*Rangel Alves
da Costa
E se de
repente a pessoa deixa de ser quem é perante os demais, e até com consigo
mesma? Não pela mudança de comportamento ou do jeito costumeiro de ser, mas por
que passou a ser outra, porém sendo ela mesma.
Assim
aconteceu...
Ele levantou e
a primeira coisa que fez ao amanhecer foi registrar alguma coisa num pequeno
caderno. Estranhou, porém, que o nome inscrito na capa não era o dele, mas
outro totalmente diferente.
Talvez
estivesse com o olhar ainda pesado do sono, foi o que pensou antes de jogar o
caderno numa gaveta e sair do quarto. Não demorou muito e ouviu, vindo do outro
lado do muro: “Seu Marcos, seu leite chegou”. Marcos, mas quem é Marcos, aqui
não existe nenhum Marcos. Ele quase gritou, sem nada compreender.
Já adiante do
portão, seguindo rumo aos afazeres cotidianos, a primeira coisa que ouviu foi:
“Bom dia, Seu Marcos!”. Estava apressado demais para dizer que o seu nome não
era nem nunca havia sido aquele. Aquilo já estava passando dos limites,
imaginava cheio de indagações. Primeiro o caderno, depois a mulher do leite e
agora o vizinho. Mas quem será esse Marcos?
Ao chegar numa
repartição pública, a primeira coisa que a funcionária fez foi pedir seu
documento de identidade. Tirou do bolso a carteira e logo estendeu sua
identificação. E novo espanto ao ouvir: “Marcos de Almeida e Castro, é o senhor
mesmo?”. Imediatamente respondeu: “Não, meu nome não é Marcos, é Paulo de
Almeida Castro. A senhora deve estar enganada”.
“Desculpe, seu
Marcos, mas eis a sua identidade com o seu nome, a sua digital, a sua
fotografia, tudo. O senhor é que deve estar enganado com o tal Paulo que
mencionou. O documento está claro: Marcos de Almeida Castro”. Sem saber mais o
que fazer, ele retirou todos os documentos da carteira e jogou-os à mesa. E
Marcos, Marcos, Marcos, em todos eles.
Largou tudo
ali mesmo e saiu em correria da repartição. Não podia ser, aquilo não poderia
estar acontecendo, dizia em voz alta enquanto chutava um muro do lado de fora.
Foi quando avistou uma conhecida e saiu desesperado em sua direção. “Diga, por
favor diga se eu estou maluco, diga se eu enlouqueci. Diga...”.
“Mas o que é
isso Seu Marcos, o que aconteceu com o senhor para estar assim desse jeito. O
que aconteceu, Seu Marcos?”. Mais uma, não, agora chega, isso já está virando
brincadeira de péssimo gosto, resmungava após ter deixado para trás sua
conhecida. Mas eu não estou maluco, eu não sou maluco. Meu nome não é Marcos,
não é Marcos, não é Marcos. Nasci Paulo e vou morrer Paulo...
Completamente
atordoado com a situação, já falava sozinho sem se importar com os olhares
desconfiados em sua direção. Chegou praticamente correndo ao portão de casa,
evitou falar com qualquer pessoa, e num instante já estava revirando tudo que
pudesse revelar seu verdadeiro nome. Mas somente Marcos em tudo o que
encontrava.
Já em total e
terrível desespero, chorando, começou a abrir cartas e bilhetes, rascunhos de
poesias, mas outro nome não encontrava senão o de Marcos. Gritou como grita o
lobo angustiado na estepe. Gritou como grita o louco desejando a lua. Gritou
como grita um ser tentando ser ouvido na sua desesperança.
Em seguida
atirou-se num canto, colocou a cabeça entre as mãos, e chorou toda a dor
encontrada. Quando mais refeito, porém ainda entre soluços, levantou e seguiu
em direção à janela: Abriu-a, afastou as cortinas, se aproximou do umbral e,
respirando profundo, mirou uma roseira em flor, e disse convicto: Que belo
mamoeiro! Depois fechou os olhos e viu a tão conhecida roseira na mente. Ao
reabri-los, falou: Minha roseira, como está tão bela.
Após, ali
mesmo, dialogou em silêncio. E finalizou: Sou Paulo, sempre fui Paulo. Deixo
que o mundo repare os seus próprios erros.
Escritor
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