*Rangel Alves
da Costa
Assim que
despertei um pouco menos das quatro horas da manhã, logo ouvi um som que há
muito não ouvia pelos sertões: a canção da chuva.
Não acreditei
muito inicialmente, vez que fato tão raro de acontecer som de chuva, que
verdadeiramente faz o sertanejo imaginar que esteja delirando perante sua
chegada.
Pulei da rede
e lancei o olhar adiante, além do portão, e vi não só o asfalto molhado como
avistei os pingos caindo em meio às luzes da rua ainda acesas.
Bastou tal
confirmação e logo me veio à mente os campos secos sendo molhados e o verdor
não demorando a moldurar paisagens tão tristes, feias e definhadas.
Não chovia
forte, em derramados que corressem pelo chão em enxurrada ou que fossem capazes
de juntar água nos tanques rachados de sol, nos barreiros e açudes e pequenas
fontes.
Não descia
água suficiente para não só molhar a terra como a encharcá-la por muitos dias,
sequer fazer o sertanejo sonhar em lançar semente boa sobre a terra prenhe.
Naquele
instante, apenas uma chuva mediana caindo e lavando ruas, telhados, vidas. Com
o chão molhado, certamente a diminuição do calor insuportável que vem fazendo.
Talvez não
haja acordar mais esperançoso ao sertanejo do que aquele na presença da chuva
caindo. Deita rezando para isso aconteça, vive em orações para que assim
aconteça.
Já são quase
cinco anos de seca braba, como se diz por aqui. Em muitos, a certeza de que
nunca houve seca tão duradoura e tão devastadora como essa que ainda continua
nestas distâncias matutas.
Aquele
sertanejo do mato, homem sábio por natureza, ao abrir a porta na madrugada já
sabe ler o livro inteiro da chuvarada. Perante seu olhar, a certeza de apenas
pingos caindo ou a alegria de uma molhação muito mais forte e demorada.
Mesmo que seus
olhos leiam chuvas apenas passageiras, ainda assim se enche de contentamento
pelas consequências de apenas uma chuva fininha no sertão. Ao menos a terra é
molhada e não vai demorar muito para que as paisagens mudem de cor.
No sertão é
assim, seu moço, pois basta uma chuvinha cair e dentro de dois ou três dias o
verdor vai novamente se espalhando onde restava apenas galhagens secas e folhas
mortas, plantas esturricadas e tufos secos de mato.
Certamente que
já estão passando as épocas das trovoadas. O Dia de São José já se foi e
nenhuma gota d’água caiu em muitos rincões sertanejos. Os grãos juntados para
serem jogados a terra tiveram de ser novamente guardados.
A semente não
foi plantada e será mais um mês junino sem milho cozido ou assado, sem canjica
e pamonha. As fogueiras crepitarão solitárias e o homem da terra estará ao
redor do fogo apenas se recordando dos velhos tempos.
Agora, ante a
situação catastrófica de seca, de fome, de sede e de sofrimento, o sertanejo
deseja apenas que o tanque volte a juntar água, que o seu ossudo rebanho não se
definhe de vez, que na sua malhada e adiante uma nova feição de esperança
ressurja.
O tempo do
sertanejo é tempo do Eclesiastes: tempo de esperança. Diante de tudo perdido,
diante de toda dor e de toda angústia, ainda assim a certeza que dias melhores
virão. Hoje ainda a seca, mas amanhã o retorno das trovoadas e as boas-novas
alegrando vidas.
Depois das
quatro da manhã, contudo, os pingos d’água escassearam e se recolheram. A chuva
veio, beijou a terra e voltou com seu aceno de adeus. Quando retornará ninguém
sabe. Ou sabe. A sabedoria sertaneja ensina que algum dia, apenas.
Daqui a pouco
o sol se levanta e a vida sertaneja continuará seu passo. O sertão acordou na
chuva, mas já se faz um tempo de sol, de calor, de campos ainda ressequidos.
Quem dirá um dia inteiro molhado, chuvoso, abençoado.
Mas não. No
sertão é assim. Acorda molhado de chuva e depois padece no ventre o ardor do
braseiro do sol.
Escritor
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