Por:
Napoleão Tavares Neves
Em 1897,
quando, pressionado pela Congregação do Santo Ofício, o Padre Cícero teve de
deixar Juazeiro dentro de 10 dias, viajando a cavalo para Salgueiro, a nascente
República tremeu de medo do nosso humilde e obediente “Patriarca de Batina”,
temendo que ele fosse para Canudos auxiliar Antônio Conselheiro.
Padre Cícero
Como prova do
que acima afirmei, basta que se leia o apressado telegrama do Governador de
Pernambuco, Correia de Araújo, aos juízes e delegados de Polícia de Salgueiro,
Leopoldina, Granito, Ouricuri e Cabrobó: “Constando Padre Cícero deixou
Juazeiro do Crato procurando Canudos para auxiliar Antônio Conselheiro, vindo
por Água Branca, peço informeis máxima urgência que há de verdade, bem como
qual a distância entre Crato e o rio São Francisco”.
Portanto, o
medo da capacidade de mobilização popular do Padre Cícero fez tremer os
alicerces do Governo naquela conturbada ocasião, quando se misturavam no
cadinho da História, os sonhos republicanos, os boatos sobre Canudos e os
intrincados meandros da complicada “Questão Religiosa” do Juazeiro.
Instalou-se, realmente, o pânico nos arraiais do Governo com medo de um padre
humilde, modesto, pacífico e desarmado que tinha somente o povo a seu
favor.Quando o Padre Cícero estava homiziado em Salgueiro, Pernambuco, o Bispo
de Olinda passou o seguinte telegrama ao Vigário de Salgueiro, Padre João
Carlos Augusto, certamente pressionado pelo Governo que se sentia inseguro com
os trôpegos passos da nascente República: “Padre Cícero está aí? Não posso
aprovar sua responsabilidade qualquer ato mesmo aí. Não tolero pretensão agitar
povo. Responda.” Nas entrelinhas do telegrama em epígrafe, nota-se o medo de
todos de um humilde sacerdote que, desarmado, discriminado e abandonado pela
própria Igreja, só tinha a seu favor a des-comunal força do povo que o seguiria
a um simples estalar de dedo. A capacidade de mobilização popular do Padre
Cícero abalava as bases do próprio Governo. Incrível!
Delmiro
Gouveia
O empresário
cearense, então radicado no Recife, Delmiro Gouveia, tinha interesses
comerciais em Salgueiro e estava intranqüilo com a boataria que cercava a
permanência temporária do Padre Cícero naquela cidade pernambucana. Diante
disto, contatou com o seu representante comercial em Salgueiro e dele recebeu o
seguinte telegrama dizendo da ação conciliadora e até pastoral do Padre Cícero
na terra de Veremundo Soares: “Questões daqui vão tomando caráter pacífico.
Padre Cícero do Juazeiro tem sido incansável. Havia adjacências essa Vila cerca
de trezentos homensem armas. Ele tem conseguido desarmar grande parte e
retrair o resto. É possível em breve tempo entrarmos inteira calma.”.
Efetivamente, durante a sua curta permanência em Salgueiro, o Padre Cícero
conseguiu pacificar as famílias Farias e Maurícios que estavam em pé de guerra.
Entre ambas o choque armado era iminente, mas a salvadora autoridade moral do
Padre Cícero conseguiu desarmar os espíritos. Assim, enquanto o Padre Cícero
pacificava Salgueiro, os boatos diziam que ele arregimentava homens armados
para ajudar Antônio Conselheiro em Canudos. Todos o temiam, apesar da
sua humildade e pacifismo. A imprensa, erradamente, encarregava-se de distorcer
a sua benfazeja ação conciliadora por onde passava. Todos o temiam inclusive a
nascente República que apenas engatinhava. O pânico tomava conta dos bastidores
do Governo, em quase histeria coletiva e o Padre Cícero era o centro das
preocupações. Certamente, foi o Padre Cícero o homem mais perseguido, caluniado
e injustiçado do Brasil! Nem a sua Igreja o poupou!
Napoleão
Tavares Neves
Com medo do
Padre Cícero, medo infundado e inconsequente o Presidente de
Pernambuco, Correia de Araújo, instalou um Pelotão da Polícia Militar em
Salgueiro, como estratégia para barrar a passagem dos romeiros do Juazeiro para
auxiliar Canudos, coisa que nunca passou pela cabeça do nosso “Patriarca de
Batina”. Era o pânico que tomou conta dos bastidores do Governo a partir
de 1892. A situação era confusa: no cadinho das aspirações populares
três fatos importantes dominavam o Nordeste: A República nascente, A Guerra de
Canudos, A Questão Religiosa do Juazeiro com o Padre Cícero no ápice dos boatos.
O sertão ardia em apreensões de toda ordem. E o Padre Cícero via tudo aquilo
espantado, sem saber o que fazer. Anonimamente, usava Salgueiro apenas como
plataforma de espera para a sua viagem a Roma. De Salgueiro mesmo ele
telegrafara ao Papa Leão XIII e arrumava as malas para a grande viagem que
equivaleria, nos dias de hoje, quase que, como uma viagem a lua. Coitado
do Padre Cícero que nada fizera para merecer tanto! Dizia-se que o Padre Cícero
era muito rico, mas ele sequer teve dinheiro para a sua grande viagem, sendo
necessário a ajuda de amigos. Pois bem, tempos depois, o Presidente Correia de
Araújo viu que estava totalmente errado em relação aos seus infundados temores
contra o Padre Cícero e procurou ajudar nas despesas da sua longa viagem a Roma.
Antes tarde do que nunca.
Enquanto isto,
outros erraram contra o Padre Cícero e teimam no seu erro. Neste particular o
radicalismo agrava os erros, enquanto o remédio do tempo mostra que o Padre
Cícero foi o mais injustiçado e o mais perseguido dos brasileiros. Só isto e
nada mais! Somente o tempo poderá sarar tais feridas e o vem fazendo à luz da
História. Este modesto texto se insere neste contexto. O Presidente de
Pernambuco, Correia de Araújo, assombrado com os boatos de que o Padre Cícero
deixara Juazeiro abruptamente para auxiliar Antônio Conselheiro em Canudos,
telegrafou aos juízes Manoel Lima Borges, Olímpio Ronald, Honorato Marinho e
Praxedes Brederodes, de Salgueiro, Leopoldina, Ouricuri e Cabrobó,
respectivamente, com indagações sobre a ação do Padre do Juazeiro nestes
municípios. Era “uma indagação repassada de temor não disfarçado”, segundo
afirma o pesquisador, Dr. Frederico Pernambucano de Melo. Os citados juízes,
por unanimidade, responderam ao Presidente do Estado que nada havia de concreto
na boataria reinante. E assegura ainda Frederico Pernambucano de Melo: “Poucas
vezes a história terá engendrado um mal entendido tão hábil em seu potencial
deletério”.
O Padre
Cícero, sim, deixara Juazeiro contra a sua vontade, humildemente, para cumprir
a ordem da Congregação do Santo Ofício, sob pena de excomunhão. Saiu do
Juazeiro anonimamente e assim permanecia em Salgueiro, somente enquanto
delineava os seus planos para a sofrida viagem a Roma, apenado que fora pelo
Bispo do Ceará, em 1892 e 1896, tudo por conta do chamado “Milagre da
Hóstia", de 1889. Ora, se ainda hoje não se explicou convenientemente o
fenômeno da hóstia, como poderia o velho sacerdote explicá-lo naquela recuada
época, como queria o Bispo do Ceará? Faz-se mister que o presente
corrija as distorções do passado e lute pela esperada reabilitação do
carismático sacerdote tão estigmatizado injustamente. Será a JUSTIÇA DE DEUS NA
VOZ DA HISTÓRIA.
Napoleão
Tavares Neves
Memorialista,
pesquisador, escritor
Conselheiro
Cariri Cangaço
http://cariricangaco.blogspot.com
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