Material do acervo do pesquisador Jose Tavares De Araujo Neto
Aos vinte e
quatro dias do mês de Janeiro de mil novecentos e vinte e três (1923) às
dezoito horas, nesta cidade do Crato, no Paço da Câmara Municipal, presentes o
primeiro suplente de delegado de polícia em exercício, major Raimundo de Moraes
Brito, comigo escrivão de seu cargo, abaixo nomeado, os senhores capitão José
dos Santos Carneiro e o tenente Antônio de Mattos Dourado, ai compareceu, em
virtude de Portaria nesta data, desta delegacia, o indivíduo Ulisses Liberato
de Alencar, de vinte e nove anos de idade, natural do município de Pombal,
Estado da Paraíba, filho legítimo de Francisco Liberato de Alencar, almocreve;
sabe ler e escrever, casado. Interrogado pelos diversos motivos porque se acha
preso, respondeu: “Que residia na fazenda “Estrelo” do município de Pombal,
Estado da Paraíba, tendo se retirado daí no mês de outubro do ano de mil e
novecentos e dezoito (1918), por motivo de questões com o chefe do município,
doutor José Queiroga, vindo residir na fazenda “Trapiá”, município de Milagres,
neste Estado, debaixo da proteção do “major”José Ignácio; que residiu no
“Trapiá”, até o mês de outubro de mil novecentos e dezenove (1919); que durante
o tempo que esteve na companhia de José Ignácio, nunca tomou parte em combates
ou ataques a pessoa alguma, a não ser ter ido deixar a importância de
quatrocentos mil réis (400$000), enviada por José Ignácio a ser entregue a Luiz
Padre e Sebastião Pereira, no lugar São Francisco, no Estado de Pernambuco; que
ao chegar a São Francisco, no dia seguinte ao da sua chegada, foi o grupo
atacado pela força de Pernambuco, morrendo nessa ocasião nove (9) soldados; que
de São Francisco, voltou ao “Trapiá”; que assistiu ao tiroteio, que determinou
a morte de João Flandeiro, sendo autores desse assassinato Sebastião Pereira, Tiburtino,
filho de José Ignácio e José Nogueira; que não sabe se atirou, mas conduzia no
seu bornal sete caixas de balas e que no final do tiroteio, restavam-lhe trinta
balas; que estavam presentes neste tiroteio Sebastião Pereira, Tiburtino, José
Ignácio de Sousa, Raimundo Agostinho, Raimundo Tabaqueiro, Raimundo Patrício,
Patrício de Tal, filho de João Raimundo, Cornélio, vulgo Chico Caixão, ou ainda
Parafuso, José Nogueira Deodato, vulgo Rouxinol, Satyro, vulgo Meu Primo,
Manoel Vaqueiro, Manoel Sant’Ana, Firmino Miranda, Manoel Benedito, Antônio
Dino, vulgo Pilão, José de Genoveva, José Pedro, tendo ainda a presença dele,
respondente; que relativamente ao fogo de Coité, tem a dizer que, estando no
“Barro”, assistiu a saída para Coité, de quarenta e oito homens chefiados por
Sebastião Pereira, Tiburtino e José Nogueira; que o fim principal era, atacando
Coité, seguirem depois pelo município de Milagres e nos lugares circunvizinhos
àquele município forçando assim a força pública a sair de Milagres, para atacar
o “Barro” aproveitando-se o grupo da ocasião, e atacar Milagres; que no “Barro”
existiam duzentos e sessenta (260) homens, todos em armas, prontos a agir
contra a força pública; que a ordem sobre o ataque de Coité era determinação de
José Ignácio de pegarem o Padre Lacerda, obriga-lo a dar trinta contos de
réis........ (30:000$000); que ele, respondente, não assistiu ao tiroteio por
estar doente; que do Coité o grupo dirigiu-se à fazenda “Queimadas” sendo ali
atacado pela força, morrendo o “Pitombeira”; que isto soube por Sebastião
Pereira; que dois dias depois mais ou menos depois do fogo de “Queimadas”, veio
até “Barreiros” o “major” José Ignácio, acompanhado dele, respondente, e mais
outros companheiros; que estiveram em casa do doutor Floro Bartolomeu da Costa,
regressando ao “Barro” no mesmo dia, e que no caminho José Ignácio disse a ele,
respondente, que devido ao acordo havido entre o doutor Floro e Manuel Chicote,
ele, José Ignácio, baixava as armas; que já no “Barro”, José Ignácio, estando
ele, depoente, em casa de Almindo Lourenço, no lugar “Carnaúba” perto do
“Barro”, foi convidado por José Ignácio a fim de ir até a Paraíba, acompanhando
outros companheiros, a fim de, no modo de dizer de José Ignácio, tirar ali as
despesas da questão; que depois de dizer que não podia ir à Paraíba devido aos
motivos atrás alegados, resolveu satisfazer o pedido de José Ignácio seguindo
em companhia de Sebastião Pereira e mais vinte companheiros, à Paraíba, levando
a ordem de José Ignácio, que era a seguinte: que deviam atacar Valdevino Lobo,
Adolfo Maia e Rochael Maia, residentes, o primeiro em Dois Riachos, município
de Catolé do Rocha; o segundo e o terceiro noutras fazendas, perto do primeiro;
quando o respondente e seus companheiros ao chegarem perto e Jericó, foram
atacados por autoridades do lugar, forçando o grupo a entrar no povoado,
fazendo roubos, depredações, etc.; que nesse lugar seguiram para a casa de
Antônio Saldanha, no município de Catolé do Rocha, fazenda “Santana” dormindo
li; que no dia seguinte seguiram fim de atacar a casa de Valdevino; que
chegando adiante uma légua distante da casa de Antonino, Sebastião Pereira
disse a ele, respondente, que a ordem de José Ignácio era fazer o que Santa
Cruz havia feito anteriormente, merecendo isto a aprovação dele, depoente; que
ao chegarem na casa de Valdivino, roubaram, conforme declaração de Sebastião
Pereira, cerca de dois contos e oitocentos mil réis......(2:800$000) e cento e
vinte (120) libras esterlinas, cometendo toda a sorte de depredações; que ele,
respondente, nada tirou desta casa; que sendo separados, dois grupos ficando m
casa de Valdivino, Sebastião Pereira, a fim de seguir atrás, ele, respondente,
seguiu por uma vereda com o plano de passar na casa de Adolfo Maia, de
passagem; que ao chegar em frente da dita casa já encontrou Sebastião ali, onde
já haviam depredado tudo, não sabendo quanto roubaram desse senhor; que ainda
garantiu a vida de Adolfo Maia, que não chegaram a ir à casa de Rochael Maia,
resolvendo o grupo voltar ao “Barro”; que ali chegando no dia seguinte José
Ignácio o recompensou com a importância de duzentos mil réis (200$000); que não
sabe avaliar a quanto montou o roubo na Paraíba, sabendo porém que todo o
produto adquirido na viagem , foi todo entregue a José Ignácio, que, depois de
tudo, refugiou-se em Juazeiro onde passou cerca de dois meses; eu dentro destes
dois meses recebeu um recado de dona Rosa Amélia residente nesta cidade do
Crato, filha do senhor João Alves, por intermédio de José Terto, que ele,
respondente, caso não pudesse vir até esta cidade à sua residência, lhe
mandasse um rifle de oito tiros; que em vista desse recado e por não poder vir
até aqui, mandou o rifle por intermédio do referido José Terto; que tendo ido
ao “Canto do Feijão”, Paraíba, onde demorou quinze (15) dias, regressando ao
Juazeiro recebeu ele, respondente, uma carta da referida prima Dona Rosa
Amélia, convidando-o a vir até esta cidade, que, atendendo ao pedido veio em
companhia de José Terto, desarmado, à noite, chegando cerca das oito (8) horas
da noite, apeando-se ambos em casa da mesma prima; que isto se deu no mês de
Agosto, não se lembrando a data nem o dia da semana; que ali chegando, esta
mesma sua prima lhe declarou que precisava e insistia que ele tomasse a sua
defesa, pois, havia pessoas que dirigiam a ela pilhéria e indiretas motivando
isto ela estar muito mal satisfeita; que a sua prima não chegou a declarar os
nomes das pessoas de quem ele, respondente, devia se vingar; que sabe que eram
duas, e que tinham sido sócios de seu marido a quem conhece por Nênêm; que a
mesma sua prima nunca lhe declarou os nomes dessas pessoas; que ele,
respondente, esteve em casa de Dona Rosa Amélia seis vezes, dizendo ela todas
as vezes que a ocasião era quando passassem as pessoas em frente à casa dela, e
quando dirigissem pilhérias, ele, respondente, sair e dizer aos mesmos que não
deviam fazer aquilo, pois podiam se dar mal, de outra vez; que o plano de Dona
Rosa Amélia e seu marido era invadir a casa de negócio do Senhor Antônio
Fernandes, retirar da mesma um dinheiro, que diziam a eles pertencer, sendo
autor, dessa empresa ele, respondente; que José Terto estava nesta ocasião
dizendo, depois a ele, respondente, que há tempo já havia sido convidado para
tal empresa, escusando-se o mesmo José Terto de isso fazer; que da casa onde se
hospedava, Rosa Amélia mostrava quase em frente uma casa grande, que dizia ser
de uma pessoa sua inimiga rica e que era muito fácil de roubá-la; que não se
lembra do nome deste, mas sabe que essa pessoa é farmacêutico nesta cidade; que
também tinha uma outra pessoa que se devia assassinar, sabendo ele,
respondente, ser um advogado, conhecido por José Bernardino; que então ele,
respondente, declarou à Dona Rosa Amélia que não podia e nem devia fazer isto,
pois ela era pessoa de responsabilidade e não devia fazer isto; que depois
desse dia ele, respondente, ainda estando no Juazeiro, recebia constantemente
pedido da mesma, a fim de fazer o “trabalho”; que depois disto ainda ela, Rosa
Amélia, pediu a ele, respondente, que escrevesse a Tiburtino, filho de José
Ignácio, a fim de que ele mandasse seus homens a executar o plano acima
referido; que ele, respondente, mandou dizer a Rosa Amélia que não escrevia o
que ela pedia; que ainda em Juazeiro, recebeu outra carta de D. Rosa Amélia
para jantar em sua companhia, nesta cidade; que, atendendo ao pedido, ao chegar
fizeram ciente que o dr. Audálio, encarregado da luz desta cidade, queria se
avistar com o respondente, negando-se ao pedido; que disseram-lhe que o mesmo
queria conhecer ele, respondente; que o que deu motivo a Rosa Amélia chamar o
respondente à sua casa e propor-lhe os planos acima referidos, fora aconselhado
por Arsênio Araruna, genro de José Ignácio, conforme declarações da mesma Rosa
Amélia a José Terto; que um dia, quando estava nesta cidade, passou pela
frente, ou na alçada do sr. Antônio Fernandes; que ao passar na frente de casa,
foi até adiante e depois passou novamente pela calçada; que voltando resolveu
não fazer o que ia fazer, por ordem da mesma dona Rosa Amélia; que nesta
ocasião estava armado com um revólver e um punhal; que o plano era passar em
frente à casa do Sr. Antônio Fernandes e assassiná-lo; que isto era conforme as
ordens de Dona Rosa Amélia; que, como já disse, ao passar em frente à casa do
mesmo senhor e chegando adiante refletiu e resolveu não fazer o que estava
incumbido de realizar, pois nunca tinha assassinado pessoa alguma para ganhar
dinheiro; que tendo sido chamado nesse dia, ao chegar à casa de dona Rosa
Amélia, esta lhe disse que tinha sido intimada a pagar ao senhor Antônio
Fernandes cerca de 18 contos, dizendo mais ela que, daquele dia não passava;
que o que resolveu é o declarado atrás de ter resolvido não levar a efeito a
ordem; que a casa do sr. Antônio Fernandes foi indicada a ele, respondente,
pelo sr. Neném que de uma esquina apontou onde e como era localizada a casa,
dizendo-lhe que era um senhor idoso e que costumava, à noite, sentar-se com sua
família na calçada da casa; que, de posse destas informações, foi ao ponto
indicado atrás, resolvendo fazer o que já disse: nada cumprir a respeito da
ordem recebida; que na ocasião em que ele, respondente, estava em casa de don
Rosa Amélia, esta e seu marido descreveram as casas, dizendo que sendo o Crato
atacado pelo grupo pedido a ele, respondente, seriam ocultos no muro da sua
casa (dela) e quando já toda a cidade adormecida, sairiam à rua e atacariam as
casas já referidas, inclusive a do “Coronel” Antônio Luiz, onde se encontraria
muito dinheiro, inclusive barras de ouro; disse mais que uma das vezes em que
esteve na cidade, em casa de dona Rosa Amélia, ao retirar-se, esta meteu em seu
bolo uma nota de cem mil réis, dizendo ser para ele, respondente, comprar de
charutos; que ao pensar em não realizar mais o plano combinado com dona Rosa
Amélia, voltou à casa desta e ai declarou à mesma que não podia fazer o que ela
pedia, retirando-se imediatamente para o Juazeiro, dizendo ainda à dona Rosa
Amélia que o não mandasse mas chamar; que, no dia 5 de setembro o ano passado,
d. Rosa Amélia mandou um portador ao Juazeiro deixar um cavalo ao respondente e
acompanha-lo ao sítio “Baixio”, no município de Santana do Cariri, onde reside
o pai dela, sr. João Alves de Oliveira; que no dia 6 de setembro, à noite,
cerca de 8 horas, saiu de Juazeiro, acompanhado pelo mesmo portador de nome
José Izidoro da Costa, passando em Baixa Dantas, deste município, chegando em
casa de João Alves a 7; que no outro dia chegava ao “Baixio” um portador
conduzindo um telegrama de Rosa Amélia avisando a seu pai que se preparasse que
ia ser atacado por um grupo e cangaceiros; que no dia 8 chegava ao “Baixio” um
senhor de nome Raimundo Valentim, acompanhado por cerca de 15 homens armados
que, com outros já reunidos, formavam um grupo de 25 homens; que, dois dias
depois, retirava-se ele, respondente, com destino a Aurora; que de Aurora foi
até Barreiros, de Barreiros segui até S. João (na Paraíba) e, de S. João indo a
Alagoinha, foi preso pela polícia.
Em tempo: achava-se presente à audiência o sr. Dr. Alberico Ribeiro Salles
Guimarães, promotor de Justiça da comarca.
E por nada mais haver declarado, deu-se por concluído o presente auto que, lido
e achado conforme o assinou o Delegado, o respondente, os oficiais presentes e
o dr. Promotor de Justiça, Eu, José Carvalho, Escrivão, o escrevi. (Ass.)
Raimundo de Moraes Britto, Ulisses Liberato de Alencar, Alberico Ribeiro Salles
Guimarães, José dos Santos Carneiro, Antônio Mattos Dourado.
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