Por Rangel Alves
da Costa*
Não acontece
rotineiramente, mas nas minhas caminhadas tenho encontrado pessoas estranhas,
muitíssimo estranhas. Nesse mundo de hoje, de difíceis convívios, inimizades
mesmo sem ser conhecido, arrogâncias, frieza na alma, deseducação e egoísmos
exacerbados, encontrar indivíduos que fujam de tais características é realmente
difícil de acontecer.
Mas de vez em
quando acontece. Daí que todas essas pessoas logo aparentam ser muito
estranhas, e quase sempre imaginadas como mentalmente afetadas, de pouco juízo
ou portadoras de distúrbios desconhecidos. Aceitemos ou não, basta que alguém
fuja dos padrões socialmente estabelecidos para que se tenha como alienado.
Caminhando em
direção a uma esquina perigosa pela grande movimentação de veículos, ainda
longe avistei alguém levantando a mão para um carro parar e em seguida ajudar
uma senhora idosa na travessia. Achei duplamente estranho, tanto pela atitude
do jovem como pela atenção do motorista, vez que em situações tais a velocidade
do veículo é aumentada ainda mais e quem quiser que ouse passar adiante.
Avistei pessoas passeando pela praça, dialogando com a natureza, sorrindo para os pombos, sentadas ao chão brincando com as folhas mortas, lendo e escrevendo poesias. Que coisa mais estranha, logo imaginei. Num mundo de correia, de afobação, quase sem tempo para olhar por dentro da janela da vida, e aquelas pessoas, jovens e velhos, buscando o silêncio da praça e a paz do entardecer. Desde muito tempo que eu não avistava nada igual. Eu mesmo já havia me esquecido que praça também tem a serventia do encontro consigo mesmo.
Noutros
instantes e noutros lugares, acabei avistando pessoas que eu imaginava nem
existissem mais. Um senhor tirou o chapéu e fez reverência ao passar por uma
senhora. Um rapaz passou com feição alegre, quase sorridente, cumprimentou e
seguiu adiante. Uma mocinha descuidadamente trombou num rapaz e em seguida
pediu mil desculpas. Alguém procurava uma lixeira para depositar um impresso de
propaganda recebido. Outro seguia festivo, cheio de contentamento, cantarolando
baixinho uma velha canção de amor. Só acreditei porque vi. Diante da realidade
nas formas de conviver, sempre cheias de embrutecimentos e brutalidades, pensei
estar em outro lugar e diante de pessoas bem diferentes daquelas que conheço.
Coisa mais
estranha naquelas outras pessoas que fui encontrando. Uma mulher colocou a
roupa no varal, sentou ao lado numa cadeira de balanço, olhou vagarosamente
para o horizonte, derramou duas lágrimas de saudade e depois adormeceu. Um
jovem de flor à mão declamava um poema diante de uma bela donzela enrubescida
na janela. Um ambulante passou levando um carrinho e oferecendo maçã do amor e
algodão doce, e no mote dizia que estava sendo portador de uma pessoa
enamorada. Que coisa mais encantadora, achei. O romantismo em tempos de
angústias é realmente de se admirar. E que pessoas mais estranhas aquelas que
agiam assim.
Eu sempre
avistava uma jovem andando apressada, quase em correria. Depois fiquei sabendo
que ela se apressava assim para visitar pessoas enfermas e proporcionar-lhes
instantes de conforto e carinho. E fazia o mesmo com desconhecidos e enfermos
em lugares distantes. Pessoas que agem assim se tornam muito estranhas diante
de nós. Não porque fazem aquilo que intimamente nos privamos de fazer nem
porque agem com uma brandura e uma espiritualidade que escondemos ou relegamos
ao esquecimento, mas porque encontram tempo para fazer o bem. E fazem.
E quantas e
tantas pessoas encontro fazendo as coisas mais simples da vida e aos meus olhos
parecem tão diferentes e estranhas porque a outra realidade foi cruelmente
impondo outra visão. Ora, num mundo de violências, atrocidades, desunião e
disputas, onde qualquer olhar pode causar um revide brutal, o encontro com
pessoas afáveis e educadas, humildes e singelas, se torna em verdadeira
estranheza. Mas que dera andar por aí e encontrar cada vez mais essas pessoas
tão enlouquecidas de humanismo.
Poeta e
cronista
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