Por Juarez Conrado
SEGUE, LOGO
ABAIXO, MATÉRIA SOBRE A MORTE DE " ZÉ SATURNINO ", O 1º INIMIGO DE
VIRGULINO FERREIRA DA SILVA ( LAMPIÃO ), PUBLICADA NO JORNAL " A TARDE
", EDIÇÃO 05/09/1980 .
Impressionante
o fato de um simples furto de bodes, tão comum nos longínquos anos de 1910 a
1920, haver se constituído no ponto de partida para uma das mais emocionantes
histórias do banditismo em toda América Latina, fazendo com que um dos seus
personagens, um tímido e bem comportado garoto, do interior de Pernambuco, se
transformasse numa figura legendária, da qual ainda hoje se ocupam jornalistas,
pesquisadores e, principalmente, sociólogos, todos eles interessados em
conhecer de perto detalhes da vida desse homem que marcou época nos sertões
brasileiros.
Lampião, já o
sabemos, morreu há 42 anos, na Grota do Angico, no município, sergipano de Poço
Redondo. Mas, quem era, e o que para ele significava José Alves de Barros,
o José Saturnino, falecido a semana passada, aos 86 anos, em Serra Talhada?
Uma pergunta
cuja resposta não poderá ser encontrada senão com o retorno ao ano de 1916,
quando ambos, de bons e pacíficos vizinhos, acabaram por se transformar em
ferozes e irreconciliáveis inimigos, que faziam do ódio suas vidas marcadas por
tiroteios e emboscadas, tingindo de sangue a pequena região onde conviviam.
Uma situação
que iria se transformar com o furto praticado por um dos empregados de José
Saturnino, logo descoberto por um inspetor de quarteirão violento e
autoritário, compadre e amigo do velho José Ferreira, que não hesitou em
prender o ladrão, impondo-lhe uma série de impiedosos castigos. Era o começo de
tudo.
Represálias
Saturnino
irritado, iniciou uma série de represália contra os Ferreira, mutilando, quando
não matando, suas criações, criando uma situação tão tensa entre eles que
exigia a medição de autoridades locais, como o juiz de direito, Adolfo Cardoso,
e o coronel e chefe político Cornélio Soares, ambos prevendo acontecimentos de
extrema gravidade, a persistirem os desentendimentos.
Os fatos que
se sucederam são do conhecimento geral e deles muitos já se ocuparam,
narrando-os, nem sempre, com muita fidelidade. José Saturnino não aceitava
as acusações que lhe eram feitas como responsável pela transformação de
Virgulino no cangaceiro que todos nós conhecemos.
Tanto não
aceitava que, pouco antes de sua morte, em carta dirigida à jornalista
pernambucana Marilourdes Ferraz, dizia que, na “realidade dos fatos, os
sertanejos viviam em época de grande atraso...Quando a minha pessoa, fui criado
pelos meus pais na Fazenda Pedreira e baixa de São Domingos, e que me
ensinaram a respeitar os direitos alheios, o que posso provar com os meus
vizinhos, especialmente, alguns que ainda restam com suas idades avançadas. Os
Ferreira, certos ou errados, queriam superar aos demais; quando não gostavam de
uma pessoas, tratavam de hostilizar, assim aconteceu com a minha pessoa.
Retiraram-se
para um distrito de Floresta: dentro de dois anos, saíram por motivo de
questões com os filhos da terra e a polícia do destacamento. Venderam o que
tinham e foram para Matinha de Água Branca, Alagoas, onde, muito cedo,
desinquetaram os irmãos Porcino Cavalcanti Lacerda... em consequência da vida
torbulenta dos Ferreira, vieram a perder a mãe, D. Maria Ferreira Lopes, que
faleceu traumatizada pelos vexames que passara vendo seus filhos perseguidos
pela polícia alagoana, e depois, o próprio pai... motivo da conduta dos seus
filhos”.
A revolta de
Saturnino, ente tantas acusações, estendia-se aos seus filhos Aureliano e João
Alves Barros, que, na mesma oportunidade, há cerca de um mês, escreveram o
seguinte comentário, publicado pela imprensa pernambucana:
“Se algum
cangaceiro destrata meu pai, está certo, está no papel dele. Agora, o que nos
revolta, como sempre revoltou meu pai, é o fato de homens que tiveram a
oportunidade de maiores estudos viverem perseguindo meu pai com acusações
injustas, só para dar uma explicação para vida de cangaceiro de Virgulino
Ferreira”.
E ressaltou
João:
“Meu pai
sempre viveu nesta região (Serra Vermelha); trabalhou no campo toda a vida; a
vida dele como militar foi uma fase. Só entrou nas Forças Volantes depois que
Lampião veio de Alagoas, diversas vezes queimar nossas propriedades e roubar o
nosso gado. Nunca meu pai matou ninguém, nem dos Ferreira. Lampião, ao contrário,
matou muitos dos nossos parentes, inclusive José Nogueira, com frieza, à
traição, roubando-lhe até as alpargatas dos pés, tendo Antonio Ferreira calçado
e saído com elas.
NAS “VOLANTES”
Em um dos
muitos livros publicados sobre a vida de “Lampião”, e de autoria de
pesquisadora Aglae, José Saturnino fala das lutas, das emboscadas, dos “homens
machos” que lutavam ao seu lado, como Zé Caboclo, Zé Batoque, Paisinho,
Cassimiro e Nego Tibúrcio. Refeiru-se aos insultos que trocavam quando se
encontrava com os membros da família Ferreira, da troca de tiros com Virgulino,
Antonio, Livino, Antonio Matilde e Luiz da Gameleira. Do cavalo que vendeu a Zé
Ciprino, de Nazaré, da emboscada que lhe foi preparada por Virgulino, quando,
no dia da feira, foi receber o dinheiro correspondente à transação com o
animal.
Uma narrativa
simples e que vale a pena ser descrita para mostrar o clima que reinava entre
eles:
- Pru vorta
das treis hora da tarde arrecebi o dinheiro du cavalo. Cem mil réis. Selei meu
burro. Quando andei meia légua, fui envolvido numa emboscada. Eu e João Fuló
brigamo cinco hora. Quando cheguei in casa era 9 da noite. Naquele tempo a
puliça era pouca e quando a gente quebrava as acomodação do Juiz e do Coroné
tinha tiroteio de novo. Eu e os vizinho sabia aqui os Ferreira irá cercar minha
casa antes do dia quilariá. E viero. Brigamo desde 1 da manhã às 6. Eu tinha 23
homes. João Flor, Zé Cabolbo, Zé Batoque, Cassimiro e Tibúrcio era cabra muito
home, muito macho. A munição dos Ferreira se acabou-se. Se arretiraro chamando
nomes feio”.
José Saturnino foi integrante das forças Volantes durante alguns anos e
conviveu com cangaceiros famosos como: Cassimiro Honório e Antonio Matilde. Foi
fazendeiro e sobre tudo, vaqueiro. Lutou contra secas, inclementes e amou sua
terra tanto quanto amou sua família.
Na noite em que morreu, José Saturnino cantou aboios como nunca o fizera em sua
acidentada vida no campo, tangendo as reses.
Diz a crença
popular que as pessoas antes de morrerem, revivem o passado. Se assim é,
certamente naquela noite, o velho Saturnino deve se ter sentido, novamente de
mosquetão, em punho. Ao lado dos velhos e corajosos companheiros, fugindo das
emboscadas armadas pelos Ferreira, com eles lutando com aquela coragem que
guardou até os últimos momentos da vida.
Deveria ter-se
visto vestido de gibão, chapéu e alpargatas de couro cru cavalgando por toda
aquela região onde, quando não estava lutando, aboiava como um autêntico
vaqueiro que era.
Saturnino,
afinal, está descansando. Está sepultado, há cerca de 15 dias, na terra
pela qual sempre viveu e lutou, porque a amava como a sua própria família.
E com sua
morte, com poucos registros na imprensa, desaparece uma figura da maior
importância na história do cangaço brasileiro.
Apagava-se a
figura de um homem que, durante toda a sua existência, dedicou-se a combater
bandidos e bandoleiros, expondo-se à balas dos inimigos, num verdadeiro desafio
à morte.
A morte que
afinal, o levou de vencido em Serra Talhada, fazendo desaparecer um dos últimos
remanescentes, e certamente de todos... da era de “Lampião”.
Esse cemitério
está um pouco abandonado, como se ver nas fotos.
Um abraço a
todos.
IVANILDO ALVES SILVEIRA
Pesquisador e
colecionador do cangaço
Natal-RN
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Extraído do
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