Pensar no coronelismo enquanto classe social dominante nos remete a um período de autoritarismo ocorrido no Brasil, período este caracterizado pela imposição de vontades particulares e na impunidade absoluta destes autoritários. Ou seja, famílias patriarcais e abastadas, que ostentavam patente de Coronéis, não por serem Oficiais de algum regime militar, porém, por serem chefes políticos, senhores acima do bem e do mal.
Os ditos “coronéis” agiam em seus latifúndios, transformando tais redutos geográficos em jurisdições, onde a lei vigente era a sua vontade, o julgamento e a execução das penas imposta eram sentenciados conforme suas vontades e ordens. O poder se manifestava das mais diversas formas possíveis, das ações políticas seja na esfera local, regional ou federal, aplicando-se o domínio econômico e social para a manipulação eleitoral em causa própria e ou de seus afilhados, ao controle sobre as vidas dos que deles dependiam.
Embora estas práticas tenham ganhado força no Primeiro Reinado, o apogeu se deu nas primeiras décadas do século XX.
Vitor Nunes Leal
Segundo Vitor Nunes Leal em sua obra ‘ Enxada e Voto’ a estrutura do coronelismo tem sua gênese na tradição patriarcal brasileiro e no esteio agropecuário. Para ele:
“... o coronelismo apresenta-se como um aparelho político da Primeira República, que predomina em uma relação de ajustes entre os senhores donos de terras em declínio e o poder público cada vez mais forte. Onde os coronéis (chefes políticos) exerceram poder de modo distinto em seu domínio e que, depois da Revolução de 1930 suas práticas perduraram até os dias atuais, empregadas por grandes fazendeiros, comerciantes, religiosos, industriais e profissionais liberais, entre outros que dispunha de certa influência sobre as massas e apresentavam-se para estas uma autoridade indiscutível e parecendo, para este aparelho, em toda sua extensão como um dispositivo político fundamentado em um poder paralelo ao estado oficial e utilizado, por estes para seus fins e para se manterem frente aos seus cargos, através de um emaranhado de tramas de afinidades que começa do coronel até chegar ao presidente da República, por meio de compromissos recíprocos".
A criação da Guarda Nacional em 1831 pelo governo imperial tinha como objetivo, defender a integridade do império e a Constituição vigente. A formação desta corporação ocorria por meio de nomeações feita pelo governo central e ou pelos presidentes de província, ambos utilizavam-se de um mecanismo bastante conhecido por todos nós, o tráfico de influência e a corrupção política.
O sistema eleitoral por ser frágil, era totalmente manipulado, os coronéis controlavam o voto de todos os seus comandados, por ser o voto aberto, ninguém ousava afrontá-lo, votando em outro candidato que não fosse o apoiado por ele. No dia da eleição, um capanga de confiança acompanhava seus agregados para garantir que o resultado esperado, evitando-se assim, que sua vontade fosse contrariada. Estes domínios políticos eram denominados de forma pejorativa, as localidades eram tidas como currais eleitorais, por consequência o sufrágio passou a ser o “votos de Cabresto”.
Em síntese, o sistema adotado era essencialmente oligárquico, seus líderes, os grandes latifundiários e oligarcas, homens poderosos que financiavam não só a estrutura em si, bem como bancavam suas campanhas políticas de seus afilhados. Estes empreendimentos políticos lhes garantiam o poder de mando e comando na política e no período monárquico lhes assegurava também, a patente de “Coronel da Guarda Nacional”, esta concessão era conferida somente aos grandes patrocinadores da campanha, ou seja, proprietários de grandes latifúndios.
A história oficial nos fala que o declínio do coronelismo ocorreu com a Revolução de 30, por consequência do sistema de governo imposto por
Getúlio Vargas
Vargas, esta “forma de governo” varguista teria enfraquecido a prática do coronelismo em várias regiões do Brasil, no Nordeste este poderio ainda perdurou por algumas décadas. Porém, não é difícil perceber o ranço das práticas coronelistas nas diversas esferas administrativas governamentais. Por mais estarrecedoras e obsoletas, este “modelo coronelista” ainda tem sido praticado por muitos chefes políticos. Sempre que vemos a fumaça de um escândalo na política brasileira, logo em seguida vemos esta fumaça se dissipando e tudo volta de onde paramos, ou melhor, de onde nunca saímos.
Juliana Pereira Ischiara é advogada, pesquisadora do cangaço e sócia da "SBEC" - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.