... após a
carta/mentira, missiva escrita pela esposa de Horácio Novaes, ditada pelo
próprio, em nome de um inimigo seu, ter sido entregue ao “Rei do Cangaço”, esse
arquitetado um plano e ter ido a Fazenda Tapera, dos Gilo, onde promoveu a
maior de todas as chacinas de pessoas que não eram suas inimigas nem o tinham
insultado, desafiando-o, como o texto mentira dizia, Lampião, ao perguntar
sobre a dita ao patriarca da família, e esse ter-lhe dito que nada sabia sobre
carta, nem tão pouco sabia ler e escrever, começa a compreender que foi joguete
nas mãos do bandido Horácio. Porém, antes de qualquer reação por parte do chefe
cangaceiro e do cidadão em sua frente, Horácio assassina, com um tiro
traiçoeiro, traição alimento constante dos covardes, na altura de seu pescoço.
Vejam como são
as coisas: se nesse momento Lampião ordena prenderem Horácio Novaes, e
matando-o em seguida, seja de qual forma tivesse sido, ele não deixaria de
continuar sendo um bandido, um fora-da-Lei, no entanto, teria um respaldo
diferente sobe a ótica dos pesquisadores/historiadores. Porém, Virgolino já
tinha, naquela região, intrigas de morte com as grandes famílias que mandavam
naquele pedaço do sertão pernambucano. Eram seus inimigos a família Nogueira,
Carvalho e Ferraz, restando unicamente, dentre as grandes famílias, os Novaes.
Matando Horácio, apesar deste ser um bandido, a família também se voltaria
contra ele e seu bando, ficando mais difícil do que já estava a sua
sobrevivência naquelas paragens.
Uma das coisas
que nos leva a estudar a era lampiônica é, exatamente, essa maneira de agir do
chefe cangaceiro filho de Zé Ferreira. Ele não agia por impulso, por
emotividade simplesmente, seu raciocínio era rápido e defensivo, pensamento, ou
maneira de agir, não usada por aqueles que colocam a emoção acima da razão,
agindo por impulsos simplesmente, como fizeram, enquanto vivos, seus irmão mais
velhos Antônio e Livino Ferreira, respectivamente os cangaceiros com alcunhas
de “Esperança’ e “Vassoura”.
Pois bem. O
clima não ficou as mil maravilhas entre Lampião e Horácio. O primeiro tinha a
certeza de ter sido usado pelo segundo e teria que arranjar um jeito de tirar
isso a limpo. O segundo, sabedor que sua manobra fora descoberta, sabia que
estava correndo um grande perigo de morte, pois conhecia a maneira de agir de
Lampião. Seu intento fora executado maravilhosamente. Não só seu grande
inimigo, o qual ele temia muito, Manoel Gilo, estava morto, assim como quase
toda sua família. O negócio agora era livrar-se o quanto antes das garras do “Rei
dos cangaceiros”.
Os dois
grupos, o bando de Lampião e o grupo de Horácio, deixam o local da chacina,
terreiro da fazenda Tapera, após terem ceifado a vida de treze pessoas, doze
civis e um soldado de volante, em sentido norte, em busca das terras da fazenda
Água Branca, propriedade rural do ‘Major Tiburtino Alves de Carvalho Barros’.
Lampião a matutar uma maneira de acabar com Horácio, mas tinha que ser uma
‘coisa’ bem feita para não recaírem sobre ele nenhuma suspeita e, Horácio a
imaginar como sairia daquela encrenca.
Para seguir na
grande e estafante caminhada, Lampião faz uma espécie de sequestro em seis
rapazes que trabalham cortando cana em uma vagem. A tarefa dos sequestrados era
a de carregarem em redes, amarravam-se os punhos da rede em cada lado de um pau
resistente, os cangaceiros feridos no fogo da fazenda Tapera. Vez por outra,
quando um dos feridos morria, os rapazes eram obrigados a ficarem olhando para
outro lugar, enquanto os próprios companheiros levavam o corpo do amigo morto e
enterravam em uma cova rasa, a cobrindo com macambira para que os animais
carniceiros não chegassem e se alimentassem da carne do cadáver.
Naquela
caminhada, Lampião toma, também, como refém o filho de um ‘coronel’, Auzônio
Carvalho, filho do coronel “Manoel Alves de Carvalho Barros”, dono da fazenda
Tamboril, para que esse servisse de guia até as terras da fazenda Água Branca,
já que era sobrinho do Major dono daquela propriedade destinatária.
O preconceito
é coisa bastante antiga. Alguns pensam que fora extinto hoje em dia, puro
engano. Naquela ocasião, o rapaz/guia aproveitou a ‘estada’ com Virgolino
Ferreira para tentar ir à forra de um primo, ‘Alcides Carvalho’, que era,
justamente, o filho do Major seu tio. Alcides era noivo de uma irmã de Auzônio,
Albergia, porém, tinha uma amante negra, “Luzia de João Cinzento”. Essa amante
já tinha um fruto do envolvimento dos dois com dois anos de idade, mais ou
menos, estando ‘buchuda’ desse rapaz novamente. Para a família de Auzônio, era
uma desfeita enorme do primo, ‘trocar’ sua irmã por uma negra. O pai deles, o
coronel Nezinho Carvalho, como era conhecido na região, chegou a contratar um
jagunço para matar Alcides, no entanto, o rapaz livra-se da emboscada preparada
para ele.
Descobrindo
que fora vítima de uma emboscada, Alcides sai em busca do emboscador que teve
que arribar para outras terras, pois as dali, não estavam boas para sua vida.
O jovem guia faz uma narrativa, inventada em sua maioria, do que seria o seu
tio dono da fazenda Água Branca, e que, também, era dono de riquezas. A coisa
teria dado certa se não fosse a intervenção de um dos “cabras” do bando, Ubaldo
Pereira Nunes, de alcunha ‘Moita Braba’, que conhecendo o Major, relata a
verdade para se chefe.
O bando segue
caatinga adentro rumo a seu destino, tendo ainda dois de seus companheiros
sendo transportados em redes por estarem feridos gravemente. Chegando a
caterva, em torno de uns noventa homens, incluindo os do grupo de Horácio, na
sede da Fazenda Água Branca, todos sem poderem dar mais um passo, devido ao
cansaço pelo esforço da caminhada, sentam-se por todo canto.
Os dois cangaceiros feridos eram “Coqueiro” que fora ferido no peito, onde o
projétil penetrou no ‘bico do peito’, traspassou o corpo e saiu na altura da
escápula direita, esfacelando-a. Já seu companheiro, o cangaceiros “Gengibre”,
fora vítima de uma projétil que, destruindo uma de suas patelas, rompendo
tecidos moles e duros, sai do outro lado, na região poplítea, deixando o cabra
com a perna em más condições.
Lampião fala
ao Major que precisa de acoitamento para seus homens feridos até que se
restabeleçam além de necessitar de comida para o restante da horda. O
proprietário nega-se a ajudar o chefe bandoleiro. Lampião volta a insistir os
préstimos do Major Tiburtino, dessa vez já em tom ameaçador. Nesse momento, o
jovem Alcides, filho do Major, conhecendo seu pai e sabedor das façanhas de
Virgolino, entra na conversa e se dispõe a cuidar dos feridos, o que leva a
esfriar os ânimos que já estavam bem exaltados.
Conversa vai,
conversa vem, o “Rei do Cangaço” relata para o jovem Alcides tudo que
acontecera nas terras da fazenda Tapera. Como fora a luta e como Horácio Novaes
havia assassinado Manoel de Gilo por trás, com um tiro traiçoeiro.
“(...) Lampião
comentou com Alcides, dizendo que tinha ficado muito contrariado com Horácio
por ele ter atirado em Manoel de Gilo por trás, na nuca dele. Olhando
atravessado para Horácio e com um semblante de tristeza, dizia:
- Foi uma covardia tremenda de Horácio, atirou no rapaz. Eu tava confessando
Mané de Gilo quando ele atirou a queima roupa e ele acabou de morrer.
E concluiu mostrando insatisfação e um pouco de arrependimento:
- Um homem daquele, seu Alcides, era homem pra andar comigo. Ôh homem disposto
no mundo. (O) Cabra brigava bonito mermo e num desanimava e animava os outros
(...).”
(“As Cruzes do Cangaço” – SÁ, Marcos Antonio de. e FERRAZ, Cristiano Luiz
Feitosa. 1ª Edição. Floresta, PE, 2016).
Horácio
Novaes, mentor de um plano macabro onde foram perdidas 13 vidas, aproveita essa
estada na fazenda Água Branca, do Major Tiburtino, e cai fora com seus homens,
deixando todos entenderem que iria se acoitar em uma propriedade conhecida,
‘fazenda Favela de Antônio Novaes’. Realmente Horácio vai para as terras da
dita fazenda, só que lá chegando, ‘solta para os quatro cantos’, que tinha
deixado dois cangaceiros feridos na fazenda do Major Tiburtino. Uma notícia
dessas, sem nada ter ocorrido na região, já chamava a atenção das autoridades,
e depois do que acontecera na fazenda Tapera, vira fogo de rastilho, terminando
por chegar aos ouvidos de Mané Fumaça, o terrível perseguidor de Lampião,
Manoel de Souza Neto.
Na Água Branca, o chefe cangaceiro se abastece do que tem a seu dispor, fazem
uma refeição e partem para algum esconderijo entre as serras da região.
Na fazenda, o
jovem Alcides providencia para os feridos um acampamento improvisado debaixo de
um pé de umbuzeiro, e lá, continua cuidando dos feridos. Além de “Coqueiro” e
“Gengibre”, Lampião deixa um outro cangaceiro alcunhado de “Lua Branca”,
Vicente Marcelino, da Paraíba, o qual era irmão de dois outros cangaceiros,
“Vinte e Dois” e “Bom de Vera”. Naquele local, tendo a sombra de um imbuzeiro
como enfermaria, os dois cangaceiros feridos permanecem até suas quase totais
recuperação. “Lua Branca” quase que não estava com eles. Fica a tocaiar os
arredores. Servindo de sentinela, pronto pra qualquer eventualidade que
ocorresse. Até o dia em que os três partem em busca do local onde se encontrava
o restante do bando.
Certo dia,
Alcides estava a viajar em uma montaria, quando, na fazenda Lagoa das Pedras,
topa-se com Manoel Neto. O militar de arreios em uma das mãos, segura na brida
do animal e começa a inquerir Alcides por os cangaceiros que estavam em terras
da fazenda Água Branca, dizendo o inquiridor que sabia através da delação de
Horácio Novaes. Logicamente que o jovem nega tudo desde o princípio. Em
determinado momento Manoel Neto ameaça dar-lhe uma surra com o chicote que
tinha na mão. O jovem coloca a mão na arma que trazia por baixo do paletó e,
ficou a esperar o militar erguer o braço para atirar nele, mesmo sendo sabedor
que assim procedendo, morreria pelos homens da tropa do comandante.
A partir
daquele momento o filho do Major não disse mais uma palavra. Ficou só esperando
o militar entrar em ação. Manoel Neto não agride com o chicote o jovem Alcides,
porém, dar um solavanco nas rédeas do animal que, por um instante, fica doido
sem saber o que fazer com tanta dor produzida pelos ferros dentro da sua boca.
Alcides vai embora, no entanto, nunca esqueceu a ameaça feita pelo nazareno e
ficou preparado todo tempo para um eventual desfecho mortal.
Com o passar
do tempo, o Major Tiburtino é intimado a comparecer diante das autoridades a
fim de prestar esclarecimentos sobre a estada de cangaceiros em sua propriedade.
Junto a ele foi seu filho, o jovem Alcides, escoltados pela volante do tenente
Arlindo Rocha.
“(...) O Major
Tiburtino de Carvalho foi intimado no dia 23 de agosto de 1927, terça-feira, a
comparecer ao distrito de Carnaubeira da Penha, que na época pertencia a
Floresta, para depor sobre esses acontecimentos referentes à estadia de
cangaceiros em sua propriedade. Acompanhado de seu filho Alcides, foi escoltado
pela volante do tenente Arlindo Rocha, que, segundo Tiburtino, era uma pessoa
de bom senso. Conversaram bastante no trajeto até aquele povoado, tendo Alcides
relatado ao oficial tudo que aconteceu de verdade sobre esse fato, envolvendo o
nome do seu genitor. Alcides disse a Arlindo que se alguém tivesse que ser
preso, que fosse ele, porque seu pai nunca tinha saído de casa para levar
sequer um gole de café para cangaceiro (...).” (Ob. Ct.)
O Major,
depois de prestar depoimento naquele distrito, é removido para Vila Bela. Lá
recebe uma sentença de arribar-se da sua propriedade, onde só iria morar novamente
um ano depois. Devido a isso, um ano após seu retorno, ele morre em sua
fazenda.
Horácio Novaes
não abandona de vez a espingarda, após ter promovido a morte, quase que
completa, de uma família. Junto com mais três ‘cabras’, ele segue seu caminho,
fazendo e promovendo o seu terror particular. Em determinada época, os quatro
topam com o subdelegado do Distrito de Nazaré do Pico, Gomes Jurubeba, e travam
um tiroteio. Esse tiroteio ocorre lá pelos idos do final de 1926, Jurubeba
tinha ao seu lado os seguintes homens no momento que cortavam as espoletas:
“Manoel Ferraz
e Cassimiro Gilo, (que eram civis. Sendo o último sobrevivente da chacina da
Fazenda Tapera, e que agora levava a vida a caçar cangaceiro), além do
Anspeçada e comandante Hercílio Nogueira, Manoel Concórdio, Zeca de Aldagisa,
Joel, Vicente Ferreira, Zé Preto, Zeca Chica e mais dois ou três homens.”
Os quatro
cangaceiros estavam à sombra de uma quixabeira, a costurarem suas vestimentas,
ou mesmo fazendo reparos nessas, quando, estando Horácio costurando, parece
cansar-se e passa a ocupar seu lugar o cangaceiro “Pitombeira”, que era o
Leobino filho das Alagoas. Nesse momento, estando distante cerca de 85 metros,
Manoel Ferraz atira, atingindo mortalmente o cabra “Pitombeira”. Tiro
‘falando’, cangaceiro tombando e o restante dos bandidos saem em disparada. A
pressa é tamanha, e tinha que ser, que Horácio não tem tempo de apanhar seu
chapéu de couro, o qual é pego levado pelo atirador do grupo de ‘caçadores’.
Bandidos sendo
caçados com afinco por homens forjados nas entranhas do sertão. A coisa
prossegue pelo restante do dia. Uns fugindo e outros caçando eles. Lá pela
segunda metade da tarde, Horácio resolve colocar uma emboscada em seus
perseguidores. Dessa arapuca, os perseguidores perdem o companheiro chamado
Joel. A coisa se fecha na base da bala e a força estando em situação
desvantajosa, é obrigada a recuar para não sofrer mais baixas desnecessárias.
Logo os bandidos deixam o local e seguem mato adentro, sendo perseguidos,
novamente pelos homens. Horácio volta a arma uma nova emboscada, mas, desça vez
Manoel Ferraz nota e desviando ela, faz um semicírculo e deixa os bandidos em
maus lençóis. Porém, esses fogem e, mais tarde, travam novo tiroteio, sendo que
dessa vez não corre baixa em ambas as partes.
Horácio não
tem mais como viver naquela ribeira. Seus próprios familiares o convencem que
deve deixar aquela região, as margens do Rio Pajeú. Suas artimanhas deixavam
todos da família, que nada tinham haver com as atitudes dele, numa situação
crítica perante as pessoas. Não se sabe ao certo como Horácio Novaes deu linha
na pipa e caiu fora daquela região. Noticia-se que tenha seguido para o
distante Estado goiano e que lá tenha morrido, porém, é sem registro se deixou
alguma descendência.
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