Por Bruno Iacub
Dois dias
antes da chacina de Guaribas, o jovem Edmundo de Sá Sampaio, corretor da loja
do seu tio, Argemiro Sampaio, em Barbalha, passou na residência de Antônio
Gomes Grangeiro e sentiu a sua preocupação, por ser amigo e vizinho de Chico
Chicote. Edmundo de Sá Sampaio, sentindo aquele clima de medo e apreensão de
Antônio Gomes Grangeiro, sugeriu que ele fosse embora dali. Resposta de Antônio
Gomes Grangeiro a Edmundo Sá Sampaio: “Não posso porque, para onde eu for o
homem vai me buscar”!
Em meados de
fevereiro de 1927, Lampião e seu bando entrou no Cariri cearense por Macapá
(atual Jati), passou pela fazenda Piçarra, onde ouviu as novidades comunicadas
por “Seu Tonho”, relatando movimentos das volantes. Tangenciou Porteiras e
Brejo dos Santos (atual Brejo Santo), subindo a chapada do Araripe totalmente
livre de perseguição, foi visitar a propriedade de Antônio Gomes Grangeiro no
sítio Salvaterra, uma área de 300 hectares situados com cafezal, cana e gado,
localizado na zona serrana do Brejo. Lampião procurou o proprietário, mas este
conseguira fugir ao perceber a aproximação do bando – Antônio Gomes Grangeiro
tinha sido um dos signatários de um abaixo-assinado reclamando providências
contra a insegurança da região. Dona Maria Celina Grangeiro, esposa de Antônio
Gomes Grangeiro, informou que o marido estava viajando e ofertou uma cesta de
mangas para Lampião e seu bando desfrutarem. Virgulino, desconfiado que a
mulher estivesse mentindo, disse:
- Eu sei qui seu Antonho Grangero é amigo de Chico Chicote. Diga a ele, dona,
qui nun precisa tê medo deu, não. Ele pricisa tê coidado é cum “os bonzinho”
qui vem aí atrás...
Isso foi um
aviso...
Subornado pelo
grupo de Sinhô Sebastião Salviano e utilizando da justificativa de vir dar cabo
ao Rei do Cangaço no Cariri, o tenente José Gonçalves Bezerra, um dos maiores
bandidos-autoridades de que já teve notícias no Ceará, saiu de Brejo dos Santos
na madrugada de terça-feira, 1° de fevereiro de 1927, comandando uma volante
com 70 praças, como auxiliar o Sargento-Tenente Veríssimo Alves Gondim e como
guia e agregado à tropa, voluntariamente, João Gomes de Lucena, filho do então
prefeito de Milagres e ex-prefeito de Brejo dos Santos, coronel Manoel Inácio
de Lucena e sobrinho do então prefeito de Brejo dos Santos, Joaquim Inácio de
Lucena, conhecido como Quinco Chicote, além de cabras do coronel Nozinho
Cardoso. A tropa chegou ao sítio Salvaterra antes do amanhecer, cercando o
casarão de Antônio Grangeiro, quando então cometeu os maiores e mais bárbaros
crimes ocorridos no Ceará, sobre o que nem foi aberto inquérito.
O casarão foi
invadido e a seguir, sob a brutal e súbita violência, Antônio Gomes Grangeiro,
seu sobrinho João Grangeiro (Louro Grangeiro) e dois moradores, Aprígio Temóteo
de Barros e Raimundo Madeiro Barros (Mundeiro) foram dominados fisicamente, com
as mãos e pés amarrados com cordas.
Antônio Gomes
Grangeiro era ligado a Chico Chicote por grande amizade. Tanto assim que, em
consequência de forte intriga entre Antônio Gomes Grangeiro e José Franklin
Figueiredo, vulgo José Franco, proveniente duma questão de terra, Chico Chicote
penetrou na casa de José Franco e matou-o barbaramente. José Franco era cunhado
de Sinhô Sebastião Salviano. Daí que Sinhô Sebastião Salviano retirou-se para
Princesa Isabel, na Paraíba, e passou a viver sob a proteção de seu donatário,
o coronel José Pereira Lima (04.12.1884 – 13.11.1949), responsável pela Revolta
de Princesa, em 1930, tendo participação do próprio Sinhô Sebastião Salviano
chefiando um de seus bandos de jagunços.
Feito o
aprisionamento de Antônio Gomes Grangeiro e seus companheiros, a tropa
prosseguiu levando os quatro prisioneiros. Logo adiante, depois de uma
capelinha, havia uma vereda que subia para a chapada do Araripe. Lampião e seu
bando acabara de subir por ali em direção a lagoa da Malhada Funda, entre os
municípios de Missão Velha e Barbalha. Dali ele ouviria o papoco vindo de
Guaribas, no lutuoso dia 1° de fevereiro de 1927.
A volante
prosseguiu para o sítio Guaribas. Ao atingir cerca de dois quilômetros, houve
um "pequeno alto". Nesta ocasião, à retaguarda do grosso da tropa e
devidamente instruído, o cabo João Joaquim de Moura, conhecido como Joaquim da
Conceição, degolou os quatro prisioneiros, cujos cadáveres, num só bloco, foram
incinerados numa fogueira, cobrindo-os com galhos e folhas, previamente
ensopada de álcool. Dona Maria Celina, esposa de Antônio Gomes Grangeiro, viria
a falecer posteriormente durante um parto.
Totalmente
destroçada, a família Grangeiro mudou-se para Fortaleza e São Luiz do Curú e,
no desdobramento dos tempos, aos poucos, como que saindo daquele terrível
pesadelo, João Gomes Grangeiro, um dos onze filhos de Antônio Gomes Grangeiro,
nascido em 1914 e aos doze anos vendo o assassinato do seu pai, tornou-se um
homem de posses, sócio da Usina de Açúcar do Vale do Curú e, posteriormente,
empresário das lojas de material elétrico de Fortaleza, “Eletro Grangeiro”.
João Gomes Grangeiro era um dos filhos da grande vítima de Guaribas. Bafejado
pela sorte na indústria e no comércio, homem trabalhador e equilibrado, tempos
depois voltou a Porteiras e comprou o esquadro de terra onde seu pai foi morto
e ali ergueu um belo mausoléu de mármore, assinalando o local do trucidamento.
As pessoas que
ali transitem, mal sabem que aquele mármore cinzento, dentro do mato, é mais um
marco do arbítrio policialesco do Ceará na década de 20 do século passado,
quando os truculentos chefes de volantes policiais tudo podiam, fazendo
prevalecer o direito da força sobre a força do direito.
Depois da
chacina de Salvaterra, a próxima vítima do tenente José Bezerra, naquele mesmo
dia 1° de fevereiro de 1927, seria Antônio Marrocos de Carvalho, fiscal de
tributos da prefeitura de Jardim, residente no distrito de Macapá.
Após dar água
aos seus animais na lagoa da Malhada Funda, Lampião se dirigiu para a Serra do
Mato, município de Jardim, onde não encontrou o coronel Antônio Joaquim de
Santana, seu maior coiteiro no Cariri, e nem Júlio Pereira, alfaiate em Juazeiro
e notório fornecedor de munição ao seu bando. Lampião ficou irritado, pois dera
viagem perdida. Nem dinheiro, nem munição, quando seu grupo precisava das duas
coisas.
Dali Lampião
seguiria para mais um episódio do Cangaço: O Fogo da Ipueiras dos Xavier.
O Brejo é
Isso!
Gostaríamos de
agradecer a receptividade de Cristiano Grangeiro, parente e atualmente um dos
proprietários do Casarão de Antônio Gomes Grangeiro.
Com
informações obtidas das seguintes fontes bibliográficas:
- Separata da
Revista Itaytera, A Tragédia das Guaribas, Otacílio Anselmo e Silva, Instituto
Cultural do Cariri, 1972;
- Açucar no Sertão, de Mônica Dias Martins, 2008;
- Cariri Cangaço, Coiteiros e Adjacências, Napoleão Tavares Neves, 2009;
- Texto: Chico Chicote – A Tragédia das Guaribas, sem informações sobre o
autor.
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