Instrumentista,
produtor musical, compositor e jurado em programas de televisão, Arnaldo
Saccomani veio a falecer no início da madrugada desta quinta-feira, 27.
Arnaldo, já de
muitos anos, sofria de uma diabete muito severa e insuficiência renal.
Trabalhou no
SBT até janeiro passado, como diretor musical das novelas, desde “Véu de Noiva”
até “As Aventuras de Poliana”, participando também de vários programas.
Foi jurado do
“Astros”, “Ídolos”, “Qual é o seu talento?” e, nesses últimos anos, também
participou do quadro “Dez ou Mil”, no “Programa do Ratinho”.
Depois de
trabalhar em algumas rádios de São Paulo, como Antena Um e Jovem Pan 2 na
década de 1990, passou a se dedicar à produção musical, em trabalhos de Tim
Maia, Jane Duboc, Mara Maravilha, Peninha, Placa Luminosa, Rita Lee, Fábio
Junior, Ronnie Von, Angel, Tiririca, Larissa Manoela e vários grupos de pagode.
Arnaldo
completou 71 anos no último dia 24. Faleceu em casa. Deixou esposa e duas
filhas.
O SBT soltou
nota de pesar há poucos minutos .
É com profundo
pesar que o SBT lamenta o falecimento do produtor musical e jurado Arnaldo
Saccomani, de 71 anos, vítima de insuficiência renal. Saccomani estava em seu
sítio, na cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo.
Com uma
carreira vitoriosa de mais de 50 anos na indústria fonográfica, Arnaldo
Saccomani foi responsável pela trajetória musical de grandes cantores, bandas e
conjuntos musicais como Ronnie Von, Tim Maia, Os Mutantes, Fábio Jr e Os
Travessos. Estabeleceu a carreira de Tiririca, intermediou o contrato de
Mamonas Assassinas com a gravadora EMI, e foi responsável pelos grandes
sucessos musicais de Mara Maravilha.
Além de
produtor e compositor, Saccomani atuou como jurado de realities nos últimos
anos, tendo feito parte, no SBT, dos programas Ídolos, Astros e Qual é o Seu
Talento?, onde se destacou com as críticas contundentes, que o levou a fazer
parte do quadro Dez ou Mil, do Programa do Ratinho, onde participava
semanalmente, mas estava afastado por conta do risco da Covid-19.
Arnaldo
Saccomani também foi diretor musical da teledramaturgia do SBT, tendo
participado ativamente da trilha sonora das novelas Carrossel, Chiquititas,
Cúmplices de Um Resgate, Carinha de Anjo e As Aventuras de Poliana.
O compositor deixa a esposa Vera e duas filhas. O SBT presta solidariedade e
deseja que Deus conforte sua família.
O velório
acontece até o meio-dia no Cemitério Memorial Parque Paulista em Embu das
Artes.
O Odisseia Cangaço de
hoje vai falar sobre o cangaceiro Mané Moreno, da família dos Engracias. Vamos
conhecer o local da emboscada da Volante de Odilon Flor de Nazaré ao bando de
Mané Moreno no povoado Palestina. Vamu que vamu! Se increva no canal e fique ligado
no Odisseia Cangaço.
"Previsão de lançamento para 2017". Estudo histórico genealógico sobre as famílias Pereira do Pajeú pernambucano e Feitosa dos Inhamuns no Ceará.
Outra grande obra com a assinatura do Professor Venicio Feitosa Neves que se avizinha, trazendo a história das famílias "Pereira" do Pajeú e "Feitosa" da região dos Inhamuns no Ceará.
Recentemente o Professor Venicio Feitosa Neves lançou o Livro "O PATRIARCA - CRISPIM PEREIRA DE ARAÚJO (IOIÔ MAROTO", um estudo com 712 páginas, focado na saga dos colonizadores, origens das famílias Feitosa dos Inhamuns e Pereiras do Pajeú, coronelismo, biografia e história do patriarca Crispim Pereira de Araújo e narrativas do cangaço.
Dê um pulinho até Cajazeiras na Paraíba e veja se o professor Pereira ainda tem através deste e-mail:
A sede ficava defronte o Tênis Club (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230)
Pedi ao poeta e compositor Remi Bastos, famoso santanense, que me enviasse um seu artigo publicado na Internet: “A Sede dos Artistas e os óculos de Benedito”. O artigo é humorístico, mas tem sua parte séria, um documentário que faltava na história de Santana do Ipanema. Extraí apenas a parte séria e pediria até pelo amor de Deus que o Departamento de Cultura da nossa cidade, acolha essa crônica e a coloque em uma pasta específica e bem identificável da nossa história. É que nada tem escrito sobre aquele tão importante clube santanense. O artigo de Remi torna-se um documento/ testemunho extremamente raro. Resgata a memória apagada de arquivo morto ou que não existe nem morto nem vivo. O prédio já demolido. Afora a parte humorística, vejamos na íntegra o que escreveu Remi:
“Muitos conheceram a Sede dos Artistas, porém, poucos tiveram o prazer de desfrutar dos seus recreios festivos. A sua fundação teve início nos meados da década de 50 e, provavelmente concluída, no entardecer desta mesma década. Artistas, tais como, marceneiros, pedreiros, pintores, sapateiros e alguns comerciantes santanenses, de mãos dadas ergueram aquele prédio na Avenida Prefeito Adeildo Nepomuceno Marques, onde durante muitos anos conseguiu fazer felizes as famílias humildes com as suas programações festivas. Ainda me lembro dos nomes de alguns dos seus fundadores: Oscar Silva, Antônio D’arca, Tributino, Seu Duca, Evilásio, Luiz Benvindo, Antônio Dantas, José Cirilo, o sapateiro Bié, etc. A Sede dos Artistas ficava em frente ao clube social da cidade, Tênis Clube Santanense. Existia um preconceito, quanto ao acesso dos sócios da Sede ao Tênis Clube em dias de festa, sobretudo, durante o carnaval, o que não acontecia o contrário. Naquela época, este último, ostentava o conceito de clube da aristocracia, onde alguns elementos diziam ser a Sede o clube das peniqueiras (empregadas domésticas), o que não tinha procedimento, uma vez que este simples clube era frequentado por famílias decentes, honestas e humildes, ou até mesmo por meia dúzia dos ditos aristocratas”.
*Baseado no artigo de Remi Bastos “a Sede dos Artistas e os Óculos de Benedito.
O tempo passa, a gente vai envelhecendo, de repente já estaremos distanciados demais de nossos antepassados, nossas raízes familiares e de todo o convívio que nos permitiu chegar até onde estamos agora. Mas jamais esquecer.
Ora, não se pode esquecer as lições de um livro bom que sempre pede para ser relido em nossa memória. Página a página, vidas e suas sagas.
Mesmo que às vezes doa, que aflija por dentro pelas recordações, lembranças e nostalgias, ainda assim temos que olhar pra trás e avistar o que há de nós e o que há dos nossos que ainda podem ser avistados. Não nasci agora, não vim ao mundo sozinho.
Sou filho de pessoas que foram gestadas por outras pessoas, e daí um vínculo consanguíneo e familiar que jamais poderá ser negado em nome do esquecimento, da ingratidão ou do tanto faz.
Meu pai Alcino era filho de Dona Emeliana e Seu Ermerindo. Minha mãe Maria do Perpétuo, Dona Peta, era filha de Teotônio Alves China (o China do Poço) e Dona Marieta (Mãeta).
Sou neto deles, sou neto de Seu Ermerindo e Dona Emeliana Marques, e de China do Poço e de Mãeta. E estes também tinham suas raízes, seus berços familiares.
Com isto quero afirmar que minha presença de agora é um reflexo do ontem, do passado distante, do que foi brotado pelos meus até que em mim florescesse a vida.
Por isso não posso enxergar o espelho do presente sem avistar as velhas fotografias molduradas na parede do tempo e do coração. E quanta saudade dá!
Lembro-me, dentre tantas lembranças e nostalgias, dos santos no céu amadeirado do oratório de minha avó Emeliana, de seu gosto pelo Juazeiro do Padim Ciço e de sua voz firme dizendo assim e assim. Romeira, devota, uma sertaneja de rosário de contas e de promessas.
Lembro-me do coração perfumado de meu avô Ermerindo e do seu jeito firme, como a não querer revelar seu sentimentalismo e sua bondade.
Relembro seu armazém, sua mercearia, seus couros, seus fardos de algodão, seu balcão imenso e sua geladeira a gás nos fundos da venda. Lembro sua predileção pelos repentistas nordestinos e o monte de discos que ele trazia a cada romaria.
Meu avô China era um abridor de portas para os muitos amigos que possuía. Não recebeu apenas Lampião e o Padre Artur Passos em sua moradia, mas também comboeiros, andantes, mascates, pessoas que cortavam os sertões poço-redondenses.
Sua vendinha ao lado da casa era mais para prosear com os amigos do que mesmo como meio de sobrevivência, vez que possuindo algumas fazendas e sendo reconhecido como um de posses da pequena povoação.
Minha avó Marieta, Mãeta, vivia para os santos, para as rezas, para as igrejas, para abençoar quem passasse pela sua porta e para avistar o mundo, ali sentadinha ao entardecer em sua calçada.
Em dias de missa, e lá ia ela, toda miudinha, levando livros de rezas e crucifixos, levando sua cadeira de oração e seu xale de renda escura sobre a cabeça.
Meu pai Alcino sempre foi dividido em muitos, o Alcino político, o Alcino amante de seu sertão e o Alcino familiar.
Mas eu gostava mesmo era do Alcino sertanejo, aquele apaixonado pela terra, pelo seu povo, adorador de Tonico e Tinoco, catador de causos e histórias da saga sertaneja, aprendiz de escritor dedilhando em antiga máquina de escrever.
Inesquecível aquele Alcino saindo com sua pequena radiola e discos e indo até o cruzeiro da Praça da Matriz, e aí fazer ecoar pelas noites sertanejas o cancioneiro apaixonado de seu sertão.
Minha mãe Dona Peta, a fina flor do meu coração. Sem outras palavras para descrevê-la, senão aquelas que dizem sobre sua beleza, sua doçura humana, seu indistinto amor.
Costurava, bordava, pintava tecidos, gostava de fazer doces e comidas, possuía uma voz tão bela que os anjos se encantavam quando chegava à igreja.
E eu, eu sou uma parte de tudo isso, uma prenda viva de laços familiares, ou aquele que tudo faz para jamais se afastar daquele jardim de onde floresci.
Por isso que olho no espelho e me avisto em muitos. Não sou apenas Rangel. Sou Rangel de Alcino e de Dona Peta, mas também Rangel de Seu Ermerindo e de Seu China, de Dona Emeliana e Dona Marieta.
Tenho um nome, mas sou aquele que vem do sobrenome.
O estudo do
cangaço tem nos proporcionado momentos extraordinários, descobertas preciosas e
encontros com magníficos personagens...Nesta próxima sexta-feira, eu e o
amigo João
De Sousa Lima estaremos recebendo nos Grandes Encontros Cariri
Cangaço, a doçura, leveza e a incrível historia de nossa Lili
Neli, filha dos "últimos cangaceiros", Moreno e Durvinha.
A
surpresa, o medo, o desafio da descoberta que seus pais haviam sido
cangaceiros do bando de Lampião; as revelações, a nova vida, a nova identidade,
tudo isso e muito mais numa história incrível contada de "dentro pra
fora"...
É NESTA SEXTA , DIA 28 AS 20 HORAS.
Canal do YouTube do Cariri Cangaço.
Localizamos e entrevistamos uma testemunha ocular do duplo homicídio cometido a
mando do ex-policial volante "Mané Velho" ou "Antônio de
Jacó", que participou da luta contra o cangaceirismo no Nordeste e que
teve atuação de destaque no evento que resultou na morte de Lampião e de parte
do seu bando.
Estivemos
presentes no local onde os fatos aconteceram e ouvimos dessa, que talvez seja a
última testemunha ainda viva desse crime, todo o desenrolar da história que
culminou na morte de mãe e filha, ex-esposa e filha de Mané Velho, mortas por
Josafá Marques da Silva, meio-irmão de Mané Velho, ex-cunhado e tio de uma das
vítimas.
Um crime que
teve grande repercussão na opinião pública e que ganhou grande destaque nos
jornais de circulação na época.
O CRIME QUE
ABALOU O BAIRRO DA LIBERDADE.
Assistam e ao
final deixem seus comentários, críticas e sugestões.
Inscrevam-se
no canal e não esqueçam de ativar o sino para receber todas as nossas
atualizações.
Forte
abraço... Cabroeira!
Atenciosamente:
Geraldo
Antônio de Souza Júnior - Criador e administrador do canal.
Revisitando o Caldeirão – Beato José Lourenço é o último “Conselheiro”
Por Tarcísio Marcos Alves (1940 – 2016) – Professor – Autor do livro A Santa Cruz do Deserto: a comunidade igualitária do Caldeirão: 1920-1937.
Fonte – Suplemento Cultural. Estado de Pernambuco. Ano XII. Outubro/Novembro 1997, págs 24 e 25. Imagens – Tok de História
Em 1897, quando as tropas federais destruíram Canudos, o beato José Lourenço Gomes da Silva iniciava, no Sítio Baixa D’Anta, no Juazeiro do Norte — Ceará, a organização de uma comunidade camponesa igualitária que, após, alguns anos, realizara no Sítio Caldeirão, no Crato — Ceará. A experiência realizada pelo beato José Lourenço representou a última tentativa de um beato e seus seguidores de organizar uma comunidade camponesa de cunho religioso nos sertões nordestinos.
Isto porque a política modernizante-autoritária do Estado Novo, aliada às facções fascistas da Igreja Católica, destruíram sistematicamente os movimentos populares — de beatos e cangaceiros — filhos do século XIX; Caldeirão foi devastado em 1937, e, um ano depois, Lampião e seus sequazes foram assassinados pelo capitão João Bezerra, seguido, meses depois, pela dizimação dos restos de beatos que viviam em Pau de Colher, na Bahia, pelo implacável caçador de beatos e cangaceiros Optato Gueiros…
O Estado Novo encerrou assim, para sempre, um ciclo de revoltas populares características do século XIX, que desde então estarão historicamente ultrapassadas.
José Lourenço chegou ao Juazeiro do Norte na época dos “milagres” (1889), quando a aldeia fervilhava de romeiros que afluíam de todas as regiões sertanejas para a terra do Padre Cícero Romão Batista. Duas coisas importantes os atraíam: as terras férteis do Vale do Cariri e a certeza de alcançarem a salvação na cidade do santo milagreiro. O próprio Padre Cícero constatou o fato, ao afirmar que “Juazeiro tem sido um refúgio dos náufragos da vida”. É que para lá iam multidões de miseráveis, refugiados das regiões castigadas pelas secas…
O beato José Lourenço logo se integrou na aldeia e tornou-se penitente. Morou alguns anos no Juazeiro e depois foi com a família viver no sítio Baixa D’Anta. Lá começaram a desenvolver uma experiência de trabalho coletivo com base no mutirão, o que levou a um esboço de organização de uma comunidade camponesa de cunho cooperativista. Mas o que mais marcou a sua vida no sítio e o tornou conhecido na região foi o episódio do boi “Mansinho”. Tratava-se de um garrote que o Padre Cícero ganhara de presente e dera ao beato para criar. Como era um animal pertencente ao Padre Cícero, toda a comunidade dedicava um tratamento especial ao boi. Em pouco tempo surgiram boatos de que o boi “Mansinho” estava fazendo milagres…
Por essa época (cerca de 1920), além das perseguições religiosas contra o Padre Cícero, a imprensa fazia uma feroz campanha contra Floro Bartolomeu. Este passou a ser acusado pelo Deputado Federal Morais e Barros como o “Deputado de bandidos e fanáticos”. Sob pressão, Floro Bartolomeu foi obrigado a agir: mandou prender o beato José Lourenço e matar o boi “santo”.
Solto e humilhado, com fama de “fanático” José Lourenço voltou para o sítio Baixa D’Anta, onde viveu mais alguns anos, quando o proprietário da terra vendeu a propriedade e expulsou-o de lá. O beato passou algum tempo em Juazeiro, onde, pelas suas práticas religiosas, adquiriu fama de “homem santo” e passou a ser tratado como “beato”. Em 1926 retirou-se com algumas famílias para o sítio Caldeirão dos Jesuítas, terra pertencente ao Padre Cícero. O Padre entregou as terras ao beato quando o seu testamento já estava pronto, no qual doara todas as suas propriedades aos Salesianos, inclusive o sítio Caldeirão. Encerrava-se a história do boi “Mansinho” e começava a do beato José Lourenço, que em breve tornar-se-á o beato mais célebre da região do Cariri e liderança indiscutível de uma comunidade camponesa contando com alguns milhares de trabalhadores pobres.
Na comunidade, a experiência vivida expressou-se em uma experimentação concreta da fé, a materialização de uma nova forma de vida: o trabalho tornou-se um meio para a salvação da alma. A principal testemunha dos acontecimentos do Caldeirão, o senhor Henrique Ferreira, recentemente falecido, assim descreve o trabalho como penitência na comunidade do Caldeirão: “É os penitentes, é os pobres penitentes, que todo pobre é penitente. O trabalhador é um pobre penitente! Tá na penitência do trabalho!” Nestas condições, a pobreza da vida tornou-se suportável e até prazerosa. Foi a partir desta perspectiva religiosa – o trabalho como penitência —, que a comunidade camponesa do Caldeirão se organizou.
O sítio era uma pequena propriedade abandonada, com cerca de 900 hectares, do outro lado da Serra do Araripe, distante vinte quilômetros do Crato. Encravado entre serras e morros, de acesso extremamente difícil, era lugar ideal para o isolamento. Lá instalados, o beato e seus seguidores deram início aos trabalhos de limpeza dos matos e construções e reparos de cercas. Construíram a casa do beato e as primeiras e pequenas casas de taipa e, como a terra era seca, iniciaram também a construção de pequenas barragens nos grotões e socavões dos morros, garantindo assim razoável abastecimento de água para as épocas de secas. Nas terras altas deu-se início a plantação de algodão, milho e feijão. Nas terras baixas, irrigadas por processos primitivos, plantou-se cana-de-açúcar e arroz. Pequena engenhoca levantada nas imediações do pequeno povoado passou a produzir rapadura, batidas e melaço suficientes para o sustento da comunidade. Construíram ainda a casa de farinha e produziam sabão, a partir de uma planta nativa da região, conhecida por “pingui”. Em pouco tempo, o que era uma terra deserta e abandonada transformou-se em um pequeno arraial.
Nessa fase inicial, a comunidade trabalhava basicamente na agricultura e na construção de casas em mutirão para os novos moradores. Cada nova família que lá chegava era bem recebida, e os que já viviam no sítio construíam logo a nova moradia; alastraram-se as casinhas a partir do sopé dos morros, formando, gradativamente, um cinturão em redor da pequena planície onde floresciam as primeiras plantações. A divisão do trabalho era simples: os homens trabalhavam na limpeza dos terrenos, na construção de casas, de caminhos, cercas e na agricultura, enquanto as mulheres, além dos trabalhos caseiros, carregavam água para molhar as plantas, ajudadas pelas crianças maiores. O problema da água será resolvido definitivamente através da construção de dois açudes.
O beato estava sempre à frente de todos os trabalhos e tudo era feito sob a sua orientação. Trabalhava-se das seis da manhã às seis da noite, sob o ritmo dos benditos, puxados pelo beato… A incrível capacidade de trabalho e liderança do beato é atestada por todos, inclusive por aqueles que não nutriam simpatia por ele, como é o caso do tenente Góis de Barros – que comandou a invasão e destruição do sítio em 1936 —, que afirmou espantado em seu Relatório: “Aliás, faça-se justiça, o espetáculo de organização e rendimento do trabalho, com que nos deparamos ali, era verdadeiramente edificante”. Toda a produção e consumo eram controlados por Isaías, espécie de “ministro do planejamento e da economia” da comunidade. Os produtos eram armazenados em celeiros e redistribuídos de acordo com as necessidades de cada família.
Não circulava dinheiro na comunidade e a organização social era rígida, dentro de padrões de uma religiosidade quase ascética. Outras pessoas ajudavam o beato José Lourenço na administração da vida da comunidade, destacando-se o papel exercido por Severino Tavares, que, apesar não viver no sítio, exercia o papel de “aliciador” de romeiros para visitar a comunidade. Seu trabalho como divulgador da vida no Caldeirão muito contribuiu para o aumento da população do sítio, pois muitas pessoas que iam apenas conhecer o beato lá permaneciam…
Com o crescimento populacional do sítio diversificaram-se as atividades produtivas. No meio de tantos trabalhadores que chegavam ao Caldeirão, encontravam-se profissionais das mais diversas especialidades. Organizaram-se então as primeiras oficinas, passando-se a fabricar os mais diversos instrumentos de trabalho e utensílios domésticos. Em pouco tempo a comunidade produzia praticamente tudo o que necessitava para a sua sobrevivência. Apenas o sal e o querosene, assim como remédios, eram comprados pelo beato, com o dinheiro que arrecadava com a venda de rapadura e algodão.
Paralelamente desenvolveu-se a criação de animais, bovinos, caprinos e suínos, além das mais diversas espécies de galináceos. Através deste quadro sintético da organização econômica e social da comunidade do sítio Caldeirão, fácil é perceber que ela formava um vivo contraste em relação à situação dos trabalhadores dos latifúndios do Sertão. Ali reinava a fartura, fruto do trabalho intenso de milhares de pessoas em mutirão – a população do sítio alcançou na fase mais populosa, cerca de duas mil pessoas —, o que duplicava a produtividade do trabalho, fazendo com que os celeiros estivessem sempre cheios. Foi esta fantástica organização do trabalho visando a plena satisfação das necessidades fundamentais da comunidade — que se tornou praticamente autossuficientes —, que caracterizou a experiência realizada no sítio Caldeirão pelo beato José Lourenço, e que o transformou em uma ilha de fartura em meio à miséria reinante no Sertão da época. Era uma comunidade pobre, evidentemente, mas bem alimentada material e espiritualmente. A religiosidade popular, que perpassava todos os atos cotidianos da comunidade, tornava suportável a penitência do trabalho e fácil a vida…
As reservas de víveres permitiram que a comunidade sobrevivesse à grande seca de 1932, apesar de o número de habitantes do sítio ter sido acrescido de cerca de 500 pessoas no período. É que o beato abriu as portas do sítio para receber todos os flagelados da seca que lá quisessem entrar e permanecer!
Após a morte do Padre Cícero, em 1934 — época em que os habitantes do Caldeirão passaram a se vestir todos de preto, em luto perpétuo pelo “santo” do Juazeiro —, grande parte dos romeiros que iam a Juazeiro visitar o túmulo do Patriarca fazia questão de ir ao Caldeirão pedir a bênção ao beato José Lourenço. Isto se devia ao fato de José Lourenço representar o único sobrevivente dos “santos” do Juazeiro.
Os romeiros ao visitarem a comunidade contribuíam com o desenvolvimento econômico do sítio, pois levavam valiosos presentes, que iam desde cargas de alimentos, animais a até objetos preciosos. Entretanto, a morte de Padre Cícero – amigo e protetor do beato -, anunciava também as tempestades que se avizinhavam. O crescimento constante da popularidade do beato, aliado à prosperidade crescente do sítio, despertou a atenção das elites políticas e religiosas do Crato.
Os jornais iniciaram a campanha contra o beato e sua comunidade. O artigo intitulado “Os fanáticos do Caldeirão”, publicado no jornal “O Povo”, afirmava, entre outras coisas: “Dois malandros do Ceará, José Lourenço e Severino Tavares, andam explorando no Vale do Cariri a memória do Padre Cícero.”’ Para a hierarquia católica, o Caldeirão parecia representar uma ameaça: o beato poderia tornar-se um novo “santo” como o Padre Cícero… E, nesse caso, com o agravante de estar fora do controle da Igreja: seria um novo Antônio Conselheiro!…
Assim, alarmados, os proprietários vizinhos e as elites políticas e religiosas atacavam sistematicamente o beato e sua comunidade: “Setores conservadores ligados à política regional, insuflados pelos proprietários de terras e do clero, encarregam-se de espalhar boatos sobre o beato José Lourenço e os habitantes do Caldeirão. Diziam que o beato oficiava sacramentos reservados ao clero de forma bárbara e sacrílega, que vivia em concubinato com as beatas, possuindo harém de 16 mulheres, que explorava a ignorância e o fanatismo dos camponeses, usando a sua força de trabalho para enriquecer”.
Era, enfim, a orquestração de uma formidável avalanche de inverdades — como a de que o beato, então com 65 anos, tivesse capacidade sexual de manter um harém com 16 concubinas! —, com o objetivo de destruir a experiência comunitária do Caldeirão, que, além de atrair trabalhadores de todas as partes, “as relações de produção e consumo tendiam abertamente para o comunismo”, na expressão do Tenente Góis de Barros…
Os padres salesianos, herdeiros das terras do Padre Cícero, decidem tomar o sítio sem indenizar o beato pelos benefícios lá realizados. Para isto, contratam o advogado Norões Milfont, deputado da Liga Eleitoral Católica — LEC (de cunho fascista), que passa a defender a causa dos mesmos. O advogado passa a divulgar que o Caldeirão era uma nova Canudos, que o beato José Lourenço possuía armas escondidas e que a comunidade representava uma séria ameaça ao Estado, por ser de franca tendência comunista…
A hierarquia católica confirma: “Nos sermões, os padres falam do perigo do ajuntamento de fanáticos e da infiltração de agentes vermelhos a serviço do totalitarismo ateu. Os boatos chegam aos ouvidos das autoridades estaduais.”’ Era, enfim, a união da Igreja, do Estado e das elites políticas e latifundiárias contra a comunidade camponesa igualitária do sítio Caldeirão… O advogado dos salesianos, Norões Milfont, não se limitou a espalhar boatos denegrindo a comunidade; para provar suas denúncias e incriminar ainda mais o beato e seus seguidores, enviou um espião ao Caldeirão. A escolha feita, por si só, revela as intenções subjacentes ao ato: decidiu-se enviar “um dos maiores bandidos-autoridade de que se teve notícias no Ceará”, na expressão de Optato Gueiros.
Era o Capitão José Gonçalves Bezerra, conhecido na região como um implacável caçador de cangaceiros, sendo, na verdade, um deles, só que escondido por trás da farda policial. Escolhido o espião, as autoridades iniciaram as investigações. O tenente José Góis de Campos Barros encarregou-se de comandar a destruição, que descreveu depois no seu “Relatório”. Nele afirma que o número de habitantes do Caldeirão havia tomado tamanho vulto que as autoridades locais alertaram o Capitão Cordeiro Neto, Chefe de Polícia, de “certos fatos singulares, que ali estavam passando”.
Para esclarecer os “fatos”, foi ao sítio o Capitão José Bezerra, disfarçado em industrial interessado nas possibilidades econômicas da região, em relação à indústria de oiticica. Admitido na residência do beato, o Capitão Bezerra tudo observou, especialmente as riquezas acumuladas no sítio, fruto do trabalho sistemático da comunidade, o que logo lhe despertou o interesse…
No seu relatório, refere-se à existência de “uma nova Canudos, coito de fanáticos e do terrível perigo comunista,”’ e conclui solicitando urgente intervenção.
Depois das investigações realizadas pelo Capitão José Bezerra, o interventor e Governador do Estado, Menezes Pimentel, reuniu o advogado dos salesianos Norões Milfont, O Bispo do Crato, Dom Francisco de Assis Pires, Andrade Furtado, Martins Rodrigues, O Capitão Cordeiro Neto, Chefe de Polícia e o Delegado do DEOPS, o tenente José Góis de Campos Barros. Com exceção dos dois militares, todos os outros pertenciam à LEC. Decidiu-se pela intervenção. O Tenente José Góis de Campos Barros comandou a expedição, no mês de setembro de 1936.
O beato José Lourenço conseguiu fugir, escondendo-se na Serra do Araripe, acompanhado de algumas famílias. Em meio a todo tipo de violência, inclusive estupros, os militares atearam fogo em todas as casas, expulsaram os moradores, destruíram e saquearam o sítio…
O Tenente José Góis, em seu relato, diz que após juntar todos os habitantes, explicou a eles para que viera: acabar com a comunidade, porque “o Estado não podia permitir aquele ajuntamento perigoso”. As ordens eram que cada família juntasse seus pertences e voltasse para os seus locais de origem. Ofereceu passagens de trem e de navio, que foram unanimemente rejeitadas: “E, fato singular, ninguém tinha bens a conduzir. Tudo o que ali estava, diziam, era de todos, mas não tinha dono”.
O beato José Lourenço continuou por algum tempo refugiado na Serra do Araripe. Severino Tavares e seu filho Eleutério foram presos em Fortaleza. A imprensa da época calculou que, após a destruição do sítio, pelo menos mil pessoas foram juntar-se ao beato José Lourenço, na Serra. Entrementes, Severino Tavares e seu filho foram soltos da prisão e dirigiram-se para Serra do Araripe. Enquanto o beato José Lourenço ganhava tempo para iniciar negociações visando voltar para o sítio, Severino Tavares planejava vinganças… (Afirma-se que uma das moças estupradas pelo Capitão Bezerra era sua filha…)
Os jornais começam a publicar notícias alarmantes, informando que os beatos ameaçavam invadir fazendas e a feira do Crato. Segue uma patrulha comandada pelo Capitão José Bezerra para debelar os “fanáticos”. Severino Tavares montou uma emboscada com alguns seguidores e, em luta corpo a corpo com a patrulha, morreram o Capitão, um filho seu e o próprio Severino Tavares, além de outros soldados e camponeses.
Seguiu-se o bombardeio na Serra, quando três aviões, comandados pelo Capitão José Macedo, autorizado pelo Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, conduzindo bombas, metralhadoras e grande quantidade de munições, metralharam e bombardearam os agrupamentos de camponeses oriundos do Caldeirão…
Por terra, atacavam as forças policiais. O Capitão Cordeiro Neto avaliou a chacina em cerca de duzentos mortos, enquanto outras fontes orais afirmam que o número de mortes teria atingido uma cifra bem maior: entre setecentas a mil pessoas…
O beato José Lourenço escapou do bombardeio na Serra. Após muitas negociações, conseguiu voltar ao sítio Caldeirão, em 1938. Lá passou mais dois anos, trabalhando e reconstruindo o sítio, junto com poucas famílias de camponeses — o acordo não permitia mais “ajuntamentos”.
Em 1938, quando já reorganizara a produção no sítio, foi novamente expulso pelos salesianos. Na ocasião, o Sr. Júlio Macedo conseguiu junto ao Juiz de Direito do Crato a devolução do dinheiro que fora entregue ao Juizado por ocasião do leilão do que restara dos bens do sítio após a destruição e saque do mesmo.
De posse de pequena quantia, o beato ainda conseguiu adquirir uma pequena propriedade no município de Exu, em Pernambuco. Lá, no sítio que denominou de União, o beato, acompanhado de umas poucas famílias, viveu em paz durante oito anos. Morreu no dia 12 de fevereiro de 1946, vitimado pela peste bubônica…
Seu corpo foi transportado através da Chapada do Araripe pelos seus fiéis seguidores, até o Juazeiro…
O que o beato não sabia era a recepção que o seu corpo teria da Igreja: levado para uma capela onde seria realizada a missa de corpo presente, o padre, na última condenação da Igreja ao beato, negou-se a cumprir o ritual…
NOTAS
1 — CAVA, Ralph Della. Milagre em Juazeiro. Rio de Janeiro-RJ, Paz e Terra, 1976, pág. 122
2 — Henrique Ferreira, entrevista ao autor, 12/07/1983
3 — CARIRY, Rosemberg. O Beato José Lourenço e o Caldeirão de Santa Cruz. In Revista Itaytera, Crato – CE, n°26, pp. 189-199-1982
4 — BARROS, Ten. José Góis de Campos, A Ordem dos Penitentes. Imprensa Oficial, Fortaleza – CE, 1937, pág. 31.
5 – Jomal “O Povo” – Fortaleza – CE, 02/03/1935
6 — Jornal “O Povo” — Fortaleza — CE, 02/03/1935
7 — CARIRY, Rosemberg, in op. cit., pág. 195
8 — GUEIROS, Optato. Lampeão: Memória de um oficial ex-comandante de forças volantes. Recife – PE, 1952, pág. 252.
9 – ANSELMO, Otacílio. “Tragédia de Guaribas”. In. Revista Itaytera., n° 25,1972, pág. 13. 10 – BARROS, Ten. José Góis de Campos. In op. cit., pág. 30.