Quando um dia
se fizer um acurado levantamento de fatos considerados históricos, atinentes à
investida de Lampião e seu bando ao Rio Grande do Norte, restará provado e
comprovado que muitas pessoas que viveram a contemporaneidade desses fatos,
incorreram em oluntariosa omissão, negando-se a darem seus depoimentos a
pesquisadores/historiadores, cujos depoimentos seriam de suma importância para
o cotejo das provas. Esquivaram-se sob a pusilânime assertiva de que omitiam-se
"por medida de cautela, ocultando evidências que, segundo suas pérfidas
óticas, seria natural em quem revolve acontecimentos de ontem, com perspectivas
hodiernas de trazer à tona fatos adrede combinados para serem "guardados à
sete chaves", como se diz no sertão.
A partir do
ano de 1915 foi instalado o clima de terror no município de Apodi, quando
aportaram em Apodi os truculentos Srs. Martiniano de Queiroz Porto, oriundo da
serra do Pereiro, no Ceará, e Juvêncio Augusto Barrêto, ambos trazendo seus
jagunços, geralmente composto por celerados fugitivos da Justiça. Martiniano
fixou residência na cidade, onde comprou um prédio residencial assobradado,
onde escondia seus capangas. Juvêncio oriundo da cidade de Martins, onde
renunciara ao cargo de Vereador, tendo se instalado em uma fazenda que comprara
e que era denominada de "Unha de Gato", onde transformou em coito
para vários cangaceiros, destacando-se Massilon Leite e Júlio Porto, então
adolescente criado por Martiniano Porto. O nome civil de Júlio era Júlio
Santana de Melo, tendo adotado o sobrenome Porto em homenagem à Martiniano
Queiroz Porto. A vinda desses dois virulentos senhores para o Apodi deu-se em
atendimento ao convite feito por Felipe Guerra e seu cunhado Tilon Gurgel, para
cerrarem acirrada oposição política ao Coronel João Jázimo Pinto.
Um fato que
corrobora o gênio irascível e virulento do Sr. Felipe Guerra atrela-se à
minudência de que, em toda sua trajetória de Juiz de Direito e de Desembargador
passou mais tempo em disponibilidade do que mesmo no exercício da função
judicante. Formou-se uma trinca sinistra no judiciário estadual, com atuação na
região Oeste do estado, composta pelos truculentos Juízes de Direito Horácio
Barrêto, (Sobrinho de Juvêncio Barreto) que ocupou a comarca de Pau dos Ferros,
no período 1901-1915, onde casou com uma moça da família Diógenes, Felipe
Guerra, José Fernandes Vieira (genro de Martiniano Porto) e João Francisco
Dantas Sales.
Os ânimos
desse conluio de Magistrados foram acirrados com a investidura de Ferreira
Chaves no governo estadual para o período 1914-1919, sendo certo que em 1919
Ferreira Chaves promoveu para Desembargadores os magistrados Horácio Barreto,
sobrinho de sua esposa Alexandrina Barreto, e Felipe Guerra, que por sua vez
convidou o seu amigo íntimo o Juiz de Direito João Francisco Dantas Sales para
ocupar a Comarca do Apodi, consumando um plano adrede traçado para que este
Juiz perseguisse a harmoniosa e pacífica hoste política da tradicional família
PINTO, comandada pelos Coronéis João Jázimo Pinto e seu genro Coronel Francisco
Pinto. Felipe Guerra era casado com uma irmã do não menos truculento Tilon
Gurgel.
O período da
titularidade do Juiz João Francisco Dantas Sales (1922-1925) transformou a
região do Apodi em palco de toda sorte de atentados à integridade física e à
propriedade privada. Esse magistrado transformou sua residência em coito para
os celerados Benedito Saldanha e seu irmão Quinca Saldanha, famosos chefe de
grupo de cangaceiros instalados em Caraúbas, em sua fazenda denominada de
"Setúbal". O douto Juiz chegou ao disparate de acoitar em sua
residência a um arruaceiro de nome Manoel Elias de Lima, que acabara de
praticar uma tentativa de homicídio dentro do mercado público de Apodi, quando
alvejara com um tiro de revólver o cidadão Vicente Gomes de Oliveira.
Observava-se às escâncaras o conúbio criminoso-protetivo existente entre o Juiz
João Dantas Sales e os Chefes de cangaceiros Décio Holanda/Tilon Gurgel, Martiniano
Porto/Juvêncio Barrêto, Benedito Saldanha/Quinca Saldanha.
Há um fato
emblemático contido no Processo-Crime de Nº 486/1925, (Comarca de Apodi) em que
aparece como indiciado o celerado Décio Holanda, cujo nome civil era Décio
Sebastião de Albuquerque, e que representa um liame com o ataque de Lampião e
seu grupo à Mossoró. Trata-se do depoimento do respeitável cidadão Vicente
Gomes de Oliveira, prestado a 03.05.1925, que dentre outras arguições, afirmou:
" Que é público e notório nesta cidade do Apodi, que Décio Sebastião de
Albuquerque comprou em Mossoró dois mil cartuchos com balas para rifle e que
estão depositadas em sua propriedade "Pedra das Abelhas" neste
município.
Na época
correram rumores que a compra do arsenal bélico feita pelo Décio fora intermediado
por Felipe Guerra e Jerônimo Rosado. Que Décio tem em sua casa de residência,
na residência de seu sogro Tilon Gurgel e na casa de Belarmino de Tal, tudo na
mesma propriedade "Pedra das Abelhas" e em sua outra propriedade
denominada "Pacó" grande quantidade de armamentos e mais munições
para o fim de atacar com cangaceiros os habitantes desta cidade amigos
políticos do Coronel João Jázimo, ao própiro Cel. João Jázimo, atacando
simultaneamente a força pública mandada pelo governador do estado para manter a
ordem nesta cidade".
Como o Juiz
João Dantas Sales soube no mesmo dia 03 de Maio que o então Delegado Especial
Capitão Jacinto Tavares Ferreira ouvira em depoimento o Sr. Vicente Gomes de
Oliveira, e que nesse mesmo dia o dito Delegado mandara lavrar Auto de Busca e
Apreensão a ser cumprida por um efetivo policial composto por 40 praças e um
Sargento no dia seguinte , enviou mensageiro especial para a fazenda
"Pedra das Abelhas" avisar aos bandoleiros Décio Holanda e Tilon
Gurgel, que neste mesmo dia enviaram o arsenal em comboio animal para a fazenda
dos celerados Benedito e Quinca Saldanha, em Caraúbas. O certo é que,
efetivamente a 04 de Maio de 1925 a tropa policial dirigiu-se para "Pedra
das Abelhas", onde no lugar conhecido como "Saco do barro" houve
o confronto entre a jagunçada de Décio Holanda/Tilon Gurgel, evento que inserí
nos anais históricos como tendo sido O FOGO DE PEDRA DE ABELHAS, cujo relato
foi objeto de artigo publicado em plaquete, pela Coleção Mossoroense, e no Blog
"Honoriodemedeiros.blogspot.com".
Jerônimo
Rosado
A fidagal
amizade existente entre Felipe Guerra e Jerônimo Rosado remonta ainda ao ano de
1907, quando cerraram fileiras em Mossoró com o Coronel Vicente Sabóia de
Albuquerque (parente de Décio) na luta pela implantação do ramal ferroviário
Porto Franco - Mossoró. Em Setembro de 1926 o então Desembargador Felipe Guerra
foi posto em disponibilidade, quando então retornou à Mossoró para assessorar o
amigo Jerônimo Rosado. Nasceu aí o complô para a vinda de Lampião à Mossoró,
com o fito único de eliminar o Prefeito Rodolfo Fernandes e proporcionar a
volta do Jerônimo Rosado ao poder municipal. Jerônimo Rosado havia sido
Presidente da Intendência Municipal de Mossoró (cargo que em Agosto de 1926
passou a ser denominado de Prefeito) , tendo como Vice-Presidente
(Vice-Prefeito) o Dr. Antonio Soares Júnior, médico e genro de Felipe Guerra.
Lembro-me que
o meu avô paterno Aristides Ferreira Pinto, (1907-1975) que era irmão legítimo
do Coronel Francisco Pinto,(1895-1934) contou-me pormenores da carta enviada
pelo irmão ao seu parente Rodolfo Fernandes, informando, dentre outros
detalhes, que soubera por fonte fidedigna, de que o arsenal comprado por Décio
Holanda em Mossoró no ano de 1925, fora transferido em comboio animal noturno,
da fazenda dos Saldanha em Caraúbas, para a fazenda "Bálsamo", de
Décio Holanda, encravada na serra do Pereiro, no Ceará. Nos depoimentos dados
em Pau dos Ferros pelos cangaceiros MORMAÇO E BRONZEADO foram unânimes em
afirmarem que Lampião passou mais de um mês acoitado com o seu bando entre as
fazendas de Décio Holanda e seu primo Zé Cardoso, preparando-se para o ataque à
Mossoró, e que Lampião recebera de Décio e Zé Cardoso dois mil cartuchos com
balas para rifle.
Em uma das
edições do Jornal mossoroense "Correio do Povo" consta um comunicado
de que o chefe de cangaceiros Benedito Saldanha, dias depois do ataque de
Lampião à Mossoró, telegrafara ao então Chefe de Polícia do estadual Dr.
Benício Filho (Manuel Benício de Melo Filho) informando que o cangaceiro
Coqueiro, que fora um dos cangaceiros que atacara Mossoró, fora morto em sua
fazenda "Várzea Grande", proximidades da cidade de Limoeiro do Norte,
em confronto com a policia cearense. Soube-se depois que o mesmo fora morto por
cangaceiros de Benedito Saldanha, cumprindo o costumeiro processo de
"Queima de Arquivo".
Livro:
Massilon(Nas Veredas do Cangaço e outros temas afins) do escritor mossoroense
Honório de Medeiros.
Para maiores
esclarecimentos acerca do ataque lampionesco à Mossoró, sugiro a leitura do
Blog "honoriodemedeiros.blogspot.com (No
ítem CORONELISMO) e adquirir por compra o memorável e elucidativo livro
"MASSILON", de autoria do profícuo e renomado historiador do cangaço
Honório Medeiros.
Enviado por
Marcos Pinto - historiador e advogado apodiense
http://tudodorn.blogspot.com.br/2014/10/cangaco-no-rio-grande-do-norte-historia_26.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com