Por: Rangel Alves da Costa
O
LEGADO DE ALCINO ALVES COSTA PARA A CULTURA NACIONAL
O falecimento
de Alcino Alves Costa em 1º de novembro deste ano significou, a um só tempo, a
perda do sertanejo apaixonado pela história e cultura de seu povo, e também uma
imensa lacuna na historiografia nacional, principalmente no que diz respeito ao
culto das raízes nordestinas e dos fenômenos sociológicos do banditismo social
e suas afluências místicas e coronelistas.
Alcino Alves Costa
Mesmo
autodidata, tendo somente estudado até o quarto ano primário, Alcino acabou se
constituindo num grandioso pesquisador dos fenômenos nordestinos, e estes de
alcance nacional. Era membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço –
SBEC, sócio honorário do Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará, participante
efetivo do seminário permanente Cariri Cangaço, além de palestrante em diversos
eventos de renomadas instituições.
Alcino e Rangel, seu filho
Em setembro de
2011, no município de Barbalha/CE, foi homenageado com uma placa distintiva
outorgada pela Comunidade Lampião – Grande Rei do Cangaço e pelo blog Lampião
Aceso, como “Reconhecimento por sua valiosa contribuição à cultura nordestina,
e, em especial, aos estudos e preservação da memória do cangaço”.
Em fevereiro
de 2012, o evento II Arena de Arte e Cultura, promovido pela Prefeitura de
Nossa Senhora da Glória/SE, homenageou-o como expoente da cultura e da memória
sertaneja, ocasião em que recebeu uma placa alusiva ao evento com os seguintes
dizeres: “Parabéns Alcino, Escritor que permanecerá sempre resgatando as
histórias do povo do nosso sertão. Obrigada pela participação na II Arena da
Arte, Cultura e Turismo da Rota do Sertão”.
Nos seus
livros, ensaios, artigos e composições estão presentes a história, a geografia,
o cotidiano matuto, a sociologia da violência e do misticismo, a descrição dos
meandros políticos como causa e consequência das injustiças, da pobreza, da
violência e das lutas cangaceiras que tão presentes estiveram nas vastidões
áridas do Nordeste.
Todos estes
aspectos foram pesquisados, analisados, discutidos e dimensionados por Alcino
nas suas obras. Longe de ser um pesquisador eminentemente bibliográfico,
procurava estudar os fenômenos nas suas fontes de origem, nos locais e perante
os seus personagens. Ele mesmo convivendo com a história, com o objeto do seu
estudo, pois sertanejo de raiz e ladeado por ex-cangaceiros, ex-volantes,
ex-coiteiros, vaqueiros da vida inteira.
Na sua casa
recebia Adília de Canário, Sila de Zé Sereno, os coiteiros Mané e Adauto Félix,
dentre tantos outros que lhe faziam amizade e confidências tão úteis ao
desvendamento da saga cangaceira. Mesmo mais moço, conviveu e foi até
adversário político de Durval Rodrigues Rosa, o mesmo Durval irmão de Pedro de
Cândido, este tão citado na história como possível delator do Capitão
Virgulino.
Ademais, não
se deve esquecer que era sobrinho materno do cangaceiro Zabelê (irmão de sua
mãe Emeliana Marques, ainda viva), e genro dos maiores amigos que Lampião tinha
no arruado do Poço Redondo, que eram Teotônio Alves China, o China do Poço, e
Dona Marieta, sua esposa. Na casa destes é que se deu o célebre encontro entre
a cruz e a espada, entre Padre Arthur Passos e Lampião. Dona Peta, a eterna
companheira de Alcino, era, pois, filha desse gentil casal sertanejo.
Outros
aspectos também aproximam Alcino daquilo que passou a admirar com devoção. A
Gruta do Angico, onde a 28 de julho de 38 ocorreu a chacina que pôs fim ao
bando cangaceiro mais importante, está localizada no se berço de nascimento; a
Maranduba, fazenda onde se travou o maior combate da história cangaceira também
fica nos arredores da povoação. E tantos outros lugares que foram palco das
vinditas, dos coitos e tramas, estavam no Poço Redondo, bem ao lado e ao
alcance de Alcino.
Desse modo, o
que “O Caipira de Poço Redondo” conta nos seus livros soa quase como relatos
autobiográficos, dado à veracidade da narrativa, ao conhecimento profundo dos
acontecimentos, ao convívio com parte dos personagens, debaixo do sol, pisando
no espinho esturricado e cortando as veredas que eram os mesmos daqueles tempos
mais antigos. Dois anos após a chacina do Angico, Alcino avistou seu primeiro
sol. Nasceu em 40.
Tais elementos
de convívio possibilitaram que começasse a produzir relatos o mais próximo
possível à realidade cangaceira, principalmente naquela região e arredores, no
mesmo chão onde o Capitão Lampião dizia se sentir mais seguro, mais protegido
das emboscadas e das traições. E a história acabou mostrando o contrário, ainda
que a mesma história continue entremeada de mentiras e mistérios, como bem
assegurava “O Caipira de Poço Redondo”.
E foi pela
força e contundência dos relatos, preferindo construir uma obra distante das
influências e dos consensos literários acerca do banditismo matuto, que Alcino
foi se firmando pela seriedade de suas pesquisas e logo reconhecido como um dos
maiores expoentes da história cangaceira nordestina.
E não apenas
da história do cangaço, pois a memória cultural e sociológica do sertanejo teve
em suas mãos o cuidado do artesão, do oleiro que forja no barro a feição de um
povo, de uma gente marcada pelas durezas de toda sorte e que, não obstante as
intempéries naturais, ainda teve de suportar os sofrimentos causados pelas
refregas entre os ditos bandidos e os conhecidos mocinhos.
E Alcino
descreveu tais meandros de modo quase que irretocável, pois na linguagem fácil,
na escrita sem rebuscamentos, sobressaindo apenas aquilo que foi uma das suas
maiores características: o lirismo na descrição da guerra, quase poesia falando
da emboscada. Assim, os seus livros “Lampião Além da Versão –
Mentiras e Mistérios de Angico”, “O Sertão de Lampião” e “Lampião em Sergipe”,
se tornaram referências necessárias na bibliografia nacional.
Contudo,
Alcino dividia sua paixão pelo fenômeno cangaço com muitas outras paixões
sertanejas. Amando sua terra e o seu povo, sendo eleito por três vezes prefeito
do seu município, deixou escrita a sua história no livro “Poço Redondo – A Saga
de Um Povo”, tratando desde os desbravadores aos tempos mais recentes. No mesmo
sentido fez com o município vizinho de Canindé, ao publicar “Canindé do São
Francisco – Seu Povo e Sua História”.
De sua paixão
pela autêntica música caipira nasceu prosa e o dom da locução. Tentando
delimitar de vez a fronteira entre a canção dita sertaneja e a música caipira
de viola de pinho, escreveu um livro essencial intitulado “Sertão, Viola e
Amor”, o mesmo nome do programa radiofônico que manteve por muitos anos nas
tardes de sábados na Rádio Xingó FM, na vizinha Canindé do São Francisco.
Homenageou o
rio que passa pela sua aldeia no livreto “Preces ao Velho Chico”, publicado
pela Coleção Mossoroense da SBEC, em 2000. Ao falecer, deixou um grande número
de obras inéditas e que serão futuramente publicadas. Dentre tais obras estão
“João dos Santos – O Caçador da Curituba”, “Canoas – O Caminho Pelas Águas”,
“Lendas e Mistérios do Sertão” e “Vaqueiro, Cavalo e Boi”, além de diversos
rascunhos e estudos inacabados acerca do cangaço.
Foi também
grande compositor de música caipira, iniciando em 1974 sua assinatura de
músicas de sucesso. Neste ano Clemilda gravou com enorme sucesso sua “Seca
Desalmada”. Anos mais tarde as renomadas duplas sertanejas Dino Franco e Mouraí
e Dino Franco e Fandagueiro gravaram diversas músicas de sua autoria, também
com grande sucesso, dentre as quais “Sertão, Viola e Amor”, “Garça Branca da
Serra”, “Desencanto da Natureza”, “Velho Chico” e “Nuvens Brancas do Sertão”.
No mês de
julho deste ano Alcino lançou o seu último livro, o romance “Maria do Sertão”.
Ao lado de seus livros sobre o cangaço, considerava esse romance a expressão
maior de sua verve de escritor. Talvez porque tenha sido um de seus primeiros
escritos, mas a verdade é que era apaixonado por sua Maria e sua história de
amor e sofrimento. Ao lançá-lo já estava muito doente, debilitado pela
prolongada enfermidade que o viria silenciar poucos meses depois.
Mas por que
afirmar – como intitulado no presente texto – ter Alcino Alves Costa deixado
importante legado para a cultura nacional, vez que sua obra se volta
basicamente para o sertão e o nordestino? Ora, as lutas do homem nos seus
sertões, bem como suas manifestações e realizações, não se resumem ao lugar
quando se tornam história.
E foi essa
história que “O Caipira de Poço Redondo” soube tão bem relatar para todos,
nacionalmente e até além fronteiras. Daí a imortalidade do seu legado. E fato
reconhecido pela Academia Gloriense de Letras, no alto sertão sergipano, que ao
ser instalada e com posse de seus membros em 12 de dezembro de 2012, escolheu
Alcino Alves Costa como Patrono da Cadeira nº 1.
Enfim, não há
que se reconhecer em Alcino senão aquele sertanejo de uma imensa alma humana
tomada pela feição de um grande poeta, pesquisador, escritor. E um pai
orgulhoso de sua prole, tanto nos filhos como nos livros.
Poeta e
cronista
Filho de
Alcino
blograngel-sertao.blogspot.com