Depois de onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste, entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas.
Lamento que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé.
O autor José Bezerra Lima Irmão
Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião, o maior guerrilheiro das Américas.
Analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda.
Os fatos são narrados na sequência natural do tempo, muitas vezes dia a dia, semana a semana, mês a mês.
Destaca os principais precursores de Lampião. Conta a infância e juventude de um típico garoto do sertão chamado Virgulino, filho de almocreve, que as circunstâncias do tempo e do meio empurraram para o cangaço.
Lampião iniciou sua vida de cangaceiro por motivos de vingança, mas com o tempo se tornou um cangaceiro profissional – raposa matreira que durante quase vinte anos, por méritos próprios ou por incompetência dos governos, percorreu as veredas poeirentas das caatingas do Nordeste, ludibriando caçadores de sete Estados. O autor aceita e agradece suas críticas, correções, comentários e sugestões:
Prestes a
completar 79 anos da morte de Virgulino Ferreira, o Lampião, sua figura e seus
crimes ainda causam revolta e medo no sertão. Encerrando uma sequência de
matérias e artigos sobre o Rei do Cangaço, mostramos agora dois depoimentos de
sertanejas, cujas famílias viviam assombradas.
Uma delas, aos
87 anos, nascida em Jeremoabo, até hoje teme represálias dos bandidos. Nascida
em Jeremoabo, em uma família influente, considera Lampião “um infeliz que só
fazia o mal”, pede para não ser identificada. Vale lembrar que Jeremoabo era a
terra do coronel João Sá, um dos principais coiteiros de Virgulino.
Em suas
lembranças, histórias de crimes pavorosos, o julgamento do cangaceiro Labareda
e o dia em que sua tia foi retida por dois bandoleiros.
O outro
depoimento é de Elisangela Maria, de Ribeira do Amparo. Ela conta como os pais
de seu avô reagiram ao saber que Lampião estava próximo. A reação inusitada
mostra como as pessoas sofriam no sertão só de ouvir falar o nome do
cangaceiro.
E.O, 87 ANOS,
DE JEREMOABO
“Eu era
menina. A cidade vivia apavorada, todo mundo estava assombrado. Lampião e seu
bando passaram pela Fazenda Almêcega e exigiu muito dinheiro do proprietário,
Manoel Salina, ameaçando-o arrancar a língua dele se não recebesse o que
queria. Manoel pagou e mandou avisar Jeremoabo que o cangaceiro estava próximo.
Tempos depois,
Lampião voltou e pediu mais dinheiro. Seu Manoel não tinha toda a quantia e foi
ameaçado de morte com a família. Resolveu vir para Jeremoabo (a fazenda
Almêcega ficava a 18 km da cidade e tinha um grande contingente de volantes)
depois que Ângelo Roque, o Labareda, cangaceiro nascido aqui na região, avisou
que era melhor todo mundo sair porque seu chefe ia matar a todos.
Passou um
tempo e Manoel, em dificuldades financeiras, reuniu cinco filhos, três
sobrinhos e quatro vizinhos para colher a mandioca de suas terras rapidamente.
Alguém avisou Lampião. Esse bandido foi na fazenda e matou cinco pessoas,
diante de seu Manoel.
Um dos filhos,
que estava no telhado, ao ver a família ser assassinada fugiu pelo mato e foi
até Jeremoabo pedir ajuda. Duas filhas do fazendeiro também escaparam.
Lampião ainda
mata três vizinhos de Manoel. Terminada a chacina, manda atear fogo em tudo o
que ali existia. Pega Salina e corta suas orelhas, castra-o, arranca-lhe unhas,
lhe fura os olhos e segue com ele para a casa de seu outro filho, o vaqueiro
Ulisses, em uma fazenda próxima. Lá, mata o rapaz e Manoel, que tem o coração
arrancado e deixado ao lado do corpo.
Lampião era um
bandido, miserável, que desassossegou todo mundo, esbagaçou com tudo. Passou
pela Bahia em 1928 e ficou dez anos “infernando”. Se alguém tivesse que viajar,
rezava pedindo para São João para voltar a salvo.
Um infeliz
desse no sertão só fazia o mal. Na minha opinião, um bandido miserável que
destruiu muita coisa, destruiu famílias, propriedades, gado lindo.
Meu avô
contava que o coronel Pedro não seguiu os caprichos de Lampião e ele tocou fogo
no curral com o gado dentro. Gostei quando a família não deixou botar um
busto desse bandido na cidade.
Quando eu era
menina, ficávamos com o coração na mão quando minha tia saía para trabalhar
fora do município. Um dia, ela encontrou dois bandidos, um era filho de Várzea
da Ema, o Balão, o outro era o Moita Brava.
Meu avô vinha
com ela. Os cangaceiros pararam os dois, apontando fuzis. Fiscalizaram tudo,
repararam no cabelo dela e disseram que quem tinha mulher devia mostrar logo e
não tentar esconder. Os dois ficaram apavorados. Só depois de um tempo foram
liberados.
Tempos depois
Labareda se entregou e fomos ver o júri dele. Só crime horroroso, muita
miséria, ninguém aguentou ficar ouvido aquilo.
Lampião era um
infeliz, um cão. Ele e a tropa dele”
Mulher marcada
a ferro no rosto por cangaceiro
ELISANGELA
MARIA, 38, DE RIBEIRA DO AMPARO
“Meu avô era
um cabra valente, mas certa noite em meio a tantas conversas e prosas miúdas no
terreiro da casa, sob uma esteira de tábua velha, eu tão pequenina e curiosa
ouvi dele: “Minha filha, me escondi da tirania desse homem (Lampião).
Na realidade
meu “pai avô” viveu até os 93 anos. Ele é meu amor eterno, o maior sertanejo
que conheci. Matou minha fome no cabo da enxada e me contava suas histórias.
Ele nasceu no
povoado de Várzea Salgada, em Ribeira do Amparo (BA). Eu, Elisangela, venho de
dois lados. Os Canuto, por parte de minha mãe avó, estavam presentes em
Canudos. Os da parte de meu pai avô foram os que se esconderam de Lampião. Sou
valente de um lado e do outro, frouxa.
Meu pai avô
contou diversas vezes que seus país, nesse caso meus bisavós, cavaram uma
espécie de bunker (abrigo) e cobriram com palhas de licuri seca, após ouvirem
relatos de terceiros que Lampião se aproximava daquela redondeza.
Meus bisavós e
os filhos pequenos, um total de nove, ficaram escondidos por quinze dias
comendo batata assada e melancias, arrancadas das plantações próximas ao
esconderijo. A água era adquirida nas copas do gravatá, uma bromélia silvestre
que dá no sertão – eu até já bebi dela nas catas dos cambuís (fruta nativa dos
tabuleiros baianos, utilizada no tratamento de herpes, brotoeja, cólicas e
diarreias) que dá nesse lugar.
Anúncio
de recompensa por Lampião
Eles ficaram
neste esconderijo até que o meu velho bisavô foi averiguar e ouviu de um
conhecido que Lampião já havia passado. Deixaram a toca e tocaram a vida,
normalmente.
Minha bisa
faleceu quando eu tinha um ano de vida, isso foi em 1979. Dizem que ela ainda
me colocou no colo. O meu bisavô foi primeiro, antes de eu nascer. Meu pai avô
morreu em 2015, dois meses depois dele apreciar meu enlace matrimonial.
Cantei para
ele no seu leito de morte e ele sorriu para mim como sempre. Nasceu na roça e
faleceu na roça, no hospital da região, pois ele tinha receio da cidade grande.
Tudo o que sou
devo a eles e ao sertão baiano que me fez mais humana. Se tiver um pedaço de
charque, compartilha-se com todos; um vaqueiro não descansa antes de juntar sua
boiada; se tiver um caju, um maturi, você não joga galho para tirar o fruto
maduro em respeito ao maturi que ainda brota. Coisas simples, mas que me servem
até o dia de hoje.
Obrigado foi o
que disse a meu pai avô e vos digo também, como ele me ensinou.
Obrigado por
se lembrar do sertão meu, seu, de Euclides e de quem chegar.
O sertão é
assim, vai além de céu estrelado e das caçadas em noites de lua cheia. O sertao
vai comigo até onde eu for nesse mundo de meu Deus”
Jornalista, 57
anos, traz no sangue a mistura de carioca com português. Em 1998, após
trabalhar em alguns dos principais jornais, assessorias e sites do país, foi
para o Ceará e descobriu um novo mundo. Há dez anos trabalha na Bahia, mas suas
andanças não param. Formou comunicadores populares nas favelas do Rio e treinou
jornalistas em Moçambique, na África. Conhece 14 países e quase todos os
estados brasileiros. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de
jornalismo investigativo.
Bichins, se vocês mexerim cum a minha quirida rainha Maria Bonita e cum a mina cabruera irão passá pelo meu punhá e meu mosquetão. Duvido pestis, vocêis bulirim cum eles. Eu quero qui si torne manchete nacioná e no mundo intêro quando eu fizé vingança.
Copie, mas respeite os direitos autorais. Ponha o nome do
autor e a fonte pesquisada.
Clerisvaldo Braga das Chagas, 26 de dezembro de 2014
Crônica Nº 1.332
Foto: (savoirfairessa.blog).
No antigo sertão nordestino predominavam os chapéus de couro, de palha e o de baeta, massa ou feltro. Este era usado, principalmente, pelo pessoal mais abastado e da cidade. O couro, pelos mais pobres ligados à pecuária e a palha, pelos da agricultura.
Hoje a matéria-prima usada no chapéu de palha, é diversificada, como a palha da cana e do milho. Quero me referir, contudo, aos chapéus de palhas feitos da palha do coqueiro ouricuri. Confeccionados por mulheres que trabalhavam sentadas no chão da casa de barro batido, usando pouquíssimas e simples ferramentas. Suas comercializações aconteciam nas feiras livres, ao lado de vassouras e abanos também de palhas.
O chapéu de palha sempre foi desvalorizado, levando junto o seu usuário. Porém, diante do sol inclemente sertanejo, para caminhadas e para uso no roçado, nada pagava a proteção desse tipo de chapéu. Ele não esquenta nunca, mesmo diante do sol mais quente do mundo. É igual à água de cabaça, quanto mais alta a temperatura mais é fria. O negócio é que não pode levar chuva. Nas feiras os emboladores de pandeiros à mão, se desafiavam:
Cabra de chapéu de couro
Quem não pode com besouro
Não assanha mangangá...
O outro respondia o desafio, atacando também:
Cabra do chapéu de “paia”
Como vai tua “canaia”
Já deixasse de roubar?
O chapéu de palha, nos últimos anos, vem sendo substituído pelo boné. Mas a muito que se dizia ao encontrar um cabra com chapéu desse tipo: “Homem de boné, ou corno ou chofer”.
Quem vai desaparecendo é o coqueiro ouricuri, matéria-prima do chapéu, fruto do desmatamento.
Mesmo assim o chapéu de palha de vários formatos atinge seu alto grau de popularidade com os romeiros do padre Cícero, em Juazeiro do Norte, quando acontece a famosa bênção do chapéu.
A pessoa vive de corpo aberto, e sempre aberto ao mal, assim diz a crendice popular, principalmente pela voz de curandeiros, rezadores, benzedeiras, iniciados e cultuadores das ervas, das raízes, das pedras e do sobrenatural. E tão aberto é o corpo que a pessoa pode, sem saber, deixar que todo mal entre por sua porta sem que se dê conta do perigo.
Segundo dizem, um simples vento chegado em hora errada pode ocasionar desde o entortamento da boca até a morte inesperada. Basta um mau olhado para que tudo comece a desandar. Basta um descuido na fé ou na crença para que se veja tomada por atrasos e enfermidades. Por isso mesmo tão necessário fechar o corpo para que o mal dele não se apodere e transforme a força em um nada.
Mas como fechar o corpo ante os perigos do mundo, perante a maldade humana, diante dos acasos negativos da vida, quando na presença do desconhecido? Segundo diz a sabedoria matuta, há muitas maneiras de colocar cadeado na porta do corpo e impedir que o mal a tudo ameace ou tome conta. A pessoa pode se valer da reza, do benzimento, da oração forte, do chá encantado, da infusão milagrosa, do toque da pedra miraculosa sobre o corpo, do segredo jamais revelado pelos iniciados.
Não negam, contudo, que o principal cadeado da alma está na fé, na sagrada devoção, na obediência aos ensinamentos, no respeito a Deus, aos anjos e santos. Dificilmente um mal avança por uma porta de fé. Não há passagem do mal para quem vive protegido por Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem um céu no oratório, para quem faz da igreja um lar e a religião como relicário maior. Nenhum vento mal entra pela boca que ora nem se aproxima de uma vela acesa. Ainda assim não descartam outras formas de fechar o corpo.
No terreiro, no quarto escuro, no quintal, por cima do tamborete, em quaisquer destes lugares há um cenário ideal para o ritual tanto da reza, do afastamento dos malefícios da alma e da cura de enfermidades, como para o fechamento do corpo. Mãos, palavras, toques, olhares, folhas, raízes, junção de objetos pessoais e até encantamentos, tudo serve para que o cadeado da proteção se entrelace ao indivíduo. E quando bem feito não há mal que consiga romper o segredo.
Pelos sertões ainda existe essa força. Os antigos não abdicaram de sua sabedoria de cura e proteção. No passado havia uma verdadeira profusão de rezadores, curandeiros, iniciados e trancadores de cadeados. Uma gente que mesmo distante fazia uma serpente ficar aprisionada na beira da estrada. Uma gente que prendia uma caça na loca em que ela estivesse. Uma gente que olhava no olho do outro e dizia o mal que lhe estava acometendo. Uma gente que passava um ramo sobre a cabeça do fragilizado e logo este se sentia refeito na vida. Uma gente que murmurava algumas palavras e verdadeiros milagres aconteciam.
Da boca e das mãos da sabedoria antiga, e ainda cultuada por muitos lugares, surgindo verdadeiras lições. E certamente dizendo que não se deve colocar o pé adiante da porta sem antes fazer o sinal da cruz. Não há risco maior que abrir a porta quando a ventania parece ter voz. Perigoso demais entrar numa curva da estrada sem se benzer e sem pedir permissão aos santos. Em rastro desconhecido não se pisa, evite passar onde a coruja está e o canto do Rasga-Mortalha parece chamar.
Deve-se sempre evitar os quebrantos e as moléstias do ar. Um chá forte purifica a alma, mas nada como se valer da velha sabedoria. Um banho de sal grosso, um rosário bento dormido na lua cheia, uma peça de roupa lavada em água corrente de riacho, uma folha milagrosa colocada detrás da orelha, um dente de veado levado no bolso, uma lasca de madeira de cruz, um frasquinho de água benta no bolso. Mas, e acima de tudo, não deixar que o corpo se veja à mercê do tempo ruim. Vento ruim é igual a punhal de ponta afiada, é pior que muita coisa que fere e faz sangrar, e assim porque sua ferida maior não se mostra enquanto definha e até dizima a pessoa.
Há, pois, em cima desse chão e embaixo dessa lua, toda uma visão ritualística para, através do fechamento do corpo, da cura de enfermidades e do soerguimento daqueles já desvalidos, uma demonstração de que a sabedoria popular sempre serviu como medicina da crença e como remédio para os males. E, muitas vezes, nem é preciso rezar ou benzer, passar chá ou qualquer infusão, bastando que as mãos, as bocas e os olhares operem milagres. E estes acreditados pelo próprio povo, cuja cura nasce da própria crença.
Como dizia o Velho da Serra, gente de corpo aberto é ninguém. Mas também não se fecha aquilo que não acredita na proteção. Não adianta levar um rosário de cabeça de alho sobre o corpo se a pessoa não reconhece o seu poder de afastamento de todo o mal. E, por via de dúvidas, é melhor se benzer agora. Um vento ruim pode estar caçando uma brecha.
Como já foi bastante comentado, devido as sérias perseguições contra a família de Virgulino Ferreira da Silva, seguido do assassinato do seu pai pela ação desastrosa de um grupo de policiais alagoanos no lugar Matinha de Água Branca, em 9 de junho de 1920, fez com que ele e seus irmãos Antônio e Livino, se transformem definitivamente em cangaceiros.
Os irmãos Ferreiras se juntam ao bando conhecido como Porcinos e depois, em agosto de 1920, passaram a servir sob as ordens do chefe cangaceiro Sebastião Pereira, o conhecido Sinhô Pereira. Em meio às ações junto com Sinhô, Virgulino recebe a alcunha de Lampião.
A ligação de amizade entre Sinhô e Lampião vai ocasionar, em outubro de 1922, a morte de um importante comerciante chamado Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz, da cidade de Belmonte (atual São José do Belmonte), no sertão pernambucano. Este caso, um dos mais emblemáticos do período em que parte do Nordeste foi flagelado pela figura do temido cangaceiro Lampião, teve uma grande repercussão.
Muito já foi comentado sobre este episódio, mas no Arquivo Público do Estado de Pernambuco, nas amareladas páginas dos antigos jornais, foi possível encontrar novas informações.
Uma Interessante Carta
No domingo, 11 de março de 1923, foi publicada no jornal recifense “A Província”, uma grande carta vinda da cidade de Belmonte, cujo autor se intitulou “Um Assignante”. Neste volumoso documento ele narra pormenorizadamente o conflito ocorrido na sua cidade em outubro do ano anterior, que culminou na morte do comerciante Gonzaga.
Em maio de 1922, segundo o autor da missiva publicada no periódico, se encontrava em Belmonte a volante policial Pernambucana, comandada pelo tenente Cardim. Esta volante estava a caça do grupo de cangaceiros de Sinhô Pereira e tinham informações que estes se encontravam no lugar “Olho D’água”, uma serra próximo a fronteira do Ceará e da Paraíba.
Para alcançar seu objetivo o tenente Cardim solicitou apoio de uma volante da polícia cearense, que teria em torno de sessenta membros, cujo autor da carta não declina o nome do comandante, mas afirma que este era “um antigo cangaceiro”.
Consta que Cardim desejava realizar um cerco contando com o apoio dos cearenses. Mas o comandante desta volante não participou da ação policial e, pior, saiu a praticar toda sorte de atrocidades contra a população, principalmente terríveis surras. Este fato assustou toda a comunidade e alertou o bando de Sinhô Pereira que desapareceu na caatinga. A carta afirmava que Cardim se encontrou com seu colega cearense, dispensou seu apoio, mas antes passou uma ríspida descompostura no seu comandante pela ação dos seus soldados.
Evidentemente insatisfeito com a reprimenda, com a frustrada ação policial no estado vizinho ao Ceará, onde a sua marca principal era a tortura em larga escala na busca de informações, o tenente cearense buscava alguma compensação. Consta que o militar recebeu uma informação sobre um possível coiteiro e parente de Sinhô Pereira e, para não “perder a viagem”, no caminho de volta para casa fez uma “visitinha” a esta pessoa e sua família. A propriedade era conhecida como Cristóvão, pertencia a Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Ioiô Maroto, um homem pacato e que vivia longe de complicações, apesar de ser membro da família de Sinhô Pereira.[1]
Segundo comenta a tradição oral da região , e que conseguimos apurar em nossa visita a Belmonte em 2008, o mínimo que posso dizer em relação à visita da volante cearense ao pobre do Ioiô Maroto foi que “o cacete comeu”. Sobrou até para sua já vetusta mulher e suas filhas. Consta que um policial negro, conhecido como “Uberaba”, teria praticado contra as mulheres “toda sorte de misérias e imoralidades, entre a risadaria de todos, inclusive do tenente que achava em tudo muito espirito”.[2]
Depois do ocorrido, segundo a versão publicada no jornal de 1923, consta que Ioiô Maroto soube que o oficial da polícia cearense esteve na cidade de Belmonte, onde se arranchou na casa de seu compadre e amigo, o comerciante Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz. Foi informado ao fazendeiro ultrajado que Gonzaga declinou ao perverso tenente que Ioiô Maroto era parente de Sinhô Pereira.
O autor da carta publicada no jornal, por razões óbvias, não declinou o nome do militar, mas se sabe que ele era o tenente Peregrino de Albuquerque Montenegro.[3]
Versões
Em seu livro “O Canto do Acauã” (2011, pág. 157), a pesquisadora Marilourdes Ferraz dá outra versão para o caso. Ela afirma que o tenente Montenegro recebeu uma carta, onde havia uma denúncia contra Ioiô Maroto, informando ser ele um coiteiro de cangaceiros. Segundo afirma a autora de “O Canto do Acauã”, a dita carta foi falsamente atribuída ao comerciante de Belmonte. Por saber de qual família vinha Maroto, Gonzaga correu a afirmar ao fazendeiro que não tinha culpa neste caso.
Já autora de “As Táticas de Guerra dos Cangaceiros”, Maria Christina Russi da Matta Machado (1969, pág. 73), não afirma que Ioiô Maroto e Gonzaga eram amigos e nem compadres, mas que os dois tinham uma desavença antiga. A autora aponta, sem detalhar nada, que o problema entre os dois “foi coisa sem importância” e que Ioiô Maroto não imaginava que Gonzaga aguardasse a oportunidade de “liquidar as contas”, lhe denunciando a volante cearense que lhe desonrou em sua própria casa.
Já João Gomes de Lira, autor de “Memórias de um Soldado de Volante” (1990, págs. 77 e 78) tem outra versão. Segundo este antigo membro de volantes que perseguiu cangaceiros, Ioiô Maroto residia em um lugar chamado “Queimada Grande” e durante a surra aplicada pelos militares cearenses, soube da boca do próprio tenente Montenegro que foi o comerciante Gonzaga a pessoa que lhe havia denunciado.
Mas é a própria Marilourdes Ferraz que aponta duas ocorrências, que mostram uma possível solução deste pequeno mistério.
A primeira razão teria ocorrido em maio de 1922, quando foi saqueada por Sinhô Pereira e seu bando, composto inclusive de Lampião e seus irmãos, uma carga de tecidos de Gonzaga que era transportada para Rio Branco, atual Arcoverde. Parte da carga foi distribuída entre os bandidos e o resto eles atearam fogo.
A outra razão seria o fato que, depois desta ocorrência, Gonzaga começou a atender as exigências dos cangaceiros que viviam pela região. O comerciante, para se ver livre desta corja de malfeitores, entregava mercadorias e dinheiro. Entretanto, em uma ocasião em que estava ausente, consta que sua esposa, a Senhora Martina, tratou muito rispidamente o portador da mensagem dos bandoleiros. Diante dos episódios ocorridos, a autora afirma que Gonzaga contratou homens para a sua proteção, de sua família, de seus negócios e de suas propriedades.[4]
A notícia da desatenção da esposa de Gonzaga e do fato dele contratar homens para sua proteção chegou aos chefes dos cangaceiros causando insatisfação. Estes guardavam muito rancor de quem não lhes atendia seus pedidos e de quem tomava estas atitudes de defesa.
Sabendo destes fatos narrados em “O Canto do Acauã” e lendo o teor do material publicado no jornal recifense “A Província”, em 11 de março de 1923, ao cruzarmos as informações, podemos facilmente deduzir que Gonzaga estando com homens armados para lhe proteger e com o comandante da volante cearense arranchado em sua casa, se sentiu seguro para relatar ao tenente Montenegro os problemas que acontecia consigo e a ligação de parentesco entre Ioiô Maroto e Sinhô Pereira.
Depois do fracasso da atuação de sua volante em Pernambuco, da reprimenda do tenente Cardim, não é difícil imaginar que o tenente Montenegro deduziu que fazer uma visita ao parente de Sinhô Pereira poderia lhe trazer alguma vantagem. [5]
Evidente que isso é apenas uma dedução e nada impede que a triste sina de muitas pessoas de “botarem lenha na fogueira”, possa ter desencadeado tudo que ocorreu depois.
Lampião Chefe de Bando
No meio de toda esta história, enquanto Ioiô Maroto tentava curar suas feridas e Gonzaga se preocupava com seu futuro, no dia 4 de junho de 1922, no sítio Feijão, zona rural do município pernambucano de Belmonte, próximo a fronteira do Ceará, Sinhô Pereira informou ao membros do seu bando, que em breve vai entregar o comando a Lampião.
Apesar de ter menos de 27 anos de idade, Sinhô alegou problemas de saúde para a sua decisão e que seguia um apelo do mítico Padre Cícero Romão Batista, da cidade de Juazeiro, Ceará, que havia lhe pedido para deixar esta vida e ir embora para o sul do país.[6]
Vinte e dois dias depois de receber a notícia que a passagem de comando está próximo, Lampião efetivamente já é chefe de grupo. Neste momento começa a imprimir sua horrenda marca pelo Nordeste e vai se tornar o maior cangaceiro do Brasil.
Na edição de 29 de junho de 1922, do jornal “Diário de Alagoas”, afirma que “Cangaceiros, em numeroso bando assaltaram a cidade de Água Branca, penetrando na residência da Baronesa”.
Esta era a octogenária Joana de Siqueira Torres, viúva do Barão do Império Joaquim Antônio de Siqueira Torres. Os cangaceiros chegaram de madrugada entraram pelos fundos do casarão e roubaram o que puderam. Apesar de ocorrer uma resistência das pessoas do lugar, eles escaparam ilesos.
No dia 1 de julhos este periódico alagoano informou através de “viajantes vindos do sertão”, que os esforços da polícia para prender os assaltantes foram nulos.[7]
Lampião segue para Pernambuco, feliz pelo resultado do saque. Em uma tarde, junto com seus companheiros de rapinagem, dançaram xaxado e cantaram a mítica melodia “Mulher Rendeira” embaixo de uma quixabeira no centro do povoado de Nazaré e o fato foi presenciado por Manuel de Souza Ferraz, o conhecido Manuel Flor. Este se transformaria em um dos maiores perseguidores de Lampião.[8]
Finalmente, no dia 22 de agosto de 1922, Sinhô Pereira parte da fazenda Caraúbas, perto do lugar Bom Nome, em Pernambuco, para o estado de Goiás.[9]
Mas antes de partir, Pereira pediu a Lampião que fosse a Belmonte resolver a desfeita sofrida por seu parente Ioiô Maroto. Lampião certamente possuía uma dívida de gratidão com Sinhô Pereira, por tudo que ele havia lhe ensinado em meios as andanças pelas caatingas e jamais iria lhe negar esta solicitação. Além do mais, ele sabia que Gonzaga tinha dinheiro e isto era o que realmente lhe interessava.
Gonzaga não Acreditou no Vaqueiro
Marilourdes Ferraz informa que Ioiô Maroto agiu de forma dissimulada e buscou a paz com seu amigo e compadre, que diante desta atitude decidiu dispensar seus guarda costas.[10]
A carta do misterioso “Um Assignante”, publicada no domingo, 11 de março de 1923, dá um informação que se aproxima da versão de “O Canto do Acauã”. Consta que diante da surra em Ioiô Maroto, o comerciante Gonzaga começou a se desfazer de seus negócios em Belmonte, seguindo com a família para a cidade pernambucana de Bom Conselho. Então o próprio Ioiô Maroto teria escrito uma carta a Gonzaga, afirmando que não iria lhe fazer retaliações, que “era seu compadre e amigo”, que a amizade “voltaria a ser o que era”. A carta de “Um Assignante” afirma que Ioiô pediu então, certamente como prova de boa vontade, para Gonzaga dispensar os seis rapazes armados que ficavam em sua casa.
O jornal afirma que às dez da noite do dia 19 de agosto de 1922, um vaqueiro de Gonzaga conhecido como “Manoel Pilet”, foi a sua casa e afirmou ter visto muitos cangaceiros na propriedade “Cristóvão” de Ioiô Maroto, mas Gonzaga não acreditou. O vaqueiro chegou a se oferecer para fazer companhia e proteger o patrão em sua casa na cidade de Belmonte, mas Gonzaga recusou.
No livro “Serrote Preto”, de Rodrigues de Carvalho (1961. Págs, 157 a 161), o autor comenta que certa noite, provavelmente um ou dois dias antes da manhã de 20 de outubro, Lampião e seu bando chegaram a propriedade de Ioiô Maroto, prontos para resolverem a questão. Rodrigues de Carvalho afirma que o parente de Sinhô Pereira não queria mais a vingança e que seguiu com Lampião praticamente obrigado.[12]
Já a carta publicada no jornal “A Província”, comenta que nesta época a cidade de Belmonte era guarnecida pelo sargento José Alencar de Carvalho Pires e mais 10 praças. Havia uma ordem que, no caso de serem ouvidos disparos, os comandados do sargento Alencar deveriam ir para o pequeno aquartelamento policial para serem tomadas as medidas de defesa[13].
Depois de uma noite de muita chuva, que facilitou o ataque dos cangaceiros, as quatro da manhã do dia 20 de outubro de 1922, uma sexta feira, foram ouvidos tiros espaçados e depois a fuzilaria aumentou. Nesta manhã o sargento Alencar se achava adoentado na casa do seu sogro, o coronel João Lopes, irmão de Gonzaga. Mesmo assim Alencar saiu a rua e disparou contra os cangaceiros “cerca de 40 tiros” e foi para o pequeno quartel para dar ordens ao seu pessoal. Mas no lugar, ao invés dos 10 militares só estavam os praças Manoel Rodrigues de Carvalho, José Francisco e José Oliveira.
A cidade entrou em polvorosa. Pessoas buscavam refúgio em baixo dos poucos móveis existentes nas suas casas. Muitos correram para o mato, deixando tudo para trás e saindo apenas com os familiares e a roupa do corpo.
Em pouco tempo chegaram para defender a urbe os soldados Severino Eleutério da Silva e Heleno Tavares de Freitas. Este último foi logo alvejado e morto.[14]
Após isso o sargento Alencar distribuiu a munição e saiu a rua acompanhado dos soldados Manoel Rodrigues de Carvalho e José Oliveira. Ele deixou um soldado na casa do coronel João Lopes e outro na casa do escrivão Manoel Medeiros. O militar posicionado na casa do escrivão tinha ordens de abrir fogo contra o prédio do açougue, onde estava alojado um grande número de cangaceiros, pois o sargento Alencar iria atacar o açougue pela retaguarda. A fuzilaria era cerrada e desigual, pois a cidade era defendida, segundo afirma o jornal, por apenas 6 militares, uns poucos civis, contra 65 cangaceiros.[15]
Os militares que estavam no quartel, mesmo cercados, mataram Antônio Pereira da Silva, conhecido vulgarmente como “Antônio da Cachoeira” e primo de Ioiô Maroto e Sinhô Pereira.[16]
Pessoas da localidade participavam da defesa. Entre estes estavam Manuel Gomes de Sá, conhecido como Manuel Justino e seu filho João Gomes de Sá, que foi ferido. Um cangaceiro alcunhado “Baliza”, vendo este cidadão em apuros pulou o muro de sua casa disposto a matá-lo. A ajuda veio de Dona Luzia Gomes, esposa de João Gomes, que municiou o rifle e animou o esposo para a luta. João Gomes matou “Baliza” com um tiro no peito.
Outro que pegou em armas foi o cidadão Luís Mariano, que junto com outros disparava contra a corja de bandidos de dentro do curral de Tertuliano Donato.[17]
Consta que o sargento Alencar expulsou os cangaceiros do açougue e de uma janela deste estabelecimento comercial, gritava palavras de apoio a Gonzaga e mandava bala contra os cangaceiros. O sargento imaginava que Gonzaga estava resistindo dentro de sua casa. Mas aí, segundo está textualmente descrito no jornal, o próprio Lampião gritou “-Eu levo daqui um comboio de fazenda; eu vou ficar rico!…”. Deixando entender que a situação do comerciante não era das melhores.
Alencar percebeu que a única maneira de expulsar os cangaceiros seria atacar pela retaguarda da casa de Gonzaga. Mesmo com poucos homens e a munição acabando, ele seguiu para o local e abriu fogo contra a “cabroeira”.
De dentro da casa eram ouvidos gritos de euforia e de pavor. Dona Martina, a mulher de Gonzaga, suas filhas e outras mulheres que estavam no interior gritavam pedindo proteção aos céus. Quando estive em Belmonte me narraram que um cangaceiro chamado José Tertuliano, conhecido como Zé Terto, e possuindo o vulgo de “Cajueiro”, protegeu as mulheres da família de Gonzaga da sanha de seus companheiros, empurrando-as para dentro de uma dispensa.
Ainda dentro da casa os cangaceiros gritavam de euforia, parecendo que haviam alcançado a vitória desejada. Mas para o sargento Alencar e parte do seu valoroso destacamento, o que importava era entrar na residência e expulsar aquela corja para longe de sua cidade. A tática deu certo. Era perto das oito da manhã e depois de um fogo intenso o bando de Lampião saiu de Belmonte cantando a “Mulher Rendeira”.[18]
Provavelmente ao entrar na casa do comerciante, o sargento Alencar entendeu o porquê dos cangaceiros e Ioiô Maroto irem embora cantando.
Saldo do Ataque
Gonzaga Ferraz jazia morto na sala existente logo na entrada. Estava envolto em panos, onde certamente os atacantes iriam atear fogo no falecido e consequentemente na casa.[19]
Ele teria tentado se defender da turba que buscava invadir o local pela porta dos fundos. Havia chegado a atirar com o que tinha, mas diante da desvantagem empreendeu fuga indo para o grande sótão. Ao tentar se esconder, ou buscar fuga utilizando uma janela, ele despencou na sala e teria morrido da queda, ou então sido chacinado pelos cangaceiros.
O certo foi que Ioiô Maroto, mesmo ferido levemente, alcançou sua pretendida vingança. Já Lampião e seus homens roubaram o que puderam do comerciante. Para o “Rei do Cangaço” o produto do butim que mais lhe chamou atenção foi a aliança de Gonzaga.
O saldo para o povo de Belmonte, além da morte de Gonzaga e do soldado Heleno Tavares de Freitas, foi a morte de um civil, que “A Província” chama apenas como “um velhinho” e que se achava na porta de sua casa quando foi alvejado. Já o jornal “Diário de Pernambuco”, transcrevendo um telegrama enviado pelo delegado Manuel Guedes ao então Chefe de Polícia, Desembargador Silva Rêgo, dá conta que o civil morto se chamava Joaquim Gomes de Lyra. [20]
Entre os defensores de Belmonte feridos, além do citado João Gomes de Sá, o próprio sargento Alencar estava com um ferimento leve, em decorrência de ter tido sua arma destroçada por um balaço dos cangaceiros. O jornal “A Província” de 1923 dá conta que depois de encerrado o tiroteio, cinco pessoas da cidade vieram “participar da defesa”, ajudando a transportar o “corpo” do sargento Alencar. Como este não estava morto, provavelmente desfalecido devido ao seu ferimento de natureza leve, se levantou e passou a maior descompostura naqueles que só ajudavam “carregando os defuntos”.[21]
Além de “Antônio da Cachoeira” e “Baliza”, os cangaceiros aparentemente tiveram um terceiro homem mortalmente alvejado pelos defensores da cidade. As fontes apontam que poderia ser um antigo membro do grupo de Sinhô Pereira, de alcunha “Pilão”, ou um cangaceiro conhecido como “Berdo”.[22]
Já as fontes apontam sempre de forma controversa, que o número de feridos entre os atacantes chegou a até cinco homens e os nomes variam. A unanimidade é o nome do paraibano Cícero Costa, que seria uma espécie de enfermeiro do grupo e em menos de dois anos seria morto no tiroteio da Serra das Panelas.
Consequências
A notícia do ataque a Belmonte teve forte repercussão na imprensa pernambucana. Uma semana depois do ocorrido, o periódico recifense “Jornal do Commercio” fazia uma severa crítica ao então governador pernambucano, Sérgio Teixeira Lins de Barros Loreto pela falta de segurança no sertão. O jornal traz estampada uma carta da viúva de Gonzaga, datada do dia da morte do seu marido, pormenorizando os fatos e responsabilizando Ioiô Maroto.
O Desembargador Silva Rêgo, Chefe de Polícia de Pernambuco, divulgou na imprensa que havia recebido informes de seus colegas da Paraíba, Alagoas e do Ceará. Estas autoridades transmitiam as tradicionais solidariedades, criticavam a ação dos cangaceiros e se colocavam a disposição. Mas de prático só o telegrama do Dr. Demócrito de Almeida, da Paraíba, afirmando ter informações vindas do bacharel Severino Procópio, que se encontrava na cidade de Conceição, dando conta que os cangaceiros estavam acoitados no velho esconderijo de Sinhô Pereira, na Serra do Olho D’água.
Dias depois, o “Diário de Pernambuco”, de 1 de novembro, reproduz na página 4 uma nota do jornal oficial do governo paraibano, “A União”, informando que o bando havia sido visto na Serra do Catolé, ainda em território pernambucano, mas próximo a fronteira paraibana, onde estariam nesta serra 50 bandidos. O bacharel Severino Procópio, junto com o tenente Manuel Benício e uma força paraibana, estavam a postos para atacar os cangaceiros. Mas o bacharel solicitava reforços de Pernambuco, para assim alcançarem um número de 150 policiais, pois devido às condições geográficas da região, só um número grande de homens para desalojar os cangaceiros do alto das serras. Mas aparentemente nada foi feito.[23]
Na sequência a família de Gonzaga vendeu tudo que tinha na região, partiu primeiramente para Recife e depois para o sul do país.[24]
Não é novidade que a pesquisa em jornais antigos, associada à pesquisa em livros, artigos em revista, internet e, obviamente, a uma pesquisa de campo junto aos descendentes dos que presenciaram os fatos, se não traz nenhuma grande informação bombástica, mostra que é sempre possível conseguir novos detalhes e informações sobre o cangaço que, como me disse em certa ocasião um respeitado autor do tema “-São fontes de informações pequenas, mas que sempre dá para saciar a todos”.
NOTAS
[1] Sobre a posse da propriedade de Ioiô Maroto, ver “Relação dos Proprietarios dos Estabelecimentos Ruraes Recenseados no Estado de Pernambuco”. DIRECTORIA GERAL DE ESTATÍSTICAS, Pág. 34, 1925, onde o “Cristóvão” é sua única propriedade listada no município de Belmonte.
[2]Sobre esta visita, foram realizadas entrevistas com pessoas da comunidade, que trazem apenas lembranças transmitidas pelos seus antepassados. Em minha opinião as fontes escritas foram mais proveitosas.
[3]Ver jornal “A Província”, edição de 11 de março de 1923, pág. 2. Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. A carta do misterioso “Um Assignante”, publicada em quase um ano após os fatos “A Província” , corrobora a tradição oral da região em muitas informações.
[4]Na “Relação dos Proprietarios dos Estabelecimentos Ruraes Recenseados no Estado de Pernambuco”. DIRECTORIA GERAL DE ESTATÍSTICAS, Pág. 33, 1925, são listadas as propriedades “Varzeota” e “Contendas” como pertencentes a “Luiz Gonzaga Torres Ferraz”, ao invés de “Luiz Gonzaga Lopes Gomes Ferraz”, onde acreditamos que ocorreu um erro de datilografia na feitura deste documento.
[5]Ver jornal “A Província”, edição de 11 de março de 1923, pág. 2. Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco e “O Canto do Acauã”, FERRAZ, M. Pág. 154, 2011.
[6]Ver “A Cabeça do Rei”, ARAÚJO, I. Págs. 144 e 145, 2007.
[7]Para muitos esta seria a primeira grande proeza de Lampião e seu bando, tendo o fato sido noticiado com destaque nas edições de 5 e 7 de julho de 1922, no respeitado periódico “Diário de Pernambuco”.
[8]Ver “O Canto do Acauã”, FERRAZ, M. Pág. 154, 2011. A competente autora, mesmo ligada por laços de parentesco ao comerciante Gonzaga, no nosso entendimento busca apontar de forma bastante aproximada o que destaca a tradição oral da região em relação aos acontecimentos.
[9]Ver “A Cabeça do Rei”, ARAÚJO, I. Pág. 146, 2007.
[10]Ver “O Canto do Acauã”, FERRAZ, M. Pág. 157, 2011.
[11]Ver jornal “A Província”, edição de 11 de março de 1923, pág. 2, existente na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
[12] Neste livro o autor tem um posicionamento extremamente crítico contra Gonzaga e um tanto complacente em relação a Crispim Pereira. Não se pode negar que este autor viveu na região na época dos fatos, mas sua versão literária é diametralmente contrária em relação à figura de Gonzaga, tanto quando comparamos com os antigos jornais, como na tradição oral da região.
[13]O jornal “A Província” afirma que o sargento Alencar só tinha cinco anos que havia se incorporado a polícia pernambucana.
[14]No centro da cidade de São José do Belmonte existe Rua Sd. Heleno, em honra a este militar.
[15]Os jornais de época apontam apenas seis soldados defendendo a cidade e três civis. Outros autores dizem que foram 8 os militares e quatro civis. Em relação ao número de cangaceiros que atacaram Belmonte, os autores que se debruçaram sobre o assunto apontam um mínimo de 30 e um máximo de 70. Rodrigues de Carvalho afirma que eram 70 homens comandados por Lampião. Ver “Serrote Preto”, Rodrigues C. Pág. 158, 1961. Já João Gomes de Lira afirma que eram “trinta e tantos ou quarenta cangaceiros”. Nesta obra o autor informa que foram denunciados pelo Promotor Público de Olinda 33 pessoas pelo ataque a Belmonte e o assassinato de Gonzaga. Mas o autor aponta que faltaram vários nomes de cangaceiros participantes, como os irmãos de Lampião e Lavandeira. Ver “Memórias de um Soldado de Volante”, LIRA, J. G. Pág. 78, 1990.
[16]Ver “Lampião Seu Tempo e Seu Reinado-II A Guerra de Guerrilhas (Fase de Vinditas)”, Maciel, F. B. Pág. 55, 1987.
[17]Ver “Memórias de um Soldado de Volante”, LIRA, J. G. Pág. 79, 1990 e “Lampião Seu Tempo e Seu Reinado-II A Guerra de Guerrilhas (Fase de Vinditas)”, Maciel, F. B. Pág. 54, 1987. Já Bismarck Martins de Oliveira, em “Cangaceiros do Nordeste”, pág. 208, 2002, informa que “Baliza” seria o primeiro cangaceiro a ter esta alcunha que andou com Lampião, que ele era pernambucano, havia sido membro do bando de Sinhô Pereira e se chamava Gabriel Lima. Já Erico de Almeida, em “Lampeão, sua história”, pág. 27, 1926, diz que o nome de “Baliza” era José Dedé. Este foi o primeiro livro a dar destaque ao ataque a Belmonte.
[18]Entre as várias fontes pesquisadas existe uma grande disparidade sobre a duração do ataque, que variam de uma a até quase quatro horas de combate.
[19]Ver “Lampião Seu Tempo e Seu Reinado-II A Guerra de Guerrilhas (Fase de Vinditas)”, Maciel, F. B. Pág. 55, 1987. Em 2008 quando visitei a região e esta casa, ela se mantinha bem conservada e original em muitos aspectos, graças aos esforços de suas atuais proprietárias, professoras da rede pública de ensino.
[20]Em “Lampião Seu Tempo e Seu Reinado-II A Guerra de Guerrilhas (Fase de Vinditas)”, Maciel, F. B. Pág. 54, 1987, afirma este civil chamado Cicero Januário, seria um padeiro e também um espião de Lampião. Mas apenas este autor dá esta informação.
[21]Ver jornal “A Província”, edição de 11 de março de 1923, pág. 2. Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
[22]Em relação a esta questão, o periódico recifense “Jornal do Commercio”, edição de 8 de novembro de 1922, na sua página 3, dá conta que, desde o dia 3 de outubro de 1922 estava preso na cadeia de Belmonte um cangaceiro conhecido como “Bêrdo”. O mesmo, depois de atacar a propriedade denominada “Três Passagens”, onde teria assassinado o proprietário e sua esposa, sofreu forte de populares e estava ferido no peito. Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
[23]Ver na Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, o “Diário de Pernambuco”, edições de 21 e 28 de outubro e 1 de novembro de 1922, sempre nas páginas 4.
[24]Ver “O Canto do Acauã”, FERRAZ, M. Págs. 159 e 161, 2011.
Todos os direitos reservados
É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.