Por: Kydelmir Dantas (*)
Desde que saiu a notícia sobre as
filmagens d’uma ficção baseada em fatos reais, cujo tema é o Cangaço e a
personagem principal é Lampião e que as primeiras cenas serão filmadas em
Mossoró, sobre a invasão de 1927, que somos questionados nas ruas e no
trabalho: “Você está por trás disto?” “E aí, já conheces o roteiro?” “Fostes
contactado pela produção?” A resposta é sempre, não!
Sei que as perguntas são devido
ao nosso conhecimento do tema – modéstia a parte - principalmente sobre a
resistência, e a nossa participação, como consultor histórico no espetáculo
‘Chuva de bala no País de Mossoró’.
Neste domingo (07/10/2012)
encontro nas páginas do ‘Universo’, caderno cultural d’O Mossoroense, uma
matéria sobre o filme... Que começa assim: “Vem aí mais uma produção sobre o
cangaceiro Lampião”.
E logo no segundo parágrafo me aparece o que denominam de
‘licença poética’, o que sempre é de praxe, principalmente em se tratando de
cangaço, para muitos não passa da falta de compromisso com a História. Nas
palavras do diretor Bruno Azevedo isto fica claro: “A intenção não é glorificar
a imagem de Lampião, mas mostrar um lado pouco conhecido dele.”
Qual será? Porque, ultimamente,
até sobre o rei do cangaço ter sido gay um juiz de Sergipe escreveu ter
‘encontrado evidências’– não comprovadas – e publicou num livro, que ora está
sub-júdice em ação impetrada pela família Ferreira.
Depois de tantos livros sobre a
personalidade, a figura, o homem, o cangaceiro... Ainda teremos novidades? Pra
se ver o quanto o mito Lampião é forte!
Noutro parágrafo, o diretor
disse: “Vamos registrar a retirada dos cangaceiros da cidade de Mossoró, não
como derrotados, mas como estratégia de guerra, em que eles perceberam a
desvantagem e decidiram sair.”
Pronto! Eis uma novidade! A
derrota como estratégia de guerra.
Que não é tão nova, pois ainda é
lembrada a ‘fuga como forma heróica de resistir’, defendida por um
neo-historiador nos 80 anos da Resistência, quando criou uma trincheira de
Jerônimo Rosado, composta por alguns que não estavam em Mossoró naquela tarde
do dia 13 de junho de 1927.
Depois vem uma série de
‘novidades’ no parágrafo ‘protagonista real’... Dentre elas, que Lampião trabalhava
como artesão até os 21 anos e usava óculos para a leitura. Outra, que começou
aos 21 anos no cangaço, devido a morte do pai em confronto com a polícia e que
seu bando ‘nunca’ ultrapassou de 50 homens.
Vamos a estas últimas novidades: O
motivo da entrada de Virgolino no cangaço não foi a morte do pai, ocorrida em
1921, já que ele estava envolvido em pequenos grupos de cangaceiros desde 1917;
a morte do pai foi apenas um escudo ético usado por Lampião para justificar-se,
diante da opinião pública, como um homem que fez do cangaço o seu meio de vida
durante 20 anos. (Ler a entrevista dada por Lampião em Juazeiro do Norte – CE,
a 6 de março de 1926).
O uso dos óculos veio após
ferimento no olho, durante um combate. (O Espinho do Quipá – Antonio Amaury
& Vera Ferreira).
Se no ataque a Mossoró o grupo de
bandoleiros tinha mais de 50 homens, como é que ‘seu grupo NUNCA ultrapassou
este número’? Ora, é sabido que Lampião chegou a comandar diretamente mais de
100 cangaceiros e indiretamente mais de 200! Não foi à toa que ele dividiu seu
bando em subgrupos, que a ele rendiam obediência e prestavam-lhe contas; por
exemplo, temos depoimentos dos cangaceiros, ainda vivos,
Candeeiro
Candeeiro (PE) e Vinte
e Cinco (AL), corroborando nossas pesquisas.
João de Sousa Lima e o cangaceiro Vinte e Cinco
Agora, uma novidade bem
‘novidadesinha’. O ator que interpretará Lampião será do sudeste... Imaginem o
‘sotaque nordestino’ que o cabra vem trazendo, heim!
Portanto, continuamos na mesma,
com relação ao cinema cangaço... A maioria não passa de licença poética que não
respeita a História como ela aconteceu. É só esperar pra ver.
(*) Pesquisador e escritor
pertencente ao quadro de sócios do ICOP; de Nova Floresta – PB, radicado em
Mossoró - RN.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com