Por: Ana Paula Cadengue - Editor geralJornalista Geraldo Maia do Nascimento
Geraldo Maia do Nascimento nasceu em Natal no dia 23 de maio de 1955. Filho de pai bodegueiro e mãe dona-de-casa, tem dois irmãos. Casado com Nilce Dantas, é pai de Marcelo e Renato. Morando em Mossoró desde 1998, tem uma verdadeira paixão pela história da cidade e de seu povo, além de ser um estudioso do cangaço.
O Mossoroense- Como surgiu o seu interesse por história?
Geraldo Maia - Eu sempre fui apaixonado por história, tanto que a minha mulher - que é professora de história, fez o curso por minha causa... (risos)
De tanto ela me ouvir falar, acabou fazendo a Universidade. Quando a gente namorava, eu fazia o curso de estatística e o curso de história da UFRN viajava muito... Tinha uma descoberta arqueológica, lá ia o pessoal. Eu, como aluno de estatística, não podia ir, então tratei de arrumar uma bolsa de trabalho - sem vencimentos - no Museu Câmara Cascudo, só para poder viajar.
OM - Você não teve vontade de seguir essa vocação profissionalmente?
GM - Não... Já imaginou dois professores dentro de casa? É difícil...
OM- Você, então, preferiu ser mais - digamos - prático?
GM - A Petrobras é meu mundo prático. Mesmo como técnico de projetos, a minha área é planejamento, o que eu estudei e um trabalho agradável. Eu nem penso em me aposentar, gosto do que faço.
OM - Há menos de dez anos em Mossoró, você possui um dos maiores acervos sobre a cidade...
GM - História para mim sempre foi uma paixão mesmo, de eu estar estudando, procurando... Todo feriado que tem ou férias, a gente aproveita para viajar pela região, pelo sertão, ir atrás de assuntos que a gente não conhece. Onde tem alguma coisa sobre o cangaço... a gente já andou praticamente o nordeste inteiro. Onde tem algum movimento, ou houve, que a gente sabe que tem alguém da época ou que foi cangaceiro ou policiais, a gente vai lá, tenta levantar essas histórias. É uma maneira gostosa de aprender e minha mulher também me acompanha nessas loucuras... (risos). E os filhos quase sempre vão também... e gostam e incentivam o trabalho que eu faço.
OM - Você pesquisa há bastante tempo sobre o cangaço. O que está achando dessa "história" agora da inclusão de outros nomes no rol dos heróis da resistência de Mossoró a Lampião?
GM - Olha, isso é temeroso. E a gente fica... Como a gente faz parte de uma sociedade aqui em Mossoró que é bem conhecida. Aliás, eu acho que o lugar onde ela é menos conhecida é aqui em Mossoró, onde a gente tem menos apoio. Porque no resto do Brasil, a gente é super bem recebido. Na Semana Santa a gente foi a Paulo Afonso, onde tem bastante sócios da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, para uma solenidade na Academia de Letras, com discurso e tudo... Isso mostra a importância que dão a essa instituição fora de Mossoró...
Apesar da prefeitura daqui estar anunciando um Fórum do Cangaço... Esse fórum a SBEC já vem fazendo há 11 anos ... Esse ano a prefeitura nos convidou para incorporar o fórum que a gente faz sem ajuda de ninguém na programação dos 80 anos da resistência e esta semana - na quarta-feira, 16 - chegou para dizer que não vai dar mais apoio.... Tiraram o apoio e a gente está correndo para tentar ver se ainda dá tempo de realizar o fórum.
OM - E por que a prefeitura retirou o apoio?
GM - É o seguinte, eles tiraram de uma maneira indireta. Disseram que iam apoiar o evento, mas que a instituição tinha que se cadastrar como prestadora de serviço da prefeitura, aí a liberação da verba dependia da aprovação de um conselho, que se não aprovasse... Isso, a gente já tinha convidado uma série de palestrantes, visto preço de cachês, passagens aéreas, hospedagem. Afinal, a idéia era ser um grande evento por conta dos 80 anos da resistência, um evento em parceria oficial com a prefeitura... Mas a gente não pode ficar nessa dependência, e o presidente da SBEC,
Kydelmir Dantas, achou que a gente não tinha como esperar por isso, agradeceu a prefeitura e está partindo... Tirou o nome da SBEC dessa solenidade da prefeitura e está partindo para fazer um evento paralelo.
OM - Mas isso é estranho, porque a SBEC estava numa parceria com a prefeitura nessa comemoração dos 80 anos... Kydelmir inclusive fazia parte do prêmio Dorian Jorge Freire ...
GM - Pois é, isso anunciaram, mandaram um ofício de que ele estava fazendo parte da comissão julgadora. Até por ética, ele se negou a dar depoimento aos jornalistas que o procuraram e de repente ficou sabendo que o material já tinha sido avaliado. Ele perguntou: "e eu não estava na comissão?". Disseram que não. Ele ficou sem entender e disse que tinha recebido um ofício, mas...
Agora, isso tudo pode ser reflexo exatamente do que está acontecendo, com esses nomes extras aparecendo para serem homenageados e a gente entende que uma instituição como a SBEC não deve se calar. Sempre que forçam o aparecimento de nomes de pessoas estranhas aos fatos históricos, a gente está batendo em cima, vai ao rádio, à televisão, dizer "olha isso não é verdade, não aconteceu". Talvez isso esteja causando essa retirada do apoio oficial da prefeitura...
OM - Essa não é uma visão bem "coronelística", digamos assim?
GM - O que é uma pena, porque tudo o que a gente faz não tem nenhum interesse financeiro. A gente faz para ajudar a difundir conhecimento. O dinheiro que estaria envolvido, era para custear as despesas com cachês dos palestrantes, as passagens, hospedagem. Afinal, ele vem enriquecer a programação.
OM - Você não considera meio perigoso colocarem uma pessoa que não tem uma tradição como pesquisador para coordenar um evento de tal monta?
GM - Sim. Para você ter uma idéia, vamos falar de
Paulo Gastão, que é uma das pessoas que mais entende do movimento do cangaço, não só aqui de Mossoró, mas do Brasil inteiro. Ele foi o fundador da SBEC. Tem relação das pessoas que participaram do movimento, que estão vivas, que não mais estão... em Goiás, em São Paulo. Um cara que o que você o quiser sobre esse assunto ele tem tudo. Uma pessoa assim não ser convidada a participar de nada? Geralmente, nomeiam outra pessoa e vão pedir ajuda a ele. Aí, ele disse que não vai mais ajudar ninguém. " Se não querem minha ajuda de forma direta, eu vou me calar". Ele realmente perdeu o entusiasmo e se calou, o que é um absurdo.
Em determinado período, a gente bateu em cima do espetáculo "Chuva de Bala", que mostra umas cenas que não têm nada a ver com o que houve na época e no local e o diretor disse que "em espetáculo vale tudo".
Eu acho o seguinte, você está retratando um fato histórico, usando o ambiente onde aconteceu aquele fato, você tem que ser o mais fiel possível. Para você ter uma idéia, nem existia mulher no cangaço naquela época.
OM - Nem a Maria Bonita?
GM - Não. As mulheres só foram entrar no cangaço depois nos anos 30. Aqui aconteceu em 1927. Só depois dessa derrota, quando Lampião foi expulso aqui de Mossoró... Expulso é forma de dizer, porque a gente já chegou a conclusão de que ele praticamente não entrou na cidade.
O máximo que Lampião chegou foi na esquina do teatro Dix-huit Rosado, ele tentou dar uns tiros, tinha uma trincheira muito forte, ele foi seguindo pro lado do cemitério e essa foi a participação dele nesse combate.
OM - Para você, qual a importância da preservação do passado?
GM - A preservação é importante, aí vem aquela frase clássica: "conhecer o passado para projetar o futuro", não errar no futuro. E nesse sentido tem sido feitas algumas coisas em Mossoró, se bem que de modo exagerado e mudando a verdade, mas são válidas no sentido de que mostram o passado. Tem sempre exagero.
OM - Esses megaespetáculos contribuem para a formação da identidade cultural da cidade?
GM - Tem sempre distorções. O Auto da Liberdade, por exemplo, fala na libertação dos escravos, mas fala também na "revolta das mulheres". É um fato que acontecem em 1875, quando as mulheres lutam contra o alistamento de seus filhos para a Guerra do Paraguai, que tinha terminado desde 1870. Pode até ter sido conseqüência da guerra ter que aumentar as reservas do exército do país, mas quando a própria prefeitura diz que foi contra o alistamento na guerra do Paraguai, e a gente já bateu contra isso... Bom, mas fica o fato, sendo contado distorcido ou não, fica o fato.
OM - Mas, essa não é a única distorção. O próprio aniversário da emancipação da cidade...
GM - Isso está ficando um caso chato, mas não sou eu que sou contra. As datas são claras. Tem em qualquer livro. Parece que as pessoas querem fazer as coisas e não têm paciência para ler, pesquisar. O presidente da Câmara aprovou uma lei criando o feriado de 9 de novembro... Mas, não há discordância entre os pesquisadores: não existe essa data de 9 novembro. E por que se comemora? Porque existe uma lei, e o cara que fez a lei não quer mudar. A emancipação da cidade foi no dia 15 de março de 1852.
OM - Nos seus textos sobre a história de Mossoró e/ou mesmo em conversas com amigos, você aponta algumas falhas na administração da cidade, como a falta de uma política para a preservação do patrimônio arquitetônico, o descaso com o Museu e o esquecimento de fatos importantes...
GM - A prefeitura precisa encontrar uma forma de preservar o patrimônio arquitetônico sem isso venha a se transformar num ônus para a família proprietária do imóvel. Precisa também verificar e reparar o acervo do museu que se encontra fechado há anos. Mas, o que eu acho de máxima importância, é dar o devido destaque a Celina Guimarães.
Fonte: senado.gov.br
A prefeitura faz um alarde imenso em cima da resistência a Lampião, mas esquece de celebrar os mesmos 80 anos da primeira concessão de voto a uma mulher na América Latina, Celina Guimarães. Acho esse fato muito mais importante que a revolta das mulheres, o ataque de Lampião, porque é um fato que abrange toda a América Latina. E tem mais, o documento que comprova isso está sendo destruído pelo tempo e a falta de conservação. Se não houver alguma providência urgente, daqui a pouco não teremos mais como comprovar esse fato.
Fonte:
Postado por: Blog do Mendes e Mendes