certa. Foi Mané Moreno quem deu o tiro fatal. Mais um.
E já morto é sangrado. E, segundo Alcino Alves Costa em seu Lampião Além da
Versão (p. 196), o cangaceiro Cravo Roxo se acerca do corpo e bebe do sangue
que borbulhava em seu pescoço.
Antes disso,
nos idos de fevereiro de 1935, o sertanejo Brió (Benjamin, irmão do cangaceiro
Demudado), um moço de Poço Redondo, igualmente falou demais e pagou no além da
conta pela sua ousadia. Num meio onde a mera suspeita de ser alcoviteiro de
volante já era correr perigo, que se imagine um cabra dizer - mesmo
mentirosamente - que iria se juntar ao comando de Zé Rufino para perseguir
aqueles que fossem amigos, coiteiros ou protetores de cangaceiros.
Num forró na
fazenda de Julião do Nascimento, pai do mesmo Zé de Julião que mais tarde se
tornaria no cangaceiro Cajazeira, Brió se desentendeu com a família dos Lameu
e, raivoso, disse que todos pagariam bem pago assim que entrasse na força de Zé
Rufino, o que já estava prestes a acontecer. Mentiu, contudo. E sua mentira
teve uma trágica consequência. Sua verdadeira intenção era se juntar ao grupo
de cangaceiros que estavam acoitados naquelas proximidades, nas Capoeiras. Iria
servir ao subgrupo do perverso Mané Moreno, contando ainda com Zé Sereno e
Juriti.
Sem saber que
Brió se juntaria ao grupo, então Zé de Julião apareceu no coito para contar a
novidade: Brió havia prometido ser cabra de Zé Rufino. Foi o fim de uma mentira.
Não demorou muito, eis que Brió se apresenta àquele que seria o seu futuro
grupo cangaceiro. Só não sabia o que lhe esperava. A sentença foi rápida: morte
certa ao traidor. Tentou desfazer a todo custo o mal-entendido, mas não teve
jeito. Os cangaceiros levam-no até o Riacho do Braz e o enforcam.
Indaga-se: por
que enforcamento e não de outra forma? Apenas por que Brió, ante a certeza da
morte, rogou para não ser nem enforcado nem afogado. Assim a vida cangaceira e
daqueles que estavam ao seu redor, suas sagas e seus desatinos, seus tortuosos
caminhos.
Escritor
blograngel-sertao.blosgpot.com
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/6804483
http://blogdomendesemendes.blogspot.com