Por Vilceia Melo
Vila Craíbas,
em 1938, quando ainda pertencia a Arapiraca.
A história de
Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, provoca admiração por parte
de alguns historiadores que encontra, nessa figura emblemática, um dos
primeiros revolucionários sociais no Nordeste brasileiro. Outros escritores
desmistificam a imagem do filho justiceiro – que queria vingar a morte do pai-
em função da barbárie dos crimes cometidos. Herói ou bandido, a história de
Lampião, que liderou o cangaço durante duas décadas, também teve o seu registro
no Agreste de Alagoas.
Silvan
Oliveira, pesquisador sobre a passagem de Lampião pelo Agreste
Silvan Oliveira, pesquisador sobre a passagem de Lampião pelo Agreste
Para saber
detalhes sobre a passagem do cangaceiro e seu bando nessa região, fomos até
Craíbas conversar com o funcionário público Silvan Oliveira. Há alguns anos ele
vem colhendo depoimento com os familiares dos primeiros moradores da antiga
Vila Craíbas, que pertencia ao município de Arapiraca, para obter informações
sobre a passagem de Lampião e seu bando pelo região. O trabalho de pesquisa
resultou no esboço de um livro intitulado “O dia em que Lampião assustou o
Agreste alagoano”.
De acordo com
o pesquisador, Lampião e 17 cangaceiros passaram por aqui em abril de 1938,
cerca de três meses antes de sua morte. Segundo Silvan, nessa época o cerco
estava fechado e as forças policiais estavam concentradas em Santana do
Ipanema, com a criação do 2º Batalhão de Polícia Militar. “Os estados de
Pernambuco e Bahia já não admitiam o trânsito de cangaço na região. Virgulino
estava escondido na fazenda do coronel Antonio Caxeira, em Gararu-SE, quando
resolveu ir a Piranhas-AL encontrar-se com o cangaceiro Corisco por dois
motivos: tramar a morte do tenente Zé Rufino e em seguida abandonar o cangaço,
refugiando-se com Maria Bonita, no estado de Goiás.
Ainda de
acordo com o pesquisador, a rota de fuga foi iniciada atravessando o rio São
Francisco, em Traipu. Há relatos que durante essa passagem pelo local Lampião
teria encontrado uma “retreta” – pequena banda de música. “Ele pediu que os
músicos tocassem uma música e teria recompensado os músicos com cinquenta mil
réis”, relatou Silvan Oliveira.
Bando de
Lampião
Após
atravessar o rio São Francisco, o bando de lampião chegou ao povoado Capivara,
e teve o primeiro combate nessa região, ao deparar-se com a volante do tenente
Valdemar Goes, que naquela época era o delegado de Batalha. Lampião estava a
cavalo acompanhado de 16 cangaceiros. “Durante o confronto, Lampião e seu bando
fogem a pé em direção a então Vila de Girau do Ponciano.
O pesquisador
relata que quando o bando de Lampião chegou em Girau do Ponciano, no local
estava acontecendo uma feira livre. Os cangaceiros e seus comparsas fizeram um
arrastão nas bancas e saquearam os armazéns do comerciante Eloi Maurício. Ainda
em Girau, há outro confronto com a polícia e os cangaceiros se deslocam em
direção a Lagoa da Canoa e o povoado Salomé, atual município de São Sebastião.
“Lá eles sentiram que não estão sendo mais perseguidos e no dia posterior eles
retornaram a rota de fuga pelo Agreste, em direção ao alto Sertão”, informou o
pesquisador.
Em Arapiraca
Uma
curiosidade relatada por quem teve contato com o cangaceiro é que ele sempre
andava com uma caderneta anotando os nomes dos coronéis mais abastados da
região para fazer os saques. Ao chegar no Povoado Lagoa da Pedra, próximo a
Vila Fernandes, em Arapiraca, Lampião foi informado que o coronel Lino de Paula
tinha muitas posses.
O bando
encontrou o próprio Lino de Paula que estava em uma de suas fazendas
trabalhando com uma roupa suja e desgastada. Pensando que era um trabalhador
comum, o cangaceiro perguntou se ele sabia onde morava o coronel Lino de Paula
e ele com medo de morrer disse que levaria o bando de lampião até a casa do
militar.
Durante o
percurso, Lino de Paula, com medo que Lampião descobrisse sua verdadeira
identidade pediu ao chefe do cangaço para ir até o “meio do mato” defecar pois
estava com dor de barriga. Lino de Paula aproveitou essa oportunidade e fugiu
pela vegetação, enganando Lampião e seu bando.
A notícia de
que Lampião estava em Arapiraca se espalhou, e segundo o pesquisador, muitos
moradores dos bairros Baixa Grande, Cavaco, e Baixão deixaram suas casas, e
dormiram no mato com medo que Lampião chegasse durante à noite para saquear as
casas.
Outros foram
se abrigar nas residências de parentes no centro do município, onde o
cangaceiro não chegaria com medo da ação da polícia.
“A próxima
parada de Lampião e seu bando no município de Arapiraca se deu na Vila Canaã,
onde cometeu alguns saques. Lá ele apreende um rapaz identificado apenas como
“João Catenga”, que informou quem são os homens de posse da redondeza como “Zé
Ciben”, Manoel Ireno, Possidônia. Todas as propriedades foram saqueadas e,
continuando a rota, o bando chegou a Vila de Craíbas”, relatou Silvan Oliveira.
Ao chegar na
Vila, Lampião com os 16 cangaceiros armados, renderam os moradores que ainda
permaneciam no local. Eles entregaram dinheiro, pertences pessoais e armas.
Segundo os relatos de moradores de Craíbas, um senhor que se chamava “Nicolau”
negou ter armas em casa, mas quando os cangaceiros entraram na residência
encontraram munições. “Por ter mentido para Lampião, Nicolau foi amarrado em um
cavalo e arrastado até a lagoa da vila para ser “sangrado”.
Segundo Silvan
Oliveira, nesse dia que Lampião esteve na Vila Craíbas, seria celebrado um
casamento. Quando o padre Epitácio estava a caminho foi avisado que Lampião
estava saqueando os moradores . Ele rapidamente retornou a Arapiraca e avisou a
três volantes do tenente Porfírio sobre o bando.
No momento que
Lampião e os cangaceiros iriam executar Nicolau à beira da lagoa, os policiais
chegaram atirando e os disparos de armas de fogo assustaram o bando de Lampião,
que fugiu sem executar ninguém.
Um fato curioso
nesse dia do casamento é que a casa do sanfoneiro que iria tocar no casamento
está situada na praça onde Lampião rendeu os moradores. Com medo de ter o seu
principal instrumento de trabalho roubado pelos cangaceiros, Artêmio, como era
conhecido o músico, escondeu a sanfona dentro de um saco de farinha. Até os
dias de hoje a casa, situada no centro comercial de Craíbas, permanece com as
mesmas características da década de 30. “Devido a questões de herança, o imóvel
não pode ser vendido, pois está em processo judicial. Tanto a fachada quanto
todo o interior permanece com a mesma estrutura de quando lampião passou pela
região”, revelou Silvan Oliveira.
Casa do
sanfoneiro Artêmio mantém as mesmas características da década de 30
Casa do sanfoneiro Artêmio mantém as mesmas características da década de 30
Três meses
após essa passagem por Arapiraca/Craíbas, no dia 28 de julho de 1938, Lampião,
Maria Bonita e seu bando sofreram uma emboscada e foram assassinados na Grota
em Angicos, em Poço Redondo-Sergipe. Suas cabeças foram expostas em várias
cidades como troféus.
Essa parte da
história tem uma ligação muito pessoal com o pesquisador Silvan Oliveira. Após
a exposição das cabeças nas escadarias do município de Piranhas-AL, os
policiais seguiram para Água Branca, Mata Grande e Santana do Ipanema. “Nessa
época minha mãe, Jaci Oliveira Santos, tinha 6 anos e morava em Mata Grande. A
casa dos pais dela era próxima à delegacia da cidade e quando os caminhões da
polícia chegaram com as cabeças dos cangaceiros foi um alvoroço só. Centenas de
pessoas, entre crianças e adultos lotaram a praça para ver os “troféus” exibido
pela polícia. Mesmo com apenas 6 anos de idade, minha mãe até hoje, nunca se
esqueceu daquela imagem de cabeças cortadas em cima do caminhão”, finalizou Silvan
Oliveira.
14 de outubro
de 2017
Vilceia Melo
93 anos de Arapiraca, Notícias
agreste, alagoas, Arapiraca, cangaceiro, Cangaço, Lampião
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