*Rangel Alves
da Costa
Pensei, pensei
e cheguei à seguinte conclusão: deveria ser sempre dezembro. Mesmo que já não
exista aquela atmosfera melódica ou aquele clima nostálgico, mesmo que as
pessoas já não cultivem e cativem a simbologia do Natal como noutros tempos, e
ainda que as luzes não brilhem mais como antigamente, dezembro deveria estar em
todos os meses do ano, do início ao fim.
Foram-se os
tempos dos presépios preparados ainda ao final de novembro, das manjedouras
acolhendo os pais do menino, dos animais ao redor em singela reverência e dos
reis magos chegando com seus presentes. Foram-se os idos dos cantos natalinos
de harpas angelicais e daquele Luis Bordón sendo ouvido das janelas em
piscadelas multicoloridas. Foram-se os dias dos autos natalinos, dos corais
enternecendo corações e dos presentinhos trocados com afeto e doçura.
Foram-se
aqueles natais. O professor Vilder Santos chega mesmo a chorar recordando do
Carrossel do Tobias dando vivacidade aos festejos na praça. E também na
lembrança viva da cristandade em devoção pelo nascimento do menino e o quanto
de significação havia em cada lar, em cada mesa, em cada reencontro de amigos.
Ora, não há mais folhinha nem calendário como presentinho de final de ano.
Dizem que um carteiro se espantou ao encontrar na sua mochila um cartão
natalino para ser entregue.
Tudo isso
acontecia em dezembro. Mas muito mais. Era no período natalino que as pessoas
mais se humanizavam. Mesmo que para muitos fosse uma época de tristezas pelas
saudades e de aflições pelas solidões, ainda assim as pessoas gostavam de sua
atmosfera entre o melancólico e o festivo. Certamente as recordações aflorando
e as relembranças daqueles de adeuses dados e das ausências pela distância. Por
isso mesmo um tempo de reencontros, de visitas, de abraços, de afetos e amores.
Como é bom
recordar aquele Papai Noel que chegaria trazendo um mundo de coisas boas. Como
é bom relembrar a pujança das esperanças renascidas, dos espíritos fortalecidos
e das almas alentadas pela auréola iluminada daquela representatividade. O
menininho com seu sapatinho na janela, a árvore de natal piscando num canto da
casa, a família se preparando para a ceia. Tanto fazia se mesa pobre, ou mesmo
desnuda de panetone ou qualquer pão, mas tudo alimentado na fé, na crença e na
esperança de um povo.
E hoje, num
mundo de esquecimentos e abandonos, de empobrecimentos cada vez maiores e de
insensibilidades cada vez mais visíveis, o Natal vai perdendo seu sentido de
ser para, em seu lugar, surgir apenas um tempo onde a maioria deseja apenas que
passe logo. Sim, ao invés de celebrar e absorver o espírito natalino, as
pessoas desejam somente que o ano termine logo. Nas desilusões da vida, nas
agonias do dia a dia, parece não haver mais lugar para a contemplação nem o
afeto, apenas desejar que o ano vindouro chegue para espantar os tantos não
conseguidos naquele que se finda.
Mas nem tudo
está perdido. Natal sempre será Natal, ainda que com a feição ou do tamanho que
os corações o desejem acolher. Verdade que não se fala mais em ceias suntuosas,
presentes caros, champanhas importadas ou iguarias estrangeiras, mas as
famílias ainda se reúnem, algumas luzes ainda são avistadas piscando nas
varandas, reflexões e meditações ainda encontram suas razões de ser perante a
manjedoura dos espíritos. Ainda há a lágrima pelo reencontro e um presentinho
de amigo secreto sendo ofertado ao ocultado no sincero coração.
Contudo,
algumas ações, fatos e comportamentos, dizem do imenso desejo de que todo o ano
deveria ser como o mês de dezembro. Somente o fato de fazer com que pessoas
recordem a existência dos seus, que procurem reencontrá-las para um abraço e um
brinde, já possui grande importância em meio às friezas sentimentais da vida.
Somente o fato de se preparar para reunir a família já demonstra que os laços
ainda não estão totalmente desfeitos como se supõe nos demais meses do ano. Os
insensíveis relembram, os distantes sentem saudades, os ausentes desejam
retornar para dizerem como a vida vai.
Os gestos
humanistas, as ações fraternas e os pequenos acenos perante o próximo,
igualmente pontuam com mais intensidade no último mês do ano. Daí que tão bom
seria se durante o ano inteiro as pessoas promovessem campanhas para ajudar os
mais carentes, para presentear criancinhas que dificilmente teriam uma boneca
bonita ou uma bola boa de chutar, para visitar e levar alegria aos enfermos,
aos idosos esquecidos em asilos, aos que se escondem atrás das cortinas por não
terem porta nos barracos.
Infelizmente,
as campanhas natalinas possuem seus momentos de existência. Colhem produtos,
brinquedos e alimentos, distribuem e se dão por realizadas. E depois? Depois
continua o mesmo Natal, pois o Menino Jesus renascendo a cada dia nos corações
humanos. Depois do Natal surge um novo Natal em cada um que deseje iluminar-se
ainda naquela estrela de Belém. Nunca acaba o Natal. E por isso mesmo o ano
inteiro deveria ser sempre dezembro.
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
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