Por Beto Rueda
Maria
Christina Russi da Matta Machado nasceu em São Paulo em 09 de fevereiro de
1938. Filha de Max Barbosa da Matta Machado e Adalgysa Russi da Matta Machado.
Estudou no
tradicional Colégio Rio Branco e concluiu o curso ginasial no ano de 1954.
Terminou o curso clássico no Instituto Mackenzie, cinco anos mais tarde.
Licenciou-se em história pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Pontifícia Universidade Católica(PUC) em 17 de dezembro de 1963.
No ano de 1965
participou do Seminário Nacional de Estudos do Problema Favela, organizado por
essa entidade. Entre 1966 e 1967, ela participou de seminários de História da
Civilização Brasileira (MACHADO, 1963).
Como resultado
parcial de seus esforços, escreveu “Nordeste da seca não é Nordeste da
miséria”, “O sertanejo tem no sangue a liberdade” (monografia preparada para o
curso de Literatura Brasileira, no qual esteve inscrita em 1966), “Visão geral
do Nordeste”, “O sertão não progrediu” e dois trabalhos baseados na disciplina
ministrada por Sérgio Buarque, “Canudos e a política de Antônio Conselheiro” e
“A política dos coronéis”.
Chegou a
publicar os artigos “Aos que se comunicam” e “Aqui ali mulher” no Diário de S.
Paulo, ambos em 1967, e “Memórias do cangaço”, no Jornal da Tarde, no mesmo
ano. Havia ainda preparado “Classes sociais no meio rural” para a Revista de
Sociologia (MACHADO, 1963b).
No ano de
1968, chegou a se matricular no curso de sociologia e política. No mesmo ano,
na revista Realidade, sairia uma entrevista com Dadá, a mulher de Corisco (MACHADO,
1968). Assim como, no ano seguinte e na mesma revista, a reportagem “A vida
depois do cangaço” (juntamente com seu noivo, o jornalista Humberto Mesquita,
com fotos de Jorge Bodanzky), na qual mostrava o reencontro de antigos
bandoleiros do grupo de Virgolino Ferreira que haviam sobrevivido à tragédia da
Grota do Angico (Zé Sereno, Sila, Marinheiro e Criança) com o soldado da
volante Adriano Ferreira de Andrade em um restaurante de São Paulo, no almoço
promovido pela própria pesquisadora (MACHADO; MESQUITA, 1968) (duas outras
matérias para a mesma publicação, “O último dos místicos” e “Lampião”, foram
preparadas, segundo a autora).
Christina
realizou uma extensa pesquisa de campo, com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Percorreu, acompanhada da mãe, quase
uma centena de localidades nordestinas por onde passou Lampião, gravou muitas
entrevistas com ex-cangaceiros e acumulou um vasto material de arquivo sobre o
tema. Chegou a possuir uma quantidade significativa de livros, caixas de
microfilmes, fichamentos, fitas cassete e recortes de jornal ligados à sua
investigação.
Em 1969
lançaria o seu livro As táticas de guerra dos cangaceiros.
Em última
instância, daria continuidade a seus estudos na Universidade de São Paulo
(USP), onde ingressaria na pós-graduação, tendo como orientador de doutorado,
inicialmente, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, de quem também foi aluna
e depois pelo professor Eurípedes Simões de Paula e prepararia a tese Cangaço:
aspectos socio econômicos, que mais tarde recebeu o título Aspectos do fenômeno
do cangaço no Nordeste brasileiro. O prazo final para a sua entrega na
secretaria seria 31 de agosto de 1972, ainda que o trabalho, ao que tudo
indica, estivesse bem adiantado. Ou seja, ela possivelmente depositaria o
material antes da data exigida pela burocracia acadêmica (é provável que
fizesse isso no ano anterior ao solicitado) (OFÍCIO/CIRCULAR, 1972). Já tinha
uma banca montada informalmente, que seria composta por Ruy Galvão de Andrada Coelho,
Pasquale Petrone, Carlos Guilherme Mota e Sebastião Witter. Todos haviam se
comprometido, extraoficialmente, a participar da arguição da candidata. Mas
isso nunca chegou a ocorrer. Christina faleceu ainda muito jovem, na madrugada
do dia 23 de outubro de 1971, dentro de seu próprio quarto, no apartamento em
que morava com os pais, na Avenida Paulista, São Paulo. A causa: Leucemia. Por
anemia, edema agudo do pulmão e insuficiência cardíaca.
Ela planejava
se casar um dia após sua defesa na USP e partiria, em seguida, para a França,
onde faria um segundo doutorado na Universidade de Paris (com uma bolsa
concedida pelo governo daquele país). O projeto era ficar na Europa até o fim
de outubro de 1972, onde seria orientada por Frédéric Mauro. Sua trajetória,
interrompida abruptamente, portanto, impediu que desenvolvesse seus estudos e
impossibilitou que pudesse sofisticar ou mesmo reavaliar os argumentos
apresentados em seu livro de juventude.(PAULA, 1973).
Mesmo seu
derradeiro trabalho acadêmico poderia ter sido modificado e aprofundado.
Afinal, o professor Simões de Paula aparentemente discutiu com a estudiosa
vários aspectos do texto, seu método, fontes e bibliografia, todos elementos
que não foram incorporados em suas páginas finais, por não ter havido tempo
(PAULA, 1973). Além disso, o trabalho deixado, ainda em fase de
desenvolvimento, foi revisado por seu pai (um advogado aposentado), que não
conhecia o assunto. O esforço do progenitor certamente foi louvável, mas não
impediu que restassem diversos erros na versão final (problemas que ocorreram
também em seu livro de 1969 e que passaram despercebidos pela própria autora e
pelos revisores da Laemmert e da Editora Brasiliense, que publicaria uma nova
edição do livro em 1978).
Entre 1973 e
1974, finalmente, os capítulos de sua tese Aspectos do fenômeno do cangaço no
Nordeste brasileiro (MACHADO, 1973a; 1973b; 1973c; 1974a, 1974c)12 seriam
publicados postumamente em cinco partes, em diferentes edições da Revista de
História, obra que, em seu conjunto, foi considerada por Melquíades Pinto Paiva
como um “importante estudo de natureza sociológica” (PAIVA, 2012, p. 223). Não
custa lembrar que aquele era um período de bastante interesse pelo cangaço, com
periódicos como Jornal do Brasil, O Cruzeiro, Diário de Notícias, Fatos e
Fotos, Manchete e Realidade levando à luz entrevistas e matérias investigativas
sobre o assunto, escritas por nomes conhecidos como Oswaldo Amorim, Jorge Audi
e Nonnato Masson, entre outros (AMORIM, 1969; AUDI, 1968; MASSON, 1961; NOBLAT,
1972; 1973; SILVA, 1970).
A tese de
Christina Matta Machado se destaca, especialmente, pelos depoimentos de
cangaceiros, coiteiros, volantes e políticos, personalidades como Dadá,
Saracura, Labareda, Zé Sereno, Zé Rufino, Sila, João Siqueira, Balão, Eustáquio
Jovino Ribeiro, Luiz Caldeirão e João Bezerra, entre outros. Ou seja, a autora
dá voz aos personagens. O recurso da história oral é, portanto, um elemento
fundamental em seu trabalho. Também inclui trechos de matérias jornalísticas da
época, mostrando o papel da imprensa na difusão da informação e na construção
da imagem dos cangaceiros.
O caráter
irredentista do cangaço, por sua vez, é bastante desenvolvido por ela. A parte
IV da tese, que discute aspectos culturais do sertão, como os valores dos
bandoleiros, suas formas de convivência, o comportamento da mulher, a questão
do machismo, o misticismo, as superstições, as crendices e os padrões de
honestidade, talvez seja a melhor do conjunto da obra, que alterna momentos
favoráveis com outros de menor rigor metodológico.
É possível
notar a influência de Eric Hobsbawm (Rebeldes primitivos, 1959), assim como do
livro Cangaceiros e fanáticos, do jornalista Rui Facó (1963a). A pesquisadora
da USP analisaria o fenômeno de um ponto de vista acadêmico. Ou seja, a obra de
Machado é claramente um reflexo de sua época, traduzindo para o meio
universitário uma discussão candente no ambiente político da esquerda
brasileira.
A pequena obra
da autora certamente tem importância, ainda que esteja intrinsecamente ligada
ao momento histórico em que foi produzida. Mas, se ela tem o mérito de ter sido
pioneira nesse sentido, é difícil dizer que suas elaborações tenham resistido
ao tempo.
O caso de As
táticas de guerra dos cangaceiros é emblemático. É certo que houve quem
admirasse tal estudo. A antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros chegou
a dizer que aquele seria “um dos mais interessantes livros sobre a história de
Lampião [...] pela riqueza de informações sobre o cotidiano do cangaço”,
destacando a “beleza da narrativa” (BARROS, 2007, p. 81). O fato de ter sido
orientada na USP por dois renomados professores, de acordo com Barros, tornava
aquele “trabalho obrigatório para quem estuda este tema” (BARROS, 2007, p. 81).
Mesmo que hoje
o nome de Christina Matta Machado seja pouco lembrado pelo grande público, ela
produziu um dos livros de bolso dos guerrilheiros na época da ditadura militar
e foi lida com grande interesse por toda uma geração de jovens no início dos
anos setenta do século passado. Seus trabalhos, apesar de todas as limitações,
continuam emblemáticos e ainda são usados como referência bibliográfica pelos
estudiosos do cangaço na atualidade.
REFERÊNCIAS:
MACHADO, Maria
Christina Russi da Matta. Processo 1428, Protocolo 006142-2 de outubro, 1963a,
Proc. n. 1428/68, Setor de Pós-Graduação em História, USP. In: Pasta de Maria
Christina Russi da Matta Machado, administração, FFLCH/USP.
_____.
Curriculum Vitae. Processo 1428, Protocolo 006142-2 de outubro, 1963b, Proc. n.
1428/68, Setor de Pós-Graduação em História, USP. In: Pasta de Maria Christina
Russi da Matta Machado, administração, FFLCH/USP.
_____. Eu não
queria matar Corisco. Realidade, Rio de Janeiro, outubro de 1968.
_____. As
táticas de guerra dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.
_____.
Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (I). Revista de
História, n. 93, São Paulo, 1973a, p. 139-175.
_____.
Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (II). Revista de
História, n. 95, São Paulo, 1973b, p. 177-212.
_____.
Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (III). Revista de
História, n. 96, São Paulo, 1973c, p. 473-489.
_____.
Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (IV). Revista de
História, n. 97, São Paulo, 1974a, p. 161-200.
_____.
Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (V). Revista de
História, n. 99, São Paulo, 1974b, p. 145-174.
MESQUITA, H. A
vida depois do cangaço. Realidade, Rio de Janeiro, ano III, n. 34, janeiro de
1969. Disponível em: <http://meneleu.blogspot.com.br/.../a-vida-depois-do...>.
Acesso em: jan. 2019.
» http://meneleu.blogspot.com.br/.../a-vida-depois-do...
PERICÁS, Luiz
Bernardo. Uma intérprete do cangaço: Maria Christina Russi da Matta Machado.
<https://www.scielo.br/j/rieb/a/LmSwLcMHMZpfQVj6VPYxQGb/...>.
Acesso em 15set.2022.
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste
http://blogdomendesemendes.blogspot.com