De Mossoró
pretendiam cobrar 500 contos de réis para poupar a cidade, mas sendo advertido
que se tratava de quantia muito alta, resolveram reduzir o pedido para 400
contos de réis. A carta do coronel Gurgel dizia: "Meu caro Rodolfo Fernandes.
Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui
bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de
400 contos de réis. Penso que para evitar o pânico, o sacrifício compensa,
tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró..." Ao receber a carta, o
Cel. Rodolfo Fernandes convoca uma reunião para a qual convida todas as pessoas
de destaque da cidade, onde informa o conteúdo da mesma e alerta para a
necessidade da preparação de defesa contra um possível ataque dos cangaceiros.
Os convidados, no entanto, acham inviável que possa acontecer um ataque de
cangaceiros a uma cidade do porte de Mossoró. E de nada adiantaram os
argumentos do prefeito. Mesmo decepcionado com a atitude dos cidadãos da cidade,
o prefeito responde a carta nos seguintes termos: Mossoró, 13 de junho de 1927.
- Antônio Gurgel. “Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400.000 contos,
pois não tenho, e mesmo no comércio é impossível encontrar tal quantia.
Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos
dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece
absoluta confiança e inteira segurança. Rodolfo Fernandes". Quando o
portador chega a casa do prefeito para pegar a resposta, esse, de modo cortês,
diz que a proposta do bandido é inaceitável e se diz disposto a enfrenta-lo.
Levou o portador ao aposento onde havia vários caixões com latas de querosene e
gasolina. Junto a esses caixões, existia um aberto e cheio de balas. O prefeito
na tentativa de impressioná-lo, diz que todos aqueles caixões estão cheios de
munição e que já existe um grande número de homens armados na cidade,
aguardando a entrada dos cangaceiros. Lampião não esperava tal resposta e ao
tomar conhecimento que a cidade está pronta para brigar, resolve mandar um
bilhete escrito de próprio punho, numa péssima caligrafia, julgando que assim
conseguiria o intento.
" Cel
Rodolfo Estando Eu até aqui pretendo drº. Já foi um aviso, ahi pº o Sinhoris,
si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu
envito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi
penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o
drº. Eu não entro, ahi mas nos resposte logo. Capm Lampião."
Mais uma vez,
o prefeito responde com negativa. Diz em sua resposta para Lampião:
"Virgulino, lampião. A resposta: Recebi o seu bilhete e respondo-lhe
dizendo que não tenho a importânci que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionár se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira
fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma. Rodolfo Fernandes Prefeito, 13.06.1927". Nessa altura dos
acontecimentos, os mossoroenses já convencidos do intento dos cangaceiros,
tratavam de preparar a defesa da cidade. O tenente Laurentino era o encarregado
dos preparativos. E como tal, distribuía os voluntários pelos pontos
estratégicos da cidade. Haviam homens instalados nas torres das igrejas matriz,
Coração de Jesus e São Vicente, no mercado, nos correios e telégrafos,
companhia de luz, Grande Hotel, estação ferroviária, ginásio Diocesano, na casa
do prefeito e demais pontos. O plano de lampião era chegar a uma localidade
conhecida como Saco, que ficava a uma distância de dois quilômetros de Mossoró,
onde abandonariam as montarias e prosseguiriam a pé até a cidade. O cangaceiro
Sabino comandava duas colunas de vanguarda. Uma das colunas era chefiada por
Jararaca e outra por Massilon. Lampião ia ao comando da coluna da retaguarda.
Enquanto cangaceiros e voluntários se preparam para o combate, o restante da
população, que não participariam do mesmo, tentava deixar a cidade. Eram
velhos, mulheres e crianças, pessoas doentes, que não tinham nenhuma condição
de enfrentar, de armas em punho, a ira dos Cangaceiros. A cena era dantesca
desde o dia 12 de junho. Nas ruas, o povo tentava deixar a cidade de qualquer
maneira. Mulheres chorando, carregando crianças de colo ou puxadas pelos
braços, levando trouxas de roupas, comida e água para a viagem, vagando na
multidão sem rumo. Era uma massa humana surpreendente que se deslocava pelas
ruas da cidade na busca de transporte, qualquer que fosse o meio, para fugir antes
da investida dos Cangaceiros. Famílias inteiras reunidas, em desespero, lotavam
os raros caminhões ou automóveis que saíam disparados a caminho do litoral.
Muitos, sem condição de transporte, tratavam de conseguir esconderijo dentro ou
fora da cidade. A ordem dada pelo prefeito era que quem estivesse desarmado
saísse da cidade. O desespero aumentava mais a medida que o dia avançava. Às
onze horas da noite, os sinos das igrejas de Santa Luzia, são Vicente e do
Coração de Jesus começaram a martelar tetricamente, o que só servia para
aumentar a correria. As sirenes das fábricas apitavam repetidamente a cada
instante. Muita gente que não acreditava na vinda de Lampião, só ai passou a
tomar providências para a partida. Na praça da estação da estrada de ferro, era
grande a concentração de gente na busca de lugar para viajar nos trens que
partiam de Mossoró. Até os carros de cargas foram atrelados a composição para
que a multidão pudesse partir. Mesmo assim não dava vencimento, e os
retardatários, em lágrimas, imploravam um lugar para viajar. O Prefeito, o Cel.
Rodolfo Fernandes de Oliveira, se desdobrava na organização da defesa, ao mesmo
tempo em que ordenava a evacuação da cidade, medida essa que poderia salvar
muitas vidas. Enquanto isso, a locomotiva a vapor, quase milagrosamente partia,
resfolegando com o peso adicional, parecendo que ia explodir tamanho o esforço
feito pela máquina que emitia fortes rangidos e deixava um rastro de fumaça
negra no horizonte. Era uma viagem relativamente curta, entre Mossoró e Porto
Franco, nas proximidades da praia de Areia Branca. Na cidade, o badalar dos
sinos continuava e o desespero também, pois apesar da pequena distância que o
trem deveria percorrer, a locomotiva demorava mais do que o normal para chegar,
com o maquinista parando com frequência para se abastecer de água e lenha pelo
caminho. Saía de Mossoró com todos os carros lotados e voltava vazio. Era um
verdadeiro êxodo. Na noite do dia 12 de junho, não houve descanso para ninguém
em Mossoró. Os encarregados pela defesa da cidade se revezavam na vigília,
enquanto o restante da população esperava a vez de partir. E o movimento na
estação ferroviária não parava. O embarque de pessoal virou toda a noite e só
terminou na tarde do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, quando foram
ouvidos os primeiros tiros, dando início ao terrível combate. Mas a meta havia
sido alcançada; a cidade estava deserta. Ao entrarem na cidade, o bando sente
medo, devido ao abandono do local. Sabino encaminha-se com suas colunas para a
casa do prefeito. Não perdoa o atrevimento daquele homem que resolveu enfrentar
o bando de cangaceiro mais temido do nordeste brasileiro. Sabino posiciona-se
sozinho em frente a casa de Rodolfo Fernandes. Os defensores da cidade ficam
indecisos, sem saber se ele é um soldado ou um cangaceiro, já que não havia
muito diferença entre a maneira de se vestir de um e de outro. Foi preciso a
ordem do prefeito para que começassem a atirar. Nesse momento o tempo fechou.
Uma forte chuva começa a cair, comprometendo o desempenho dos cangaceiros e
tornando mais tétrico o ambiente. Lampião segue em direção ao cemitério da
cidade enquanto que Massilon procura os fundos da casa do prefeito. O
cangaceiro "Colchete" tenta revidar os tiros lançando uma garrafa com
gasolina contra os fardos de algodão que servem de trincheiras para os
defensores, na tentativa de incendiá-los. Nesse momento é atingido por um tiro,
caindo morto. Jararaca se aproxima do corpo, com o intuito de dar
prosseguimento ao plano do comparsa morto e é também atingido nas costas, tendo
os pulmões perfurados. No mesmo instante, os soldados entrincheirados na boca
do esgoto começam a atirar, encurralando os cangaceiros. Os defensores dominam
a situação e não resta outra solução aos facínoras se não abandonar a cidade. A
ordem de retirada é dada por Sabino que puxando da pistola dá quatro tiros para
o alto. É o fim do ataque.
Não foi um combate longo; iniciou-se as quatro horas da tarde, aproximadamente, sendo os últimos disparos dados por volta das cinco e meia da mesma tarde. Lampião havia fugido, deixando estirado no chão o Cangaceiro Colchete e dando por desaparecido o Jararaca, que depois seria preso e "justiçado" em Mossoró. Mas com medo da revanche dos bandidos, os defensores permaneceram de plantão toda a noite, só descansando no outro dia, quando tiveram certeza que já não havia mais perigo.
Quando lembramos esses fatos, ficamos pensando que tragédia poderia ter acontecido se a cidade não houvesse sido esvaziada a tempo. Quantas mortes poderiam ter havido se a população tivesse permanecido na mesma. Só Deus pode saber. Depois do acontecido, a população começa a voltar para casa. É outra batalha para se conseguir transporte, juntar os parentes, desentocar os objetos de valores que tinham ficado escondidos e tantas providências mais, que só quem viveu o drama poderia contar. 13 de junho, dia de Santo Antônio. Um dia que ficou marcado para sempre na história de Mossoró.
Fonte: Site da Prefeitura de Mossoró.
PORTAL TERRAS POTIGUARES
http://blogdomendesemendes.blogspot.com