Muitos
casarões, com ricos traços arquitetônicos e dotados de importantes histórias
que versam sobre o surgimento da região do Cariri cearense, estão abandonados.
Junto aos imóveis, rui também a história de um povo
Muitos
casarões da cidade estão em estado de abandono. A Prefeitura estuda o
tombamento destes imóveisFoto: Antonio Rodrigues.
A cidade de
Missão Velha, na região do Cariri, abriga um rico acervo imobiliário que data
de séculos passados. Estudiosos acreditam que as primeiras casas construídas na
Região foram no Município. Imóveis, porém, estão esquecidos.
Quem anda
pelas ruas da cidade de Missão Velha, no Cariri, se depara com inúmeros
casarões que datam os séculos passados. Para além da riqueza arquitetônico que
este imóveis carregam, eles ajudam a contar a história da região. No entanto,
tamanha riqueza está esquecida no tempo. Ao passear pelas vias, é possível ver
o descaso em alguns imóveis. Na esquina entre as ruas Rosalvo Maia e 15 de
Novembro, um deles preocupa os moradores vizinhos. "Há 23 anos está
abandonado. A gente tem medo de desabar e machucar alguém. Aí também aparece
usuários de drogas, bebedeiras. Está um perigo pra gente", conta a
aposentada Maria de Fátima Silva. Um abaixo-assinado foi feito pelos vizinhos
do antigo prédio comercial para que ele fosse demolido. "Se restaurassem,
fizessem alguma coisa, pelo menos seria mais seguro", completa.
De acordo com
o secretário de Cultura de Missão Velha, Moreira Paz, a gestão já pensou em
entrar com processo de tombamento municipal em diversos imóveis, mas até agora
não passou de uma ideia. "Inicialmente, estamos no trabalho de
conscientização. Os donos sabem do valor que têm e o patrimônio que possui, mas
vamos trabalhar o tombamento, que fica mais seguro", afirma. O gestor
acredita que o Município tem entrado, aos poucos, na rota turística do Cariri,
justamente pela preservação de seu patrimônio. Um exemplo de uso destes prédios
acontece na antiga estação ferroviária, reconstruída em 1947, que sedia a Pasta
e a Biblioteca Pública de lá.
Surgimento
No início do
século XVIII, os primeiros homens brancos se estabeleceram no Sul do Ceará.
Inicialmente, ocuparam as proximidades da Cachoeira de Missão Velha, onde
surgiu o aldeamento jesuíta precedente na região. Em 1748, foi criada a
freguesia de Nossa Senhora da Luz dos Cariris, que seria embrião para o
povoamento de Missão Velha. Hoje, com aproximadamente 35 mil habitantes, o
município caririense ainda guarda vestígios da história da região em suas
belezas naturais, na oralidade e em dezenas de casarões históricos que se
mantêm de pé no Centro da cidade e na zona rural.
Entre 1723 e
1727, a seca fez os colonizadores explorarem aquela região, chegando até ao
batizado Sítio Antônio, onde encontraram levadas de águas e nascentes. Lá, no
atual distrito de Missão Nova, foi erguido o primeiro templo católico do
Cariri, a Capela de Santo Antônio, construída em 1725 pelos portugueses. No
Sítio Cachoeira, a então "Missão Velha", no 28 de janeiro de 1748,
foi erguida a Paróquia dos Cariris Novos tendo como padroeira Nossa Senhora da
Luz. Onze anos mais tarde, com o acanhado templo arruinado, o padre Manoel dos
Prazeres de Sousa obteve autorização do bispo de Olinda, dom Francisco Xavier
Aranha, para erguer uma nova igreja que, curiosamente, ganhou um novo
padroeiro: São José. Até hoje, se desconhece os motivos da saída de Nossa
Senhora da Luz. Depois de ser parte de Crato, que era cabeça de comarca, e de
Barbalha, que emancipou-se, apenas em 1864, Missão Velha foi desmembrada.
"A
história daqui não é explorada", lamenta o memorialista Bosco André,
natural do Município, que ano passado publicou o livro "Documentos para a
História de Missão Velha". Para ele, boa parte da memória do Município tem
desaparecido ao longo dos anos. "Aqui é lamentável, porque não existe
interesse do Poder Público em preservar. Nós temos muita coisa. Por exemplo, a
parede atrás do altar-mor de São José é de 1760, todo feito de pedra",
conta.
Valor
histórico
Entre os
patrimônios históricos de Missão Velha há uma casa de pedra, dentro do
Geossítio Cachoeira, território do GeoPark Araripe, que fica a cerca de 5 Km da
sede do Município. Estima-se que este imóvel, construído no século XVIII, seja
um dos primeiros erguidos no Cariri. Documentos inéditos consultados no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal, pelos membros do Instituto
Cultural do Cariri (ICC) indicam um sobrado usado pelos colonizadores.
"Pelas características, creio que seja este imóvel", conta o pesquisador
Roberto Júnior.
A casa de
pedra fica no meio da mata, próximo ao Rio Salgado, no fim de uma trilha de
aproximadamente 1,9 km da cachoeira, na localidade do Sítio Emboscada. Ao seu
redor, há uma espécie de muro também feito de pedras, que deve ter sido
construído para conter a criação de animais. Dentro do imóvel, há seteiras e
camarinhas, indicando que mulheres também viveram naquele local. Há relatos de
que até a década de 1990, o lugar foi habitado.
Uma das
primeiras referências à casa de pedra foi no século XIX, durante a sedição de
Joaquim Pinto Madeira, que marchou até a Vila do Crato e levantou o grito de
rebelião em 1832, após a abdicação de Dom Pedro I ao trono. "Ali, chama-se
'emboscada', porque Pinto Madeira esteve por lá. Houve mesmo uma emboscada,
morreu muita gente", explica Bosco.
Memórias
Além disso, o
imóvel esteve possivelmente na rota de cangaceiros no início do último século.
Apesar da importância, o local não foi tombado e não há, sequer, algum tipo de
vigilância. O trajeto também é pouco explorado.
No Centro,
alguns imóveis resistem ao tempo e trazem importantes memórias para a região.
Dentre os casarões, se destaca a residência construída pelo coronel Izaías
Arruda, primeiro prefeito constitucional do Município. Lá, há uma espécie de
porão onde os historiadores acreditam que os cangaceiros e seu armamento
ficavam escondidos. Inclusive, no local, foram guardadas as armas usadas no
frustrado ataque de Lampião a Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 1927. Muitos
historiadores narram que a invasão à cidade potiguar foi arquitetada em Missão
Velha pelo próprio Izaías Arruda, um dos principais cangaceiros de Lampião.
"Houve notícia de que tinha inaugurado um Banco do Brasil e tinha chegado
400 contos de réis. Um conto de réis dava pra comprar 700 garrotes hoje",
recorda Bosco
Arruda morreu
no dia 8 de agosto de 1928, aos 28 anos, quatro dias após sofrer uma emboscada
a tiros na estação de trem de Aurora, sua cidade natal, pelo seus rivais, os
"Paulinos". Seu casarão permanece bem preservado, inclusive o porão,
que teria sido construído para abrigar os cangaceiros. Outros casarões
importantes se mantêm erguidos na Rua Coronel José Dantas. "Missão Velha
não viveu a especulação imobiliária que viveu Juazeiro do Norte, por exemplo.
Ao redor da Praça Padre Cícero, hoje, praticamente não há nada", compara
Roberto. "Os imóveis falavam muito das cidades. Nas fachadas eram onde
gastavam mais dinheiro, mostrando seu poder. As casas ajudam a entender como
foi todo o processo de estabelecimento e desenvolvimento da cidade",
acredita.
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/regiao/patrimonio-historico-de-missao-velha-ainda-e-pouco-explorado-1.2072953?fbclid=IwAR3QUXrMlVYQN77jO1yEBlYHu-J99ds7IqFWueaMxLPZNd7GDlp7hSTy98E#gallery-10434475-1_2073018-1
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