*Rangel Alves
da Costa
Era outono. E
do alto caíram mil folhas secas. Muito estranho que assim acontecesse, pois
naquela árvore secular raramente as folhas caíam e as que desabavam pela
fragilidade outonal eram levadas pela ventania antes de alcançarem o chão.
Mas daquela
vez caíram mil folhas, todas de uma vez, deixando pelo chão um verdadeiro
tapete ocre, acinzentado, ferrugem, esmaecido, naqueles tons tão entristecidos
de outono. Aos olhos dos caminhantes, apenas folhas mortas caídas, assim como
ocorre pelos jardins e canteiros.
Contudo,
aquele que se aproximasse um pouco mais logo se sentiria verdadeiramente
espantado. O que os olhos enxergariam mais pareciam pequenos bilhetes, escritos
em cima das folhas, letras miúdas que precisavam ser colocadas mais próximas ao
olhar para a leitura de sua mensagem.
Mas o que
estava escrito sobre as folhas secas? Mil escritos em mil folhas secas,
cuidadosamente manuscritas por forças desconhecidas, na leveza de linhas
cuidadosamente tracejadas para a eternidade. E diziam, numa após uma:
“O que é a
vida se o vento vem e ao longe leva a própria vida? Farfalhar canções,
murmurejar poemas, esvoaçar contente, para depois sentir o abraço frio e voraz
da ventania. Quando ainda restava a esperança de mais uma estação, eis que do
horizonte surge o chamado e o que tanto era já não é mais”.
“Ninguém é
Senhor de si mesmo. Levanta os olhos e avista a força dos céus, abaixa o olhar
e encontra a terra que a tudo consumirá. E por onde vais levando consigo falsos
brilhos de egoísmos, vaidades, soberbas, presunções e arrogâncias? A salvação
do homem está no próprio homem. E quando ele reconhecer-se na sua fragilidade,
então se terá, enfim, como senhor de si mesmo”.
“Imagina-se a
tristeza e a solidão do pássaro que voa sozinho e faz ninho no lugar mais alto
do monte. Imagina-se a tristeza e a solidão do lobo que sobe à estepe para
uivar seus motivos e suas razões. Imagina-se a tristeza e a solidão no velho
eremita que escolheu a entranha da pedra no alto da montanha para viver os seus
dias. Será que todos estão errados? As escolhas dos seres e dos homens são
formas de validação de suas existências. Melhor a paz da solidão que o
desalento da multidão”.
“A semente
vinga no ventre do chão, nas entranhas da terra. O homem vinga no ventre
materno, nas entranhas doces e confortantes de sua mãe. A semente brota,
cresce, frutifica, enraíza e caminha o seu destino. O homem nasce, cresce,
frutifica e igualmente caminha o seu destino. Do fruto da semente há o grão alimentando
o homem. Do fruto do homem há o homem para semear outras vidas. Todos padecem
quando falta o grão. Todos deveriam padecer quando o homem falta. Mas não. O
homem destrói a si mesmo e à semente humana. Sem grão de viver, apenas o
deserto da existência”.
“Os sábios não
sabem além do homem comum. O filósofo nada medita além do homem comum. O
profeta não profetiza além do homem comum. Reconhecer de modo diferente seria o
mesmo que dizer que o homem comum não possui inteligência, não medita, não
antevê o que possa acontecer pelo mundo. Todos são igualmente sábios, filósofos
e profetas. E mais: é homem comum. E sempre com a segurança de ser muito mais
realista”.
“As formigas
não se vangloriam de seus ofícios, de suas lutas, de seus sacrifícios nem de
suas conquistas. As formigas apenas fazem, e insistentemente fazem. No
silêncio, no passo quase despercebido, eis que vão e voltam, refazem os
caminhos, nunca se cansam de voltar e prosseguir, levar e retornar para buscar
mais. E assim vão construindo seus mundos e suas obras sem alarde e sem
ostentações, como se ensinassem ao homem que é possível construir sem ter de
dizer ao mundo o que faz”.
Estas e tantas
outras lições e sabedorias espalhadas nas folhas secas, ao desvão de tudo e às
cruzes do tempo. Assim também com as sabedorias humanas que despencam da
consciência se o próprio homem não se esquivar das ventanias das vulgaridades e
incoerências.
Escritor
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