Por: João de Sousa Lima
Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros
Autoridade na
cultura do Nordeste do Brasil, o historiador Frederico Pernambucano de Mello
nos apresenta o livro Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros (Escrituras
Editora), que traz a biografia do secretário particular do padre Cícero, do
Juazeiro, de 1917 a 1934, além de fotógrafo autorizado do cangaceiro Lampião,
tendo acompanhado os diferentes bandos de que este dispunha em sete Estados do
Nordeste, no meado de 1936, creditando-se como responsável pela mais completa
documentação do cangaço jamais obtida, ao incorporar a imagem cinematográfica
às velhas fotografias conhecidas.
A obra é ensaio
interdisciplinar que ocupou boa parte da vida do autor, e também um livro de
arte, com dezenas de fotografias e de fotogramas históricos da trajetória do
sírio Benjamin Abrahão Calil Botto -- um “conterrâneo de Jesus”, como se
declarava, por conta do nascimento em Belém, na Terra Santa --, que desembarcou
no Porto do Recife em 1915, aos 15 anos de idade, fugindo da Grande Guerra,
para trilhar uma aventura extraordinária pelos sertões do Brasil setentrional.
No livro,
Pernambucano de Mello, reconhecido por Gilberto Freyre, já em 1984, como
“mestre de mestres em assuntos de cangaço”, apresenta pesquisa profunda, feita
ao longo de 40 anos. Pela primeira vez, é divulgado o conteúdo da caderneta de
campo deixada por Benjamin Abrahão, recolhida pela polícia no momento de seu
assassinato com 42 punhaladas, no começo de 1938, no sertão de Pernambuco, aos
37 anos de idade. Cobrindo os anos da missão sobre o cangaço, a caderneta
abrange o período 1935-1937, com lançamentos alternados em português e em
árabe, assim impusesse a necessidade de sigilo sobre o assunto.O historiador trabalhou
por três anos, com dois professores de árabe, traduzindo, ponto a ponto, o
conteúdo averbado -- muitas vezes resultante de conversas noite adentro com
Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros -- que são relatos que matam
polêmicas e contestam versões atuais sobre fatos e figuras das décadas de
1910, 1920 e 1930, como o polêmico Floro Bartolomeu da Costa e a apregoada
amizade entre Lampião e o padre Cícero, além de informações que dizem respeito
ao real combate do Batalhão Patriótico à Coluna Prestes, para o qual traz
entrevista inédita que fez com Prestes, em 1983, no Recife.
Particularmente
importante, pela originalidade, é a revelação da matriz setecentista e
estrangeira do pensamento social brasileiro dos anos 1930 sobre o cangaço,
presente, sobretudo no chamado romance nordestino, tendente a culpar a
sociedade e a desculpar os excessos dos protagonistas do fenômeno. O mesmo se
diga sobre a revelação, de todo desconhecida até o presente, dos esforços de
apropriação internacional do apelo épico que o tema encerra, por parte das
facções travadas em luta de morte ao longo da década aludida: o Reich alemão
contra o Soviete russo, Hitler contra Stalin, ao tempo em que Lampião dava as
cartas na caatinga.
O livro traz
ainda apêndice com a reprodução de importantes documentos, colhidos em pesquisa
que contou com o apoio de muitos colaboradores e instituições, como a Fundação
Joaquim Nabuco, do Recife, a Cinemateca Brasileira de São Paulo, os arquivos
Renato Casimiro/Daniel Walker, do Juazeiro, e da antiga Aba-Film, de Fortaleza,
ambos do Ceará, entre outros.
Sobre o autor:
Frederico
Pernambucano de Mello possui formação em história e direito. Na Fundação Joaquim
Nabuco, do Ministério da Educação, integrou a equipe do sociólogo Gilberto
Freyre, de 1972 a 1987, período em que se especializou no estudo da cultura da
região Nordeste do Brasil, tendo publicado os seguintes livros: Rota batida:
escritos de lazere de ofício, Recife, Edições Pirata, 1983; Guerreiros do sol:
violência e banditismo no Nordeste do Brasil, Recife, Editora Massangana/
Fundação Joaquim Nabuco, 1985 [ora em 5ª edição pelo selo A Girafa, de São
Paulo]; Quem foi Lampião, Recife-Zürich, Stähli Edition, 1993 [ora em 3ª
edição]; A guerra total de Canudos, Recife-Zürich, Stähli Edition, 1997 [ora em
3ª edição pela A Girafa]; Delmiro Gouveia: desenvolvimento com impulso de
preservação ambiental, Recife, Editora Massangana/ Fundação Joaquim
Nabuco-CHESF, 1998; Guararapes: uma visita às origens da Pátria, Recife, Editora
Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 2002; Tragédia dos blindados: a Revolução de
30 no Recife, Recife, Editora Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 2007; Estrelas
de couro: a estética do cangaço, São Paulo, Escrituras Editora, 2010, livro
finalista do Prêmio Jabuti de 2011, nas categorias projeto gráfico e ciências
humanas. É membro dos Institutos Históricos de Pernambuco, Alagoas e Rio
Grande do Norte, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, e da
Academia de História Militar Terrestre, tendo sido curador internacional da
Fundação Bienal de São Paulo para a Mostra do Redescobrimento – Brasil 500
Anos, São Paulo, 2000, e presidente da União Brasileira de Escritores – Seção
de Pernambuco. Na Academia Pernambucana de Letras, ocupa a cadeira 36
desde o ano de 1988. Pela originalidade de seus estudos, pelo volume da obra
que produziu, e por se dedicar a aspectos de nossa história considerados
ásperos e de pesquisa difícil, tem sido considerado o “historiador do Brasil
profundo”, na palavra do professor Nelson Aguilar.
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