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sábado, 12 de outubro de 2019

LIVROS PAJEÚ EM CHAMAS – O CANGAÇO E OS PEREIRAS (CONVERSANDO COM SINHÔ PEREIRA).

Por Geraldo Júnior

Finalmente terminei de ler e posso afirmar que se trata de um trabalho de referência sobre a história da tradicional família “PEREIRA” e a sua ligação com o cangaço nordestino.

Resta-me apenas agradecer mais uma vez ao Professor Helvécio e parabenizá-lo por magnífico trabalho, que na verdade é um presente de valor inestimável para as futuras gerações, ao que se refere ao estudo, pesquisa e conhecimento histórico.

ADENDO - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Hervécio Neves Feitosa

Eu também já o li e aconselho aos amigos amantes do tema "Cangaço", que procurem lê-lo, é um excelente trabalho do escritor Hervécio Neves Feitosa.

Quem desejar adquirir o Livro PAJEÚ EM CHAMAS – O CANGAÇO E OS PEREIRAS (CONVERSANDO COM SINHÔ PEREIRA), basta entrar em contato com o Professor Francisco Pereira Lima através do e-mail 

franpelima@bol.com.br

Geraldo Antônio de Souza Júnior (Administrador do Grupo)

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

LIVRO “O SERTÃO ANÁRQUICO DE LAMPIÃO”, DE LUIZ SERRA


Sobre o escritor

Licenciado em Letras e Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Linguagem Psicopedagógica na Educação pela Cândido Mendes do Rio de Janeiro, professor do Instituto de Português Aplicado do Distrito Federal e assessor de revisão de textos em órgão da Força Aérea Brasileira (Cenipa), do Ministério da Defesa, Luiz Serra é militar da reserva. Como colaborador, escreveu artigos para o jornal Correio Braziliense.

Serviço – “O Sertão Anárquico de Lampião” de Luiz Serra, Outubro Edições, 385 páginas, Brasil, 2016.

O livro está sendo comercializado em diversos pontos de Brasília, e na Paraíba, com professor Francisco Pereira Lima através deste e-mail:
franpelima@bol.com.br

Já os envios para outros Estados, está sendo coordenado por Manoela e Janaína,pelo e-mail: anarquicolampiao@gmail.com.

Coordenação literária: Assessoria de imprensa: Leidiane Silveira – (61) 98212-9563 leidisilveira@gmail.com.

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LIVRO "LAMPIÃO A RAPOSA DAS CAATINGAS"



(71)9240-6736 - 9938-7760 - 8603-6799 

Pedidos via internet:

franpelima@bol.com.br

Mastrângelo (Mazinho), baseado em Aracaju:
Tel.:  (79)9878-5445 - (79)8814-8345

Clique no link abaixo para você acompanhar tantas outras informações sobre o livro.

http://araposadascaatingas.blogspot.com.br

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OPINIÃO LAMPIÃO ANALFABETO?!

O pesquisador e confrade Luiz Ruben compartilhou um recorte em que o jornalista e meu conterrâneo Ancelmo Gois, em sua coluna do Jornal do Commércio de Recife, edição de 16 de Dezembro de 2012, publicou a seguinte "nota":


Um conceito demasiado. Faltou especificar, completar o adjetivo com o termo "Funcional". Virgolino, mesmo limitado, sabia ler, "escrever" e contar. E não são as imagens que nos fazem duvidar ou acreditar em tal habilidade. São testemunhos de ex companheiros e até mesmo dos seus oponentes, disponíveis na literatura. 

Vejamos o que localizei no livro de memórias do tenente João Gomes de Lira, conterrâneo e inimigo de Lampião que tem um capitulo sobre o aludido assunto:


Apesar de sertanejo inculto, vivendo em meio atrasado, José Ferreira procurou dar aos filhos a educação básica. O menino Virgolino Ferreira, assim como os seus irmãos Antonio e Livino receberam os primeiros conhecimentos no ano de 1907.  
Residindo no Riacho São Domingos distrito do município de Vila Bella (Serra Talhada), enviou os três filhos mais velhos à casa do senhor Raimundo Gago, em Pitombeira, próxima a cidade de Vila Bella, afim de que os meninos frequentassem a escola pública do professor Auxêncio da Silva Viana... 1.
Os pesquisadores Antonio Amaury e Vera Ferreira em sua obra "De Virgolino a Lampião" ainda indicaram um outro professor chamado Justino de Nenéu 2

 Um outro autor bastante consultado, o pernambucano Frederico Bezerra Maciel, também dedicou um capitulo sobre este período.

Os métodos pedagógicos que fizeram época foram de inegáveis resultados positivos: O sertanejo que se interessou, aprendeu a ler soletrando e cantando as 26 lições da famosa "Carta do ABC" de Landelino Rocha, que continha apenas 16 páginas. E da tabuada cantada ritmicamente em comum pela classe, com palmatória.
O professor Justino de Nenéu viera ensinar Virgolino e seus irmãos na casa da Fazenda Serra Vermelha, de Manuuel Ferreira de Lima bem perto da fazenda deles, a Ingazeira.3
 
 Reprodução 
Disponivel no www.minharuatemmemoria.ning.com

Voltando as memórias de Gomes de Lira:
Naquela ocasião, tinha Antonio Ferreira, doze anos, Livino, 11 anos e Virgolino, 9 anos de idade. Em 1910, estudaram na "Escola" particular do Professor Domingos Soriano, na Serra Vermelha. 
Entenda-se a escola aqui não como um espaço físico. As aulas eram dadas ao ar livre embaixo de Juazeiros e Quixabeiras.
...Os alunos traziam de casa os banquinhos em que se sentavam para assistir às aulas à sombra das árvores. “O esforçado mestre não se furtava aos pedidos de pais residentes em outras fazendas das ribeiras adjacentes, os quais receberiam a rara oportunidade de poder proporcionar instrução aos filhos.
Hoje a escola Municipal de ensino fundamental e médio Domingos Soriano é um dos primeiros prédios públicos avistados pelos visitantes ao chegarem à Vila de Nazaré do Pico, distrito de Floresta em Pernambuco.

Outra referencial: Lampião – Cangaço e Nordeste de Aglae Lima de Oliveira nos traz mais informações.
Que o tempo de assistência com Domingos Soriano foi de apenas "90 dias". (Período em acordo com todos os depoentes). Que a mensalidade deste curso era de "dez tostões". Que o 'cabrinha' nunca havia levado os temidos bôlos ao ser testado em conhecimento de Tabuada e de algarismos romanos. E ainda sugere que o primeiro livro do qual Virgolino tenha explorado por completo foi o "Primeiro livro de leitura" de Felisberto de Carvalho4
 
 Reprodução
In: www.ler-e-escrever.blogspot.com.br

O objeto da foto comentada por Ancelmo não era mero enfeite, nem instrumento de abano. Pelo método de soletração de Landelino ou de Felisberto é fato que Virgolino aprendeu a ler. Mais tarde aplicaria seu conhecimento ao se deleitar com os jornais e revistas que chegaram até ele. 

Especialmente os que traziam manchetes sobre seus feitos. E, ainda que sem devida concordância, mas com uma caligrafia regular escreveu cartas. Hoje, documentos históricos preservados em museus e coleções particulares. Reproduções de alguns de seus escritos estão disponíveis em diversos livros e sites. 

Como esta carta abaixo, endereçada a um fazendeiro de nome Cantidiano Valgueiro dos Santos Barros, dono da propriedade Tabuleiro Comprido no município de Floresta, PE. Na carta, escrita na peculiar maneira de Lampião se expressar, ele pede a Cantidiano dois contos de réis, de forma extorsiva, a fim de serem evitados “prejuízos”.


Segundo o pesquisador Artur Carvalho, que utilizou os conhecimentos profissionais de um especialista em paleografia , a “tradução” é a seguinte;
“Ilmo. Sr Cantidiano Valgueiro,

Eu (ou “le”) faço esta para “vc” mandar-me dois “conto dereis”, isto sem falta, não tem menos, para “vc” saber se assinar em telegrama contra mim como “vc” se assinou em um com “Gome” Jurubeba. Eu ví e ainda hoje tenho ele. Sem mais, resposte logo para “envitar” muito prejuízo. Sem mais assunto.
Cap. Virgulino ferreira Lampião. [sic]” 5.
O pesquisador e colaborador Ivanildo Silveira teceu comentário em uma discussão anterior sobre este mesmo assunto: 
"O Rei Vesgo dominava, a grosso modo, o idioma pátrio, comunicando-se, de forma clara, precisa, apesar dos erros gramaticais que cometia. Inclusive, ás vezes, empregava pronomes de tratamentos de forma correta. A grafia de seus famosos bilhetes, era perfeitamente entendível".
E como vovó já dizia... 

"Estude meu fio, estude pra não ser que nem sua avó, que não sabe nem pegar numa caneta, que dirá assinar o nome, não faço um "O" com um copo".
Fontes:
[1] Lira. João Gomes deLampião, Memórias de um Soldado de Volantes 2006 (vol. 2) Companhia Editora de Pernambuco – CEPE. Recife/PE, 2007. PÁG20
[2] Vera Ferreira /Antonio AmauryDe Virgolino a Lampião, 1ª edição, Ideia Visual, São Paulo, 1999. PÁG. 52
[3] Maciel, Frederico Bezerra. - Lampião, seu tempo e seu reinado, | I : As origens : Por que Virgulino se tornou Lampião?  3ª Edição. Petrópolis, RJ : Vozes, 1992. PÁG. 90
[4] Oliveira, Aglae Lima de. Lampião – Cangaço e Nordeste. 3ª edição, O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1970. PÁG 22.
[5]  Rostand Medeiros  - Uma carta de Lampião e a história do soldado volante que se tornou ambientalista. Disponível em: http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/10/12/a-carta-de-lampiao-e-a-historia-do-soldado-volante-que-se-tornou-ambientalista/
 Att Kiko Monteiro


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MEMÓRIAS DE UM TEMPO BRABO

O cangaço na literatura de Francisco J. C. Dantas

Por Antônio Fernando de Araújo Sá

Resumo: dialogando com a tradição literária do Nordeste brasileiro, a obra do escritor sergipano Francisco J. C. Dantas possibilita um rico diálogo entre literatura, memória e história em que a temática da identidade regional associada ao cangaço emerge, de forma diferenciada, mas sempre recorrente, nos livros Os Desvalidos (1993) e Cabo Josino Viloso (2005). 


Francisco J. C. Dantas
Nascido em Riachão do Dantas (SE), em 1941, Francisco J. C. Dantas tem produzido uma obra literária baseada na sua vivência no interior nordestino, particularmente de Sergipe e Bahia, em que sobressai a preocupação estilística de estabelecer um vocabulário particular destes sertões, pautado na oralidade. A invenção da identidade sertaneja dos Estados de Sergipe e Bahia aparece nas narrativas literárias em sólidas bases históricas e linguísticas do falar de sergipanos e baianos. Os testemunhos das personagens são verossímeis, edificando vestígios das memórias do tempo do “cangaço” e sua herança no imaginário social do sertão nordestino, principalmente dos ecos da literatura de cordel.
“... outra vez Lampião se fizera encantado”.(Francisco J. C. Dantas)

Inserida numa proposta de releitura da literatura brasileira contemporânea, especialmente da prosa romanesca de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, a obra do escritor sergipano Francisco J. C. Dantas possibilita um rico diálogo entre literatura, memória e história em que o mundo do sertão é construído a partir da visão do homem simples e desvalido e indissociavelmente ligado ao cangaço. Esta opção narrativa enuncia uma tensão entre literatura e sociedade, na qual o escritor, diferenciando-se da tradição regionalista nordestina, estrutura uma requintada carpintaria literária, em que sobressai a preocupação estilística de estabelecer um vocabulário particular dos rincões de Sergipe e Bahia.

Pautando-se na oralidade, sua obra literária denuncia a falta de acesso à cidadania dos marginalizados da seca por meio de seus conflitos existenciais, em que múltiplas vozes se fazem presentes. Ao mesmo tempo, sua escrita possui sólidas bases históricas, como podemos perceber nos testemunhos das personagens que edificaram vestígios de memórias do “tempo do cangaço” e sua herança no imaginário social do sertão nordestino, especialmente, nos livros Os Desvalidos (1993) e Cabo Josino Viloso (2005).

Como a matéria prima dos livros Os Desvalidos e Cabo Josino Viloso trata da memória, partimos do princípio de que tal ideia se vincula ao próprio conceito de cultura, no qual assentam os quadros de sentido e de referência que funcionam como princípios geradores, esquemas de percepção, de apreciação e de ação (CARDIM, 1998).



 Pescada in Portal Infonet

Ao mesmo tempo, a memória é uma prática de intermediação entre as estruturas sociais, individuais e coletivas da identidade e os desafios da alteridade, ela se produz também pela mediação de uma cultura, materializando-se em livros, filmes, imagens etc. É neste sentido que tomamos estes objetos culturais como operadores da memória social, revelando mais como uma conjunção, um entrecruzamento do que a suposta oposição entre “memória coletiva” e “história” (DAVALLON, 1999).

Aliás, Wagner de Souza sugere que a verdadeira mimese deve ser procurada nas obras não preocupadas em refletir a história, como em Os Desvalidos, na qual a criação literária vem ao encontro do texto histórico. Segundo ele, “o romance de Dantas, mesmo não fazendo parte da mesma ordem de discurso que o do historiador, apresenta o contexto social e cultural, traz para a narrativa os personagens históricos, no entanto, ficcionalizando-os, sem utilizar o distanciamento da terceira pessoa”. Deste modo, o “que torna seu texto diferente do construído para figurar na estante da história é o posicionamento narrativo escolhido, concedendo voz aos cangaceiros e aos desvalidos para que se saiba a história também pelo viés deles” (SOUZA, 2007, p. 115 e 116).

Como o “literário” é construído historicamente, consideramos as obras literárias como reescrituras, mesmo que inconscientes, em que “o significado não é apenas alguma coisa ‘expressa’ ou ‘refletida’ na linguagem – é na realidade produzido por ela” (EAGLETON, 2006, p. 66). Em A Lição Rosiana, o próprio Dantas (2002, p. 391) sugere que, a literatura não se esgota na retórica [...] que tem de se abastecer nas raízes do contexto de formação do próprio escritor. Que só podemos escrever exuberantemente quando nos abandonamos e abrimos os ouvidos às forças inconscientes que nos rodeiam e alimentaram a nossa formação.

Para ele, a força e a permanência de uma obra literária advêm “do mergulho profundo no chão onde nasceram” (DANTAS, 2002, p. 391). Deste modo, o elemento articulador entre memória e cultura é a categoria sertão, que estrutura a narrativa literária de Francisco J. C. Dantas, em seu diálogo com a tradição literária presente no livro seminal Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que, segundo ele, traçou “o caminho da literatura ambientada no campo e nas pequenas cidades” como “legítimo fundador da nossa contemporaneidade” (DANTAS, 2002, p. 392).

Desta reescritura da tradição literária do sertão, irrompem nas narrativas de Francisco J. C. Dantas personagens marcados pela miséria, não-cidadãos, mas que revelam, dialeticamente, alegrias, afetos, honra, amor e outros sentimentos, fazendo alta literatura sobre desvalidos, roceiros, mulheres, metamorfoseando a matéria do sertão em pura transcendência, tal como fez Guimarães Rosa.

Um primeiro aspecto da literatura do escritor sergipano que dialoga com a tradição intelectual que remonta a Euclides da Cunha é a transitoriedade do sertão, daquela “possibilidade de que os seres e coisas sertanejos possam transformar-se, subitamente, em seus próprios opostos” (AMADO, 1995, p. 65). Tanto a personagem Maria Melona, de Os Desvalidos, quanto Josino Viloso, de Cabo Josino Viloso, são exemplares desta transfiguração de seres em seus opostos. 

A primeira personagem era uma “criatura de corpo solto e bem apanhado”, “desempenada e peituda”, mas era “mulher afinada e zeladora” e “engolfada em parecer feminina”. Depois da ruptura do casamento com Filipe, ocasionada pela fofoca de Coriolano, transfigura-se em um cangaceiro de punhal, calça e fuzil, “bem mudada em homem macho” (DANTAS, 1993, p. 56, 68 e 105). Logo depois, em atitude heróica, Maria Melona salva a vida de Filipe, em “correria desapoderada” na garupa do seu cavalo, sob a fuzilaria de Azulão.

Já a segunda personagem, Josino Viloso, à sua maneira, fizera uma revolução no lugar, onde o cacete comia e sopapos, rasteiras e cabeçadas eram constantes no cotidiano do Alvide. Por meio de inúmeras táticas – hipnose, compadrio –, o delegado tornara-se uma “evangelizador” da paz. Caracterizado como ausente do sentido de vilão, ou de vileza, mas também “não se destacava pelo talhe brioso, não tinha o porte olímpico, o desempeno espartano, nem galhardia cortês de um cavalheiro” (DANTAS, 2005, p. 77), a personagem fugia da violência a todo custo. Ainda que apareça como antiherói, que de delegado passa a comparsa de assassino profissional, Valenciano, só para não contrariar o compadre, o autor revela o cenário de violência marcante na sociedade nordestina da época, no qual o trabuco dominava as relações interpessoais.

De certo modo, a personagem da narrativa de Francisco J. C. Dantas, Cabo Josino Viloso, no exercício do seu mandato como delegado de polícia, questiona a ideia de um sertão parado no tempo, que remete à descrição euclidiana de que os sertanejos estão abandonados faz três séculos e cujos costumes remetem às sociedades passadas (ALVES, 1997).

Ainda em debate com aquela tradição intelectual, a representação literária do sertão de Dantas aparece como um lugar autêntico e, ao mesmo tempo, indômito. Na prosa romanesca de Os Desvalidos, o desvalido Aribé aparece com sua rala capoeira e alojado no saco de serrote, não passando [...] de um sovaco de chão carrasquento, forrado a lascas de pedra e afivelado de espinhos, muito agressivo com todo suplicante que, corrido dos cachorros, fure o cerco impenetrável, ziguezagueando entre agudas baionetas, e descambe até aqui pra se acoitar (DANTAS, 1993, p. 146). Em outra passagem, o autor justifica a fama de lugar desvalido do Aribé, pois do “sertão, tem o sol e a míngua, mas não a seiva: do brejo, a mesma areia e o saibro rugoso, mas não a chuva. Natureza madrasta!” (DANTAS, 1993, p. 162).

Em Cabo Josino Viloso, a representação do sertão isolado e indômito aparece associada à descrição da cidade de Alvide, no sertão baiano. Inserida num tabuleiro, “em um lençol de areias, destampado de estuporada claridade”, a cidade se resumia a “uma pracinha com seu chão de areia e duas fileiras de casas mal-ajambradas”. No centro da Praça, somente existe um “mastro comido pelo cupim, um madeiro ladeado pelas duas únicas árvores desse pedacinho de tabuleiro enquadrado pelas casas de portas encostadas” (DANTAS, 2005, p. 26, 28, 27).

A ideia de ausência de poder público associada à representação do sertão na literatura também se faz presente nos dois livros analisados. Essa menção pode ser registrada na personagem de Coriolano,
desvalido pelo poder do trabuco, por conta do domínio de Lampião: “O que tinha de gente e terra,
perdera na força do trabuco. Está esvaziado ... e as vozes mortas o arrastam a seu castigo” (DANTAS,
1993, p. 20). Na novela Cabo Josino Viloso, a descrição da delegacia e a condição de delegado sem
provisão são reveladoras da ausência do poder público na região da Bahia:
[...] Como é que um militar da Corporação Policial Baiana tem condições de se estabelecer num vilarejo sem pensão para a bóia e o pernoite, sem um alojamento de tijolo cozido e platibanda para fundamentar a sua Delegacia? (DANTAS, 2005, p. 24).
Próximo da representação clássica do sertão, há menções ao fanatismo religioso, em que a cidade de Alvide é habitada por “terríveis descendentes daqueles brutos que morreram em Canudos, ao lado de Conselheiro” (DANTAS, 2005, p. 27). Paralelamente, Josino Viloso se remete ao fenômeno de Canudos como sinônimo de luta, resistência, coragem e violência, quando lembra sua origem familiar que reporta a: 
[...] uma família dragona e medonha. Me reporto a um tal Chiquitintão, homem de fé do finado Conselheiro.

Na guerra santa, este tal aguentou o tranco à custa de farofa feita de sangue talhado. Comia orelha torrada
de soldado inimigo. Adonde eu digo que compartilho com ele, que não desapartava de uma laçada de forca. Me venho dessa raça pagã que tem o sangue gelado, um povo sem perdão, refeito na impiedade (DANTAS, 2005, p. 78).

Em Os Desvalidos, é registrada também a passagem do séquito de Antônio Conselheiro pelo Aribé, quando de “pescoço entupido de bentinho e patuá”, este povo “beato e romeiro” rumaram para o Ceará, provavelmente os sobreviventes da guerra fratricida (DANTAS, 1993, p. 174).

Assim, as referências históricas e culturais dos dois livros aqui analisados remetem à imagem clássica do sertão como sinônimo dos fenômenos de “fanatismo religioso” e “banditismo”, ambos produzidos pela ausência do poder público que caracteriza a sua história. Aqui emerge o Nordeste da fome, da miséria, do fanatismo, do cangaço, temas que vão marcar toda a produção cultural brasileira contemporânea sobre a região, tanto do ponto de vista sociológico, quanto artístico. É a descoberta do “outro” Nordeste. Contudo, o diferencial da literatura de Dantas é que este “outro” é moldado por uma carpintaria reveladora da sociedade, desprezando a ideologia romanesca presente na geração de 1930, que só percebia a exploração humana nas relações de classe entre patrão e empregado.

Na prosa romanesca brasileira a temática do cangaço serviu de inspiração literária como são os casos do pioneiro livro O Cabeleira, de Franklin Távora, passando por Coiteiros de José América de Almeida, Os Cangaceiros e Pedra Bonita, de José Lins do Rego, Seara Vermelha, de Jorge Amado até chegar ao magistral livro de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. Maria Isaura Pereira de Queiroz já havia alertado que a utilização do cangaceiro como tema artístico desempenhou uma função semelhante ao índio para o romantismo na literatura brasileira, na medida em que, a partir da última grande guerra, aquele personagem passou a se constituir em símbolo da nacionalidade.

Para ela, o cangaceiro possibilitava o debate sobre as transformações de uma socidade tradicional em sociedade de classes, ao mesmo tempo em que fornecia uma compensação psicológica aos oprimidos diante das camadas superiores opressoras (QUEIROZ, 1975, p. 514). Neste sentido, o mito do cangaço servia para salientar características que lhe sejam úteis para reforçar a solidariedade interna das coletividades e para distinguir uma das outras as sociedades globais e, internamente, os grupos que as compõem. Os símbolos são, antes de mais nada, brumosos e ambíguos. São estas condições, porém, que lhe permitem captar e expressar os rumos essenciais e profundos do sentir coletivo (QUEIROZ, 1991, p. 68).

Aqui encontramos como elemento fundamental das narrativas históricas e literárias a ambiguidade do cangaço num movimento pendular entre fato histórico e projeções coletivas, favorecendo a leitura mitológica do fenômeno social e construindo certa memória coletiva sobre o Nordeste brasileiro.

Por exemplo, a diabolização e a idealização de Lampião moldaram essa memória, fornecendo um instigante campo de pesquisa, ainda inexplorado, da compreensão do funcionamento dos imaginários sociais e seus mecanismos de apropriação de acontecimentos históricos. Aqui o cangaceiro pode ser representado como um símbolo contraditório associado a múltiplas representações que vão do bandido sanguinário ao bandido social, do justiceiro ao mau-caráter sem escrúpulos, tornando-se, portanto, aberto a várias ressonâncias (SILVA, 1996).

Dialogando com esta tradição literária, Francisco Dantas, em Os Desvalidos (1993), narrou “os tempos do cangaço” em Sergipe, a partir do olhar de Coriolano. O desamparo da personagem sem proteção de coronel demonstra que naquele “tempo brabo”, “pobre não vive sem patrão”. A falta de opção do sertanejo é explicitada na afirmação: “ou se apanha de Lampião ou dos mata-cachorros”, isto é, quando não eram os cangaceiros, era a volante a humilhar o pobre sem patrão (DANTAS, 1993, p. 126, 135).
Como apontou Frederico P. de Mello, na pobreza feita de espinho e pedra do sertão, os jovens que não fossem filho de fazendeiro ou ligado a elite econômica local “restava apenas a alternativa de ser policial ou bandido, uma e outra coisa, aliás, parecendo-se bastante num meio em que a luta diária orientava-se pela sobrevivência” (MELLO, 2004, p. 26).

Assim, a construção do romance mostra outra faceta da memória escrita e da poesia cantada pelo povo, que é a memória daqueles que não se tornaram volantes ou cangaceiros. A relação entre Coriolano e Lampião apresenta-se como ponto nodal para demarcar o espaço e o tempo da narrativa, oferecendo diferentes vozes para o relato ambíguo do mito de Lampião.

Não podemos esquecer que a literatura de cordel colaborou, decisivamente, na construção deste mito, seja produzindo uma “apologia do cangaço”, seja efetuando uma “diabolização” do cangaceiro (SILVA, 1996). Inclusive, ecos da influência da literatura de cordel na construção narrativa do romance podem ser percebidos em referências aos versos de Gomes de Barros tirados por Filipe e lembrados por Coriolano. Ou ainda quando este personagem sonha em ser cordelista, mas “fecha a livralhada, que é muito difícil conciliar leitura com algum trabalho duro que se converte em dinheiro, e se volta a montar um fabrico de bombom de mel de abelha” (DANTAS, 1993, p. 26 e 29). Entretanto, a prosa romanesca de Dantas constrói uma moldura complexa do mito de Lampião.

De um lado, o cangaceiro aparece como sinônimo da violência gratuita do prazer em matar, em que emerge a associação à animalidade, como é o caso da afirmação de que “Lampião é um bicho sem medidas”, “se encrespa todo como uma cobra para o bote”. Ou ainda o “besta-fera é envultado, tem o corpo fechado pelo poder da reza do santo de Juazeiro” (DANTAS, 1993, p. 202 e 132). Nestes trechos da narrativa o cangaço é destituído de qualquer conteúdo social, é produto de ‘um instinto’ quase animalesco (...). Escondem-se os motivos sociais do cangaço, procurando minar a solidariedade popular e denunciar o apoio dos coronéis tradicionais a tal prática (ALBUQUERQUE, 1999, p. 127).

Paradoxalmente, na narrativa também é realçada uma descrição crítica do funcionamento do coronelismo à época de Lampião, mostrando o comprometimento dos poderosos coronéis com a vida criminal dos seus jagunços: Quanto mais graúdo e mais gabado é o nome de um coronel, mais ficam encobertas as armadilhas e patifarias que os jagunços cometem com sua permissão, de tal forma que, botando assim outros culpados pela frente, o manhoso se resguarda dos crimes que financia, e vai vivendo sem que lhe cobrem um só pingo das vilezas semeadas, cada vez mais honradão das larguezas e canduras, engordando a própria fama a desacatos de tamanha impunidade! (DANTAS, 1993, p. 150-1).

Neste sentido, encontramos um olhar mais humano de Lampião, em que a cultura sertaneja abonava o cangaço, como pode ser visto na passagem que o romancista afirma que ele “é um estranho rei corrido e engendrado pela penúria de seu próprio povo” (DANTAS, 1993, p. 15). Lampião aqui aparece como produto do meio, como herói vingador construído pela literatura de cordel e pela memória popular, em que aparece como uma forma rudimentar de agitação social. Na própria fala de Coriolano percebe-se alguma feição de gente quando comenta que “Virgulino metia medo também a esses ricaços malvados” (DANTAS, 1993, p. 80).

Registre-se ainda neste processo de humanização dos cangaceiros a entrada das mulheres nos bandos de cangaceiros, modificando alguns comportamentos. Para Coriolano, foi o encontro com Maria Bonita que o fez amolecer o coração. “Na roda da saia dela, Virgulino bem sabe que virou outro” (DANTAS, 1993, p. 186).

Mas talvez o que mais chame atenção na caracterização de Lampião, nos dois livros analisados, seja a menção à crença no seu “corpo fechado”, constituindo-se no quadro de crendices e superstições comuns ao catolicismo rústico. Inclusive, Coriolano, com receio de ser boato, não explodiu em alegria pelo medo que sentia de Virgulino:

A notícia chegou indagorinha trazida de Boquim, onde o trenzinho, de ordinário a chocalhar atrasado,
cochilando o ano inteiro pelos trilhos, rompeu hoje estabanado na frente do horário, resfolegando fuligem,
estalido e fumaçada, pra espantar mais cedo a morte daquele que ainda trasantontem era gabado por ter o
corpo fechado (DANTAS, 1993, p. 12). 

Em Cabo Josino Viloso, a dimensão desta crença popular na existência do “corpo fechado” de Lampião, por conta de suas rezas fortes presentes no seu embornal, é mencionada pela coragem do personagem em enfrentar à população de Alvide: “[...] Ou é doido varrido... ou anda munido de oração forte contra faca, chumbo e pancada” (DANTAS, 2005, p. 48).

Esta crença do “corpo fechado” de Lampião foi encontrada nas recentes viagens pelo sertão nordestino por parte de Camelo Filho, identificando na literatura de cordel versos que aludem à ideia de corpo fechado, que é uma marca registrada do imaginário do sertanejo. De um modo geral, Padre Cícero e Nossa Senhora das Dores aparecem na maioria das orações rezadas pelos cangaceiros, aparecendo como “protetores divinos” do grupo (CAMELO FILHO, 2001, p. 130 e 135).

No mesmo sentido, Max Silva D’Oliveira reiterou a devoção de Lampião a santos da Igreja Católica, mas também a Padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte/CE. Com base nas afirmações de Piragibe de Lucena, o autor também comenta que Lampião sempre trazia consigo orações de corpo-fechado, bem como orações de São Gabriel, São Paulo, São Pedro, São Jorge, Santa Luzia, São Thiago e a Virgem Maria. Além das orações, D’Oliveira também afirma que assumiu como obrigação dar “esmolas para os necessitados, o respeito aos padres e aos velhos, demonstrando através do pedido de benção por parte do cangaceiro” (D’OLIVEIRA, 1999).

A personagem Josino Viloso também compartilhava, como os cangaceiros, da fé em São Gabriel, que era invocado sempre que a ocasião beirava ao perigo: [...] “beija o escapulário e outros amuletos pendurados no pescoço, balbucia jaculatórias, pedaços de salmo, ladainhas, chama por São Gabrié. Tange as mãos aos esconjuros” (DANTAS, 2005, p. 30).

A menção indireta à figura de Lampião na narrativa novelesca de Cabo Josino Viloso demonstra que o banditismo e pela violência endêmica das lutas entre famílias e clãs caracterizavam o sertão baiano à época e que o estado de guerra permanente fazia com que a manutenção da ordem fosse baseada no exercício da força. A ausência de agências de representação do poder público tornava a cidade de Alvide, lugar marcado pela violência, onde somente “acolhe cria de cobras, de lacraias e de onças. Não há lugar para um cristão” (DANTAS, 2005, p. 35).

Em sua menção à Lampião, o escritor expõe a presença do medo que o bandoleiro impunha nos sertões baianos daquele momento, quando afirma que daquele “armamento tão monstro nem Lampião escapava!”. “Se topa comigo... tava lascado” (DANTAS, 2005, p. 82).

Por ser objeto e a razão do mito nacional, o sertão tem sido preservado no imaginário e na vivência concreta dos brasileiros, ao longo da história do Brasil, como pode ser percebido nas narrativas literárias de Francisco J. C. Dantas. Deste modo, o diálogo entre literatura, história e memória pode ser lido tanto ao nível das relações familiares, nos gestos desempenhados no cotidiano, nos hábitos enraizados, quanto em sua complexa mistura de supressão e de recriação do passado que, apesar do seu caráter fundamentalmente transformativo, permite conservar o essencial da recordação sobre o passado sertanejo.

Portanto, estes dois livros analisados constituem-se em material precioso para o debate histórico e
sociológico do Nordeste na primeira metade do século XX, na medida em que, ao se propor ao “desafio
de compor as vozes da cultura popular em acordes próprios de escritor culto”, como afirmou Alfredo Bosi
(Apud DANTAS, 1993), o autor lança novas luzes sobre a temática do cangaço, fundindo, numa perspectiva pós-moderna, a história e a ficção, no sentido de expor a ambiguidade da trajetória de Lampião
no imaginário social nordestino. Aqui a ficcionalização do cangaceiro serve como ponto de partida para
a revisão da própria história brasileira, ao trazer à baila sua dimensão humana (SOUZA, 2007, p. 98).

Entretanto, para compreendermos tais livros não podemos tratá-los apenas como documentos históricos, sociológicos ou antropológicos, mas como “obras de arte literárias”, pois estabelecem um diálogo crítico com a tradição literária sobre o cangaço no Brasil, elaborando uma rica “reflexão sobre a literatura e o fazer literário, em suas dimensões cultas e populares” (PIRES, 2005, p. 64).

Referências 

ALBUQUERQUE, Durval M. de. A Invenção do Nordeste e outras artes. Campinas/SP; Recife/PE: Cortez/Fundação Joaquim Nabuco, 1999. 

ALVES, Francisco José. Os Sertões como obra historiográfica. In: Cadernos UFS: História. São Cristóvão/SE, v. 3, n. 4, jan./ jul. 1997 (Canudos 100 anos). 

Revista Mosaico, v.3, n.1, p.103-109, jan./jun. 2010 109 

AMADO, Janaína. Construindo mitos: a conquista do oeste no Brasil e nos EUA. In: PIMENTEL, S. V. &  

AMADO, J. (orgs.). Passando dos limites. Goiânia: Editora da UFG, 1995. 

CAMELO FILHO, José Vieira. Lampião: O sertão e sua gente. Campo Grande/MS: Editora da UFMS, 2001. 

CARDIM, Pedro (org.). Cursos da Arrábida: A História: Entre Memória e Invenção. Lisboa: Publicações Europa-América/ Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. 

D’OLIVEIRA, Max Silva. O cangaço e a religiosidade de Lampião. In: Caos: Revista Eletrônica de Ciências Sociais. João Pessoa,Universidade Federal da Paraíba, n. 0, dezembro de 1999 (endereço eletrônico: . Acesso em: 11.02.2009. 

DANTAS, Francisco J. C. – A Lição Rosiana. In: SCRIPTA. Belo Horizonte, v. 5, n. 10, p. 386-392, 1o semestre 2002. 

DANTAS, Francisco J. C. – Os Desvalidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 

DANTAS, Francisco J. C. Cabo Josino Viloso. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005. 

DAVALLON, Jean. A Imagem, uma Arte da Memória. In: ANCHARD, Pierre [et. al.]. Papel da Memória. Campinas/SP: Pontes, 1999. 

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 

MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil. 2. edição. São Paulo: A Girafa, 2004. 

PIRES, Antônio Donizeti. Coivaras, Palimpsestos & Novas Lavouras. In: Terra Roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários. Vol. 5 (2005), p. 62-76 [p. 64]. Capturado no endereço eletrônico: . Disponível em: 11.02.2009.  

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História do Cangaço. 4. edição. São Paulo: Global, 1991 (Coleção História Popular, n. 11). 

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Notas Sociológicas sobre o Cangaço. In: Ciência e Cultura. 27 (5), maio de 1975, p. 495-516. 

SILVA, Patrícia Sampaio. Le symbole et sés diverses résonances: analyse de l’historiographie du Cangaço. Revue Histoire et Société de l’ Amerique Latine. Paris, Amérique Latine: Expériences et Problématiques d’Historiens (A.L.E.P.H.)/Université de Paris 7, n. 4, maio 1996. 

SOUZA, Wagner de. Entre a fé cega e a faca amolada: representações ficcionais do cangaço. Curitiba: Curso de Pós-Graduação em Letras/UFPR, 2007 (Tese de Doutorado).
  
Fonte:  Revista Mosaico


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O ESTADO DE SÃO PAULO, EDIÇÕES DE 18 E 19 DE OUTUBRO DE 1969.

Encontro histórico de ex-cangaceiros 

Transcrição de Antonio Correia Sobrinho


Eis o que restou do cangaço

“Sila saiu correndo, agachada. Uma bala acertou a cabeça de outra mulher, espirrou miolo no vestido de Sila; maldade, ela só tinha 15 anos. Depois, foi muito tiroteio, finado seu Rastejador também morreu. Vi Lampião pondo sangue pela boca. Um dia, resolvemos entregar, cangaço acabou, mas só acabou mercê da traição de cangaceiros que ajudaram as Volante, contavam os pontos da gente”.

Balão ajeita a gravata, no aeroporto de Congonhas. Ele, cangaceiro do bando de Lampião, hoje batedor de estacas para fundações de prédios, está com os companheiros esperando dona Expedita, filha de Lampião, Vera, neta do cangaceiro, e mais Labareda e Saracura. Todos vão reunir-se em São Paulo para o lançamento de “As táticas de guerra dos cangaceiros”, de Christina Matta Machado.

O livro vai ser lançado dia 24, a partir das 16 horas, na Aliança Francesa, rua General Jardim, 172.

Saudade 

Quando o cangaço acabou e o governo deu anistia, a Polícia separou os cangaceiros: cada um teve que ir para um lado. Faz muito tempo que vários moram em São Paulo, mas não sabiam. Só quando Christina começou a procurá-los é que eles ficaram sabendo dos velhos companheiros, puderam se reunir para relembrar os causos de então. Ontem, em Congonhas, estavam vários deles, esperando os outros. Estava Marinheiro, um ano de cangaço, hoje funcionário da Caixa Econômica Estadual; estava Pitombeira, 3 anos de bando, entrou para não ser morto pela Polícia, hoje funcionário da Prefeitura. Estava também Criança, 7 anos de lutas, a glória de enfrentar sozinho, por duas horas, a Volante, para deixar o bando escapar. Criança, hoje, vende tomate como ambulante.

Em Congonhas estava também Sila, mulher de Zé Sereno que não pode ir (está com a perna engessada) e estava Dadá, apoiada na muleta. Sua perna direita ficou no sertão, crivada de balas de metralhadora, da mesma arma que matou seu marido, Corisco, que ela atentava defender. Estava em Congonhas o Balão, acompanhado de cinco de seus 8 filhos e contando para todo mundo que até hoje é solteiro. Balão, alegria do bando, tocador de sanfona, o mais valente de todos, mostrou ontem que não mudou. Ele foi piadas o tempo todo, mesmo quando tirou os sapatos e a meia por causa de um ferimento no pé que “tá ameaçando arruinar”.

Visitas

Até o dia 24, os cangaceiros vão visitar São Paulo, conhecer coisas novas, principalmente os que vieram de longe que a Varig trouxe de Sergipe e Alagoas. Ele irão ao Ibirapuera, a cinemas, restaurantes, serão entrevistados e aguentarão as luzes fortes da televisão, e queiram ou não vão acabar entendendo que hoje eles são gente importante, que apesar dos crimes que cometeram e talvez mesmo apenas por isso, eles passaram a ser história, são uma página da vida do Brasil.

Para contar a história do cangaço, Christina viajou quase todo o Nordeste, pesquisou em 34 municípios e se tornou amiga daqueles homens. Com os dados que colheu, escreveu o livro e vai defender tese em História, sob o tema “Cangaço, aspectos socioeconômicos”.

Morrer apanhando ou ser Cangaceiro

Embora arrependidos de terem sido cangaceiros, os cabras de Lampião dizem que não havia saída. Balão conta que a Polícia batia em todo mundo, para que contasse o paradeiro do bandido, muitas vezes, matava. Um companheiro dele teve que servir de cavalo para um soldado com esporas. Por isso, “quem não queria morrer apanhando tinha que ir para o cangaço”. Balão, entretanto, foi para o sertão por outro motivo. Engraçou-se – diz ele – com uma menina amiga de Lampião e alguns homens do bando quiseram matá-lo; ele fugiu com outro grupo e, depois, quando esse se uniu com o de Lampião, “a intriga foi esquecida”.

Pitombeira fugiu porque um irmão e um “primo carnal” foram mortos pela Polícia, que tentava fazer com que contassem onde estava Lampião. Ele ia ser morto também e fugiu.

O final 

Para todos, o fim do cangaço foi a morte de Lampião, o líder que teve até 260 homens sob suas ordens. Quando ele morreu, o bando que chefiava tinha '36' e 11 ficaram “naquela jornada”. Havia muitos antigos colegas que ajudavam a Polícia e, por isso, fugiram todos para Sergipe, estado amigo, para combinar a “entregação ao governo”.

Balão conta como foi a fuga, “a volante matou Lampião, tive tempo só de pegar embornal de subsistência e de bala e quando a metralhadora engasgou passei no meio dos macacos, fugi. O Presidente tinha espalhado aviso em toda fazenda, para entregar, que ele garantia a vida. Fomos para Sergipe e resolvemos – Juriti, Criança, Marinheiro, Pitombeira, eu – arriscar olho e mandamos avisar o cabo Miguel da volante, que viesse conversar, com três soldados, fuzil de boca para baixo. Ele veio, ficamos amigos, mas 300 praças de outra polícia cercaram o bando, tivemos que fugir para a fazenda Cuiabá, onde dançamos com a volante e bebemos oito dias sem parar. O capitão Aníbal, que trazia a ordem do governo, mandou fechar os portos das Alagoas, para que a polícia que queria matar a gente não entrasse em Sergipe”.

O caminho

“Começou então o caminho da entrega. Mas era duro, tinha tropa do capitão Aníbal, amiga, garantia a vida, tinha a tropa inimiga, queria matar a gente. Fomos ao Araticum, a Porto da Folha, a Monte Belo, mas, quando cheguei no Caveira, mataram quatro cabras meus.

Foi traição dos sergipanos e tivemos que brigar ainda no Pinhão. Só conseguimos achar o capitão Aníbal em Serra Negra, para entregar as armas. Não, ninguém foi preso, a gente ficava no quartel só na hora da troca de expediente e todos entregamos por livre e espontânea vontade. Cada dia chegava mais cangaceiros. Poucos foram mortos, como Juriti, na faca, quando era guarda-freio e estava regenerado. Depois, cada um foi para um lado, ninguém viu mais ninguém. Eu, fé em Deus, sou muito feliz.”

Ideologia

É Pitombeira quem fala, muito sério: “Hoje falam de subversivo, dizem que a gente era guerrilheiro, socialista; não era não. Nós só queríamos o bem, andar longe da Polícia, só atirava quando atacado e matava muito, muito menos do que o cinema tenta contar em filme de cangaceiro. Nós não fazíamos maldade com sertanejo, tinha que viver sem ódio no coração, tinha que ser amigo de todo mundo, se não estava perdido.

É, é verdade que quando não davam o que a gente pedia, tinha que tirar à força, mas não era comum.

História de usar banha de gente para lubrificar parabelo, mentira é que é. Nunca faltou o óleo nem a lixa para tirar ferrugem. Arma também tinha muita, os fazendeiros davam, se não nós perseguíamos.

Tinha fuzil, mosquetão, rifle, parabelo, mauser, tudo calibre grande, 7 milímetros, 30, 38. A gente atirava no ombro, apertando bem para não dar tranco ou, quando a coisa apertava, apoiava no braço, mas muito raro atirar de cima do cavalo. As balas, também, não ficavam, furou meu braço aqui, a perna do Balão, o ombro do Marinheiro, mas era bala boa, de fuzil, entreva e saia do outro lado, tudo bala bonita, de aço, niquelada”.
- “Mas esse tempo passou, hoje é diferente, vivo com a família em São Paulo, faço economia, gasto muito pouco, tenho três casinhas aqui.”

Paulo Afonso, a morte do Sertão

Faz alguns anos, Pitombeira voltou ao sertão. Hoje, ele não reconhece mais aquilo, nada é como onde nasceu.

“Paulo Afonso, a usina, ela matou o sertão. Hoje, não teria mais cangaço nem guerrilha, nem nada. A Usina de Paulo Afonso devorou o sertão, está comendo a caatinga, pondo civilização; muita gente sabe ler, as fazendas são diferentes, caminhão anda por tudo, tem televisão, tem pontes, tem luz chegando a todo lugar. O meu sertão, o sertão de Lampião, do cangaço, ele não existe mais.

Não há mais precisão do cavalo para a caatinga, nem o culote, meia sobre a calça, alpercata, não existe nem mais o chapéu bom para fazer chapéu de cangaceiro. Bem que em São Paulo eu vi uns que serviam, mas não é como no cinema; a gente usava chapéu de couro, bem macio, de camurça enfeitado. Comia a carne seca, às vezes um cabrito ou o boi dos outros, matando na bala”.

Maria Bonita

Do outro lado do saguão do aeroporto, Balão está fazendo graça, dizendo que cava tão fundo para cravar estacas que algum dia acha um japonês do outro lado do mundo. Dadá, mulher de Corisco, olha para ele, comenta com uma amiga: “Piada sim, mas valente, isso é uma fera”.

Balão fala ainda. “Eu brincava com Maria Bonita, lutava com ela, derrubava, rolava no chão. Lampião ria, dizia para a gente não zangar, para não dar briga. Nem parece que faz tempo que ela morreu com Lampião, pondo sangue pela boca. E hoje, eu tenho 60 anos, não tenho mais bala no corpo, o chumbo tiraram em São Salvador.

Doença? Não, cangaceiro nunca adoece, não carecia de médico. Só agora, em São Paulo, cavando um poço de estaca na Consolação é que bebi água sem saber que tinha suco do cemitério. Passei doze dias vomitando sangue, mas, no sertão, nunca adoeci. Duro era ver companheiro ferido, sabendo que a polícia degolava, implorando me leva, e não poder”.

Mulheres 

Criança também tem lembranças, fala das mulheres. “Tinha pouca mulher no bando, só dos chefões, ninguém mais queria, mas era valente, brigava junto com a gente. E tudo respeitava, respeitava mesmo, muito mais que aqui, em São Paulo”.

O avião está atrasado, os descendentes de Lampião demoram a chegar. Vera, com 14 anos, quer estudar medicina, espera que São Paulo lhe arranje um dia uma bolsa. Sua mãe mal conheceu os pais; criança ainda, foi entregue a um fazendeiro para criar. Lampião não gostava de criança no bando, ficava bravo quando um cabra apresentava sua mulher, de 13 ou 14 anos, perguntava se ia criar.

Pitombeira está falando de novo, achando difícil entender o que quer dizer o objetivo final.

Cangaceiros, sem remorsos

Os cangaceiros não dizem, mas, pela sua conversa, por suas histórias, eles não estão muito arrependidos de seus crimes. Acham que fizeram as coisas certas. Na hora de denunciar quem lhes vendeu as armas, dizem “que não se cospe no prato em que se come”. São desconfiados: na hora de dizer o nome verdadeiro, relutam muito.

Lampião era um grande líder. Representava a luta contra a opressão dos fortes, os fazendeiros da época. Essa é a opinião de Balão, Zé Sereno, Labareda, Criança, Dadá e Marinheiro. As histórias de cangaceiros são sempre iguais, só o começo é um pouco diferente. Todos se dizem injustiçados, fugidos da arbitrariedade da polícia. Acabaram na vida de crimes por consequência da situação que enfrentavam. Ninguém teve culpa. É o caso de Lampião, contado por Balão, ou Guilherme Alves. Esse cangaceiro afirma ter sido amigo e confidente do cabra Lampião:

- Lampião era comboieiro – pessoa que toca a tropa de burros de uma cidade para outra, vendendo mercadorias. Um dia, ele vortô pra casa e encontrô a famia morta. Foi uma outra famia, os Fulô. Lampião ficô revortado e entrô no grupo do padre Luiz Pereira Fagundes. Depois ele passó a liderá o grupo. Muitas vêis eu ouvi ele falá que ia se entregá pra poliça. Mais tudo mundo tirava isso da cabeça dele: se ele se entregasse, era homi morto.

Depois, Balão conta que o que estragava a moral do cangaceiro era a fama que eles tinham, quase sem culpa. Os jornais falavam mal do cangaceiro – que só queria viver, sem se sujeitar à opressão dos “coronéis de fazenda”. Para isso, é que os homens se internavam na caatinga. Geralmente, fugiam para o interior acuados pela polícia, a “volante”, por terem se insurgido contra alguma injustiça. Às vezes, eram apanhado pela “volante”, que os torturava para descobrir os cangaceiros. Eles eram obrigados a fugir e, para não morrer, matavam como cangaceiros.

E o cinema, Balão, você assistiu aos filmes de cangaceiro?

- Sisti, tudo mintira, elis qué imitá, mais num consegue.

Balão viu a morte de Lampião, viu quando o amigo tombou de costas, varado por diversas balas.

Existem algumas hipóteses segundo as quais o cangaceiro teria sido morto com veneno.

O sangue de Lampião saía, pelo nariz e pela boca. Balão fugiu do lugar. Posteriormente, ficou sabendo que os “volantes” cortaram-lhe na mesma hora a cabeça e a de Maria Bonita. Consta inclusive que ela teria sido decapitada ainda viva, pois seu ferimento não era dos piores.

- Ninguém morre de um tiro só.

Quando Balão fugiu, com o seu grupo, mandou um rapaz saber se Lampião tinha sido salvo. O rapaz voltou com fotografias das cabeças do cangaceiro e sua companheira. Os volantes decapitaram-nos e colocaram as cabeças em latas com vinagre e sal. Levaram depois essas latas pelas cidades, para intimidar o povo.

Zé Sereno, ou José Ribeiro Filho, perna quebrada, bengala. Ele conta que comprava suas armas de muita gente, até de “coronéis”. Pagava 600 cruzeiros por um mosquetão e 2 cruzeiros (antigos) por uma bala.

Mas o cangaceiro não podia fazer suas compras com a mesma tranquilidade de quem entra no armazém. Ele não podia se arriscar. Por isso, utilizava os serviços de um coiteiro. Era a pessoa encarregada de fazer as compras dos cangaceiros.

Zé Sereno, você pode dizer quem lhe vendia as armas? Não moço, num mi peça isso, tem muita gente viva lá ainda, num quero cumplicá ninguém.

Dadá, a mulher de Corisco, ouve a resposta de Zé Sereno e comenta:

- Num si cospe no prato que si come.

Isso mostra que, passados muitos anos das lutas, dos crimes e de toda aquela epopeia sangrenta, eles ainda continuam acreditando no que fizeram, não achando errado. Num si cospe no prato qui come diz Dadá, que é Sérgia da Silva Chagas, a mulher de Corisco.

Criança, ou Vitor Rodrigues Lima. Outrora uma fera; ontem, de terno e gravata, passou carregando uma criança no colo. Foi gozado, disseram-lhe: ao que chegou um cangaceiro, a pajem de criança.
Labareda, ou Ângelo Roque, 65 anos, parece muito mais velho. Quase não fala. Seus companheiros falam mais do que ele. Suas palavras são difíceis de ouvir, está muito velho. Mesmo assim, ele é muito objetivo, não gosta de muitos detalhes. Até repreende seus companheiros, quando estes contam suas histórias e se perdem nas minúcias. Marinheiro não fala nada, até o nome certo não quer dizer. Finalmente diz, é Antônio Paulo dos Santos.


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