Material do acervo do professor Adinalzir Pereira
Com registros do fotógrafo
sírio Benjamin Abrahão Calil Botto (1901 – 1938), a Brasiliana Fotográfica
lembra Lampião, Virgolino Ferreira da Silva (c. 1898 – 1938), o rei do
cangaço, e seu bando. A iconografia produzida por Benjamin – registros
fotográficos e filme – não é a única sobre o cangaço, mas por sua extensão
contribuiu enormemente para o conhecimento da história dos cangaceiros no
Brasil. É uma comprovação visual da marcante estética dos bandoleiros
da caatinga e os trouxe para os jornais e à imaginação popular.
Logo os personagens do cangaço passaram a protagonizar lendas do sertão,
canções e cordéis populares e, apesar de sua violência, Lampião tornou-se, para
muitos, uma espécie de mártir dos oprimidos. As notícias chamavam atenção
ou para a crueldade dos cangaceiros ou a sua bravura. Seriam bandidos ou
heróis?
Cerca de um ano após a morte do
Padre Cícero, de quem Benjamin havia sido secretário particular, ocorrida em 20
de julho de 1934, Benjamin levou a Adhemar Bezerra de Albuquerque (1892 –
1975) sua ideia de fotografar e filmar Lampião e seus cangaceiros.
Adhemar, pai do fotógrafo Chico Albuquerque (1917 – 2000), havia fundado, em
1934, a Aba Film, em Fortaleza, para a qual, trabalhando como
cinematografista, Benjamin produziu entre 1936 e 1937 fotografias e um filme
sobre o rei do cangaço e seu bando. Adhemar forneceu a Benjamin
equipamentos cinematográficos e fotográficos, além de filmes. Também passou a
Benjamin noções básicas de como utilizá-los.
No primeiro encontro, Benjamin
foi levado pelos cangaceiros Juriti e Marreca a Lampião, que o recebeu
oferecendo comida e conhaque, dizendo: Não sei como você veio bater
aqui com vida, bicho velho. Só mesmo obra de Marreca que é muito camarada.
Benjamin, então, armou a máquina e quando ia bater as fotografias, foi impedido
por Lampião, que examinou o equipamento e ordenou: Primeiro a gente tira o seu
retrato. Depois disso, Benjamin pode fazer seus registros, até ser interrompido
por Lampião. Uma observação: na matéria do Diário de Pernambuco acima
citada, um dos cangaceiros mencionados como tendo levado Benjamin a
Lampião, foi Mergulhão. Em janeiro de 1937, Benjamin esclareceu que tratava-se
de Marreca.
Quatro meses depois, teve um novo
encontro com Lampião e seu bando. Nessa ocasião, passou três dias com o grupo e
pode registrar vários de seus hábitos como a reza da missa de domingo,
celebrada pelo próprio Lampião, o almoço e a maneira de se vestirem e se
comportarem. Revelou também que Maria Bonita, devido a uma promessa não
trabalhava aos sábados, domingos e segundas-feiras.
Ao longo de 1937, várias fotos de
Lampião e de seu bando produzidas por Benjamin foram publicadas pelos Diários
Associados.
Tanto as fotografias como o
documentário de Benjamin Abrahão foram considerados uma afronta ao governo
federal. Todo o material foi apreendido após uma exibição do filme em sessão
fechada para autoridades locais no Cine Moderno, em 10 de abril de 1937, em
Fortaleza. Segundo o fotógrafo Chico Albuquerque, quando, em 1941, os sócios da
empresa tentaram reaver o filme apreendido, receberam apenas 20 contos como
indenização (Novidades Fotoptica, 1970).
Segundo Angelo Osmiro
Barreto, muitos anos depois, os negativos do filme e das fotos foram
encontrados empoeirados e jogados em um canto qualquer de uma sala de
repartição pública. Foram recuperados por Alexandre Wulfes (1901 – 1974) e Al
Ghiu (1925 – ) e montados em 1955. Posteriormente, a Cinemateca Brasileira
recuperou as imagens e encontrou aproximadamente mais cinco minutos do filme
original. Segundo Ricardo Albuquerque, filho de Chico Albuquerque e neto de
Adhemar, depois o material foi reavaliado e novamente montado seguindo um
critério estritamente documental do filme.
Nas palavras de Elise Jasmin,
Lampião era manipulador, estrategista, dotado de um senso inato de
comunicação – soube como poucos se utilizar do poder da fotografia, em
especial quando estampada nas páginas da imprensa, que ajudavam a torná-lo
onipresente. E mesmo perto do fim de sua “carreira”, quando – depois de
aterrorizar sete estados nordestinos – optou por uma vida sedentária, sua
imagem circulava em grande parte do sertão, como um corpo figurado que vinha
substituir simbolicamente o corpo real do guerreiro que antes percorria a
região (Joaquim Marçal de Andrade in Cangaceiros, 2014).
Segundo o historiador Frederico
Pernambucano de Mello, autor do livro Guerreiros do Sol (1985), um
clássico sobre a história do cangaço, não há dúvidas de que Lampião foi
derrotado e morto pelas forças policiais em julho de 1938. Porém sua derrota
não teria sido completa: se perdeu militarmente, o rei do cangaço foi
vitorioso esteticamente. Seu chapéu e uniforme cheio de ouro e detalhes
bordados estão entre os principais símbolos do nordeste brasileiro; e, não por
acaso, seja em uma visão romantizada ou através do repúdio,
Lampião continua sendo alvo de fascínio (Jornal do Comércio, 20 de outubro de 2015).
As cenas filmadas por Benjamin do
cotidiano do bando de Lampião, das quais restaram aproximadamente 15
minutos, inspiraram os filmes O Cangaceiro, de 1953, dirigido por Victor
Lima Barreto (1906 – 1982), e O Baile Perfumado, de 1997, de Paulo Caldas
e Lírio Ferreira.
Em 2013, o Instituto Moreira
Salles adquiriu junto ao Instituto Cultural Chico Albuquerque o direito de uso
dessas imagens para fins culturais.
http://brasilianafotografica.bn.br/?p=9527
Enviado pelo carioca professor e pesquisador Adinalzir Pereira Lamego
http://blogdomendesemendes.blogspot.com