O cangaço é um
tema histórico que em sua longa extensão, ocorrido em três séculos, talvez por
isso mesmo, esteja repleto de mistérios, enigmas, contos e controvérsias.
Na atualidade, com pesquisadores mais capacitados em técnicas científicas,
pesquisas de campo e bibliográficas, fazendo as devidas confrontações, os
desdobramentos nos são revelados com uma melhor clareza e lógica.
Nas literaturas mais antigas vemos narrações, citações, que, nem querendo,
podemos dar créditos. E aquelas atuais que as seguiram, baseando-se nas mesmas,
sem confrontamentos, infelizmente, também seguiram as veredas do “conto de
fadas”, da utopia, do ilógico...
O Cangaço, tema polêmico de um Fenômeno Social, foi um fato histórico por
demais importante, principalmente para Região Nordeste, onde se integra, vez
por outra, em ou com fatos da história nacional, da história brasileira com os
brasileiros ou estrangeiros que fizeram parte da mesma, onde o mesmo surgiu no
litoral, e aos poucos foi migrando para o interior dos Estados. Procuramos, na
medida do possível, levar aos amigos e/ou deixar para as futuras gerações a
narração dos fatos, se não verdadeiros, porém, almejamos estar o mais próximo
possível dela, da verdade.
Cito aos amigos, através desse texto, mais um caso polêmico ocorrido nas
veredas da saga cangaceira. O próprio pesquisador/historiador, homem culto, honesto
e sincero em seus livros, textos, palestras e documentários, nos faz ciente de
que prova para ele, só com os depoimentos de inúmeros familiares das pessoas
envolvidas, ou seja, não há um documento comprobatório.
“(...) A história que revelarei a seguir é bastante polêmica e se você, leitor,
me perguntar por provas, eu não poderei apresenta-las; o máximo que poderei
dizer é que os personagens citados abaixo, ainda estão vivos e que seus relatos
são verdadeiros e valiosos (...)”. (A Trajetória Guerreira de MARIA BONITA – A
Rainha do Cangaço” – LIMA, João de Sousa. 2ª edição, 2011)
Em um Povoado chamado Xingozinho, reside um cidadão de nome Manuel Maria dos
Santos, o qual é conhecido por todos daquela ribeira pela alcunha de Nequinho.
Nequinho é primo de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, Rainha do Cangaço.
O pesquisador defronta-se com esse cidadão após inúmeras visitas, em diversos
lugares, com pessoas ligadas, de alguma forma, a saga do Cangaço. Entrevista
primos, irmãos, tios, afilhados etc., da personagem principal do livro e por
fim, a pessoa citada.
O Sr. Nequinho respondeu ao pesquisador, quando o mesmo lhe pergunta sobre os
irmãos gêmeos de Maria Bonita, da seguinte maneira:
“(...) Irmãos não! O Ananias que tem o apelido de Pretão, não é irmão de Maria
Bonita! Ele é filho dela e de Lampião! (...).” (Ob. Ct. Pg 68).
O entrevistador, com toda certeza do mundo, ficou muito atônito com o ‘estouro
dessa bomba’, relato de um segredo muito escondido por toda a família, em seus
ouvidos. Evidentemente que a pergunta seguinte era como poderia aquele senhor
saber d’um fato desses?
E ‘seo’ Nequinho não se fez de rogado, continuou sua narrativa:
“(...) Tem um sítio chamado Baixa Fria que fica aqui próximo do Povoado Rio do
Sal e que, na época do cangaço, era um dos grandes coitos de Lampião. A Baixa
Fria (o sítio), era administrada pelo senhor Mané Chiquinho, filho do famoso
coiteiro Odilon Café, do Povoado Sítio do Tará. Por várias vezes, Lampião
deixou Maria aos cuidados do Mané Chiquinho, enquanto os cangaceiros faziam
algumas viagens. Mané foi a principal prova de que Ananias era filho de Lampião
e Maria Bonita, pois foi na Baixa Fria que Dona Déa (mãe de Maria) foi pegar a
criança para criá-lo (...)”. ( Ob. Ct. Pg 68)
Dona Deia mãe de Maria Bonita
Sem pestanejar, nem tão pouco dar tempo ao pesquisador de assimilar, com
clareza, suas revelações, Nequinho prossegue tentando fazer com que o
entrevistador faça, crie, duas imagens distintas em sua mente, uma do Ananias,
o conhecido por todos por “Pretão” e, a outra, do suposto irmão gêmeo, o
Arlindo.
“(...) Você pode prestar atenção, Ananias é alto e moreno, até seu apelido é
Pretão e o Arlindo é baixo e alvo (pele clara). Um dos gêmeos nasceu num dia e
o outro um dia depois. Você já viu gêmeos tão diferentes? Pode perguntar às
pessoas mais velhas aqui próximo que elas vão te contar o que eu estou dizendo
(...).” ( Ob. Ct. Pg 68)
Lógico que o pesquisador/historiador diante de uma revelação tão importante,
não poderia deixar de ampliar suas pesquisas sobre a mesma. Retorna para a
cidade em que reside, Paulo Afonso, e começa a escutar, por diversas vezes
aquela narração. Faz um planejamento e parte em busca de saber mais sobre esse
fato.
Determinado, logo no dia seguinte retorna ao Sítio Tará, pois já havia visitado
o mesmo várias vezes, e procura o senhor Osvaldo Martins de Sá, filho do grande
coiteiro do “Rei dos Cangaceiros”, Odilon Café, e que, naquela região, todos o
chamam de Osvaldo Café. Aproveitando o ensejo, sai à procura de mais alguém e
topa com dona Olindina Café, irmã de Osvaldo, e os dois confirmam o que disse o
senhor Nequinho. Não satisfeito ainda, o pesquisador sai em busca de mais
alguém. Conhece o senhor Manuel, filho de Mané Chiquinho, que era administrador
da fazenda Baixa Fria na ocasião do acontecido, tendo sido seu pai a entregar à
criança a mãe de Maria Bonita, dona Déa, que também confirma o fato descrito
por Nequinho. Tendo esses relatos/depoimentos em mãos, o vaqueiro da história
entra na lasca do mundo em busca de mais confirmações. O fato era muito
importante e inédito, carecendo de uma total dedicação da parte dele.
Na sua busca por mais respostas, chega à Malhada da Caiçara, terra natal de
muitos daquela família. Procura um cidadão casado com a prima e amiga de Maria
de Déa, a Maria Bonita, chamada Maria Rodrigues.
“(...) Na Malhada da Caiçara conversei com o senhor Firmino Martins dos Santos,
apelidado de Firmo e que havia casado com a grande amiga e prima de Maria
Bonita, a senhora Maria Rodrigues (...).” (Ob. Ct. Pg 69)
Firmo confidencia ao pesquisador que, sua sogra, Ursulina Pereira da Silva, que
era tia do pai de Maria Bonita, Zé Felipe, tinha lhe falado por inúmeras vezes
que Ananias, um dos gêmeos, o mais alto e de cor morena, era, realmente filho
de Lampião e Maria Bonita.
Zé Felipe pai de Maria Bonita
Ainda insatisfeito João resolve ir a outros lugares em busca de mais afirmações
ou negativas sobre esse fato. Tendo ao seu lado, dessa vez, outro grande
vaqueiro da história, Luiz Ruben F. A. Bonfim,
e um dos irmãos de Maria Bonita, o senhor Ozéas Gomes de Oliveira, parte rumo a
Santa Brígida, para falarem com o senhor Lindoaldo Alves de Oliveira, que era
conhecido por todos como Lino. Esse senhor além de um dedicado estudioso sobre
o tema é uma verdadeira fonte de informações. Por intuição, ou mesmo por já
saber das intenções dos pesquisadores, o senhor Lino diz:
“ – Você quer saber sobre os dois irmão gêmeos de Maria Bonita, o Arlindo e o
Ananias?” - Ele pergunta para João.
“- Sim! São os irmãos mais novos!” – Respondeu Lima.
“- O Ananias não é irmão dela não, ele é filho!” – diz Lino.
Nesse momento, o senhor Ozéas, irmão de Maria, resolve falar, dizendo:
“ – Isso é mentira!”
O senhor Lino, então diz para ele:
“ – Não é não! Ele próprio, o Ananias, quando saía comigo pra gente se divertir
um pouco, quando começa a beber, por diversas vezes me disse que era filho de
Virgolino, pois um dos seus tios havia lhe contado tudo.”
Nessa altura,
os ânimos começam a ficarem exaltados. Por respeito e consideração, João de
Sousa, contorna a situação, mudando o rumo da prosa.
Na sequência da narração, o escritor nos mostra citações de outras pessoas,
inclusive de escritores, do renomado pesquisador/historiador Antônio Amaury, do
escritor José Mutti e suas próprias.
O que aconteceu foi que, coincidentemente, talvez por obra do destino
protegendo um ser que nasceria algumas semanas depois, Maria de Dé e dona Déa,
engravidaram na mesma época. Uma pariu uma criança e, no outro dia, vinte e
quatro horas após, a outra pariu outra do mesmo sexo.
Sabedor das perseguições sofridas e, com certeza seu destino, e o da sua prole,
se por acaso descobrissem, Lampião tem a ideia de juntar as crianças, pois
acabara de saber que sua sogra tinha dado a luz uma criança, no dia anterior.
Passa a ideia para sua companheira, que conversa com a mãe, que concorda e põe
o plano em ação... Nas quebradas do sertão.
Fonte/foto “A
Trajetória Guerreira de MARIA BONITA – A Rainha do Cangaço” – LIMA, João De Sousa. 2ª edição,
2011
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