Por Rangel Alves
da Costa*
Há um doloroso
silêncio e uma tristeza profundeza nas casas que sempre parecem abandonadas. As
portas e janelas fechadas, ou mesmo semiabertas em sombras, traduzem angústias
e incertezas.
São muitas
avistadas assim, neste semblante de esquecimento e abandono no meio do mundo,
nas beiras das estradas, em meio aos descampados mais adiante. Casas pequenas,
casebres, de barro e cipó, de tijolo e terra.
É como se as
casinholas tivessem sido abandonadas nos dias passados. Ainda são avistadas as
plantas no limiar do terreiro, pétalas floridas em galhos retorcidos, troncos
deitados ao chão, cadeiras que solitariamente se balançam na ventania do
entardecer.
Logo à frente
um umbuzeiro baixo, de copa larga, mas sem fruto caindo. Ou mesmo uma jaqueira
vistosa e quase se lançando ao chão de tanto cansaço da idade. Talvez um
tamarineiro ou uma mangueira, ou mesmo uma velha catingueira emoldurando um
sertão.
Tais paisagens
se tornam menos dolorosas se os arvoredos existentes forem craibeiras em
floração. Suas flores amareladas, de um dourado vivaz, até mesmo destoam das
outras cores do cenário ao redor. Eis que em meio ao cinzento e seco, de
repente desponta a altivez da florada.
Mas geralmente
falta a presença humana, permitindo que se perceba que por ali há morador.
Também falta a voz humana ou mesmo qualquer barulho vindo das moradias, o que
representaria a vida existente além daquelas portas e janelas ao desalento.
Paisagens
existem que logo se avista a ausência completa de morador. Mas não pela
situação das moradias, pois uma casa caindo aos pedaços, deteriorada de cima a
baixo, não significa que esteja abandonada. É que a pobreza vai forçando o
surgimento de cenários assim.
Reconhece-se
que a família não mora mais no lugar ou que por ali não há mais ninguém, quando
os arredores passam a testemunhar a retirada. Mesmo na pobreza extrema, o
vivente de beira de estrada sempre mantem limpa sua malhada e cultiva alguma
planta logo adiante da porta, e quando nada disso se percebe então é porque a
cancela foi fechada de vez.
Não há
paisagem mais triste que uma casinha abandonada porque a seca, a pobreza ou a
desesperança, forçou a família em retirada. Se o cenário da miséria já era
angustiante, com os dias e as noites de aflição, depois da partida há um lenço
molhado por todo lugar. Cadê aquele cachorro magro, cadê a fumaça do fogão de
lenha ao entardecer, cadê o menino magricela correndo atrás de um passarinho?
Cadê o cheiro
de café torrado e a cantiga de saudade grande? Cadê o velho senhor sentado num
tamborete e ajeitando na boca o cigarro de palha? Cadê a galinha ciscando e o
jegue adormecido debaixo do umbuzeiro? Cadê a porta se abrindo e a mulher
saindo com pote à cabeça para ir buscar água barrenta no fundo do tanque?
Mas cadê tudo
se nada mais existe? Mesmo entristecidos, os olhos ainda chegam ao brilhar
quando avistam singelas situações. O menino sentado num canto ao redor de seu
curral de ponta de vaca, outro menino descalço correndo atrás de calango. E de
repente outro é avistado carregando peteca baleadeira.
Sertões,
sertões, distâncias, mundo matuto, ao desalento. Nem sempre os olhos encontram
aquilo que tanto desejam divisar. Nem sempre as portas se abrem ao entardecer,
quando as cinzas do sol se derramam, pois raramente pessoas são avistadas
aguando uma planta, varrendo o telheiro, desfazendo um feixe de lenha.
Ou os varais
ficam escondidos nos quintais ou não houve roupa para ser estendida naquele
dia. Ou lá dentro uma pequenina televisão toma a atenção de toda a família ou o
velho senhor já não lança mão de seu radinho de pilha para ouvir violados
caboclos. Apenas raramente se avista o cansado da luta com uma xícara à mão e a
outra segurando o radinho de pilha.
Não há mais a
escuridão de antigamente. Apenas umas poucas casas ainda não possuem luz
elétrica, mas na maioria o luzir logo divisa o casebre em meio ao negrume
fechado. Mas houve um tempo de candeeiros, de lamparinas, de amarelados
iluminando as noites nas distâncias sem fim.
Mas tudo ainda
parece sob a luz de candeeiro. As portas e as janelas fechadas, a ausência de
vidas em afazeres de canto a outro, bem como aquele silêncio profundo que nem o
vento pode desencantar, acabam tornando aquelas moradias em retratos esquecidos
em envelhecidas paredes do tempo. É como se nada restasse além de uma aparência
de vida.
Sigo pelas
estradas e quando retorno sempre percebo a mesma coisa. E cada vez mais me vem
a certeza que muito ainda desconheço desse mundo que está por trás daquela
porta, daquela janela. Um mundo que também é o meu, mas ainda não conhecido nas
suas entranhas. Somente aqueles que vivem lá dentro reconhecem a imensidão do
quase nada.
Poeta e
cronista
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