Anésia Cauaçu,
a Maria Bonita do Cangaço Sertanejo de Jequié
Cangaceiros,
jagunços, salteadores, clavinoteiros e pistoleiros marcaram presença na
História de Jequié. Os Cauaçus deixaram por estas plagas uma saga de crimes e
de sangue, mais tarde transformada em ABC, cujas estrofes, nos dias de feira,
eram cantadas, ao som da viola, pelos cegos e pedintes.
José Rufino,
Eduvirgens, Marcelino, Tertuliano e Olímpio Cauaçu, os primeiros por simples
vingança e os dois últimos por dinheiro também, trouxeram intranquilidade a
toda a região com os crimes que perpetraram, muito embora, a seu modo,
preservassem os preceitos que foram o código de honra do jagunço. Certa feita,
por exemplo, o negociante Antônio Gondim Filho deu uma paulada no pai dos
Cauaçus, sem que nada lhe acontecesse, já que os filhos lhe deram razão.
Como é de
praxe na história do banditismo, os Cauaçus foram durante muitos anos modestos
comerciantes, com pequenas fazendas de gado, espalhadas pelos municípios de
Jequié, Ituaçu, Amargosa, Brumado e Boa nova. Viviam pacatamente até o dia em
que um dos seus familiares, conhecido como Augusto, negou-se a acompanhar
Zezinho dos Laços, para quem trabalhava, quando este se dispunha a reencetar a
luta contra os mocós. Para sua perdição, o atrevimento da recusa foi
acompanhado da alegação de que as relações entre os Cauaçus e os Gondins eram
das melhores.
Poucos dias
depois, no terreiro de sua casa, Augusto era assassinado por um cabra de Zezinho,
conhecido como Tavares, enquanto Miguel Preto, outro jagunço, procurava dar
cabo de Félix Cauaçu. Através de terceiros, Marcelino Cauaçu exigiu de Zezinho
a entrega do criminoso, obtendo como resposta a assertiva de que idêntico fim
estaria reservado a quem tentasse enterrar o cadáver de Augusto. Chamado pela
mãe da vítima, José Cauaçu deixou o Fedegoso para, 18 dias depois, sepultar o
primo, juntamente com Marcelino e quatro homens de confiança que trouxe em sua
companhia. Isto posto, reunidos em conselho de família, os Cauaçus escolheram
José para seu chefe, declarando guerra aberta a Zezinho dos Laços e seus
capangas.
Uma vez
convertidos em bandoleiros, os Cauaçus, em sinal de luto, passaram a usar
lenços pretos em torno do pescoço, cujas pontas eram introduzidas num argolão,
à altura do esterno. Contrastavam, assim, com os rabudos de
Marcionílio Sousa, que ostentavam lenços vermelhos ao pescoço e na ponta das
repetições.
A luta entre
as duas facções se tornou acirrada, mormente quando José, Marcelino e alguns
camaradas mataram Zezinho na Fazenda Rochedo, propriedade de Cândido Meira. Em
troca, Cassiano do Areão, Tranquilino de Souza e Marcionílio Sousa, irmão,
filho e cunhado de Zezinho, respectivamente, passaram a perseguir e matar
membros da família Cauaçus e do bando de cangaceiros que acompanhava o grupo,
já agora protegidos pelo chefe mocó Bernardino das Caraíbas.
Constantino José Fernandes, um ancião de 80 anos, pai de Marcelino, foi morto
por Vitoriano em Pau Ferro, o mesmo acontecendo ao próprio Marcelino, quatro
meses depois.
A partir daí,
os Cauaçus se entregaram de corpo e alma ao cangaço. Contratados por quatro
famílias tradicionais de Jequié, a troco de onze contos de réis, dos quais só
receberam quatro, Tertuliano e Olímpio mataram Gabriel Rodrigues de Lemos,
fazendeiro rude e destemido, conhecido por Gabriel Grande, na Fazenda São João.
Os fatos
ocorridos no “Morrinho da Matança”, em Curral Novo (onde os Cauaçus eram
torturados e mortos a golpes de sabre para gáudio da soldadesca, chamados de
milicos ou macacos pelos bandoleiros) eram retratados pelo jornalista Silva
Viana, nas edições do jornal A Tarde do mês de outubro de 1916.
Os encontros e
tiroteios entre os Cauaçus e os rabudos, estes últimos comandados por
Tranquilino, filho de Marcionílio Sousa, tanto em Jequié como em Curral Novo,
foram se tornando cada vez mais intensos, gerando um clima de medo que se
estendeu por toda região.
A fim combater
esta situação, durante o segundo semestre de 1916, Álvaro Covas, secretário da
Segurança Pública, chegou a mandar para Jequié nada menos de 240 soldados, não
se incluindo neste total os oficiais. Dentre eles se encontravam o
tenente-coronel Paulo bispo, o o tenente Simões, o alferes Francisco Gomes, os
sargentos Lucas, Etelvino, Malaquias, Manuel Pedro e Esmeraldo Castro.
Acossados pela
volante policial, os Cauaçus, em número de cem, ofereceram combates em Jequié,
Curral Novo, Brumado e localidades outras, tendo o seu chefe, José Cauaçu,
alvejado pelo sargento Etelvino, falecido a 30 de julho de 1916, depois de oito
dias de agonia, carregado nas costas de seu povo. Os bandoleiros se internaram,
então, no interior de Minas Gerais, enquanto Idalina, viúva de José Cauaçu,
passava à condição de amante do tenente-coronel Paulo Bispo.
Em junho de
1917, já reorganizados, os Cauaçus voltaram a Jequié, sedentos de vingança,
tendo o sobrado da firma Roberto Grillo & Cia., alojado o juiz de
direito, o promotor público e cerca de 400 pessoas que ali se entrincheiraram.
A cidade foi
submetida a um tiroteio que durou 24 horas, quando os reforços trazidos pelo
capitão Mota Coelho determinaram a debandada dos sitiantes. Naquele mesmo ano,
apoiados por alguns chefes políticos ligados à facção governista, os Cauaçus
invadiram os municípios de Itacaré, Itabuna e Ilhéus, Sequeiro do Espinho,
Itapira e Barra Central foram saqueados, ficando o arraial de Pancada
completamente despovoado.
A 7 de
dezembro, pressionados pela força pública, tornaram a se internar em Minas
Gerais. A 2 de janeiro de 1919 voltaram a saquear Sequeiro do Espinho,
empreendendo incursões em Taboquinhas, Prado, Belmonte e Lençóis, onde levaram
a melhor sobre as tropas da polícia, dispersando-se em seguida. De Jequié foram
definitivamente escorraçados com a repressão de João da Mota Coelho, oficial da
polícia militar, nomeado delegado de Jequié. Mota Coelho morreu depois de
deixar a delegacia de Jequié, na cidade de Lençóis, ao oferecer combate a
Horácio de Matos, que fez questão de homenageá-lo, dando-lhe um enterro
condigno pela sua bravura e coragem. O governo do Estado também lhe prestou
homenagens póstumas. Jequié, por sua vez, mudou o nome da Rua da Esperança
(onde ficava a cadeia) para Rua Mota Coelho.
A história de
Anésia Cauaçu virou romance e até filme
Bem diferente
de Idalina era Anésia Adelaide de Araújo Cauaçu, filha de Rufino, irmã de José,
casada com Alonso, uma espécie de musa e até mesmo de heroína do cangaço na
região, mais conhecida como Anésia Cauaçu, proprietária de uma venda no Alto do
maracujá, mais tarde transferida para a Rua Alves Pereira. Anésia foi a
primeira mulher no sertão baiano de Jequié a ingressar no cangaço (antecedendo
mulheres como Maria Bonita, Dadá e Lídia), a liderar um bando de cangaceiros, a
montar de frente já que as mulheres de sua época montavam de lado em uma sela
denominada silhão e a vestir calças compridas (as mulheres do período em ela
viveu apenas usavam vestidos e saias) nos momentos de combate para facilitar o
enfrentamento de jagunços dos coronéis e das tropas policiais.
Guardadas as
devidas e naturais proporções ela bem pode ser comparada a Maria Bonita, a diva
de Lampião. Era branca, de olhos azuis, bons dentes, alta e delgada, que fumava
cachimbo, tomava suas pingas, sem que ninguém ousasse faltar-lhe com o respeito.
Manejava as armas de fogo com maestria e um apontaria invulgar. Certa feita, do
Alto do Maracujá, decepou com um tiro o dedo indicador do sargento Etelvino, a
uma distância de cem metros, quando o mesmo apontava para seus comandados o
local a ser atacado.
Anésia Cauaçu,
à maneira de Maria Bonita, Dadá e tantas outras mulheres que participaram do
cangaço, foi um exemplo vivo, em terras jequieense, da sertaneja valente e
disposta que amadurece cedo para o trabalho e, quando necessário, não hesita em
pegar no “pau furado”, em defesa de seus princípios. Num de seus acesos de
luta, despedia-se do esposo Alonso para ajudar os tios e irmãos nos combates
contra a volante policial.
Depois de mil
e uma aventuras, Anésia, seu marido e um filho de cinco anos homiziaram-se numa
fazenda em Itajuru, nos idos de 1916, cujo proprietário, Isaías Galvão, devia
favores aos Cauaçus. Confiou demais. Em troca de trezentos mil réis, o
fazendeiro os entregou ao coronel da polícia militar Paulo Bispo.
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