Por Charles Meira
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Fazenda Espaduada que pertenceu ao Coronel João Sá. |
De férias na cidade de Antas – BA, sempre gostava de conversar com o meu sogro Aurelino Félix de Souza. Sabendo da minha curiosidade sobre a história de Lampião, o Sr. Lelo, como era mais conhecido, me contou na ocasião um fato ocorrido na sua infância, quando da passagem do “Rei do Cangaço” naquela cidade. Mesmo não dando o crédito merecido, escrevi um texto sobre o assunto intitulado “Um Dia Diferente”. Chegando a Jequié enviei o texto para Domingos Ailton publicar na revista Cotoxó. Para minha surpresa, um dia quando adquirir a revista na Banca de Antônio, o texto havia sido editado. Recentemente, após a leitura de alguns livros sobre a história de Lampião, entre eles “Lampião O Cangaceiro!” de autoria de João de Souza Lima que mora em Paulo Afonso – BA fiquei sabendo mais detalhadamente da vida do “Terror dos Sertões”, do cangaço na região, dos coronéis baianos, do Raso da Catarina e principalmente de várias citações do município de Antas. Também mantive contato telefônico com o autor do livro, contei o fato, tirei algumas dúvidas relacionadas com os seus escritos e enviei o texto para ele publicá-lo no seu blog. Posteriormente o escrito foi publicado, com certeza dando o autor do livro, crédito a veracidade do fato, devido suas pesquisas e o seu grande conhecimento do referido assunto.
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Luciano Félix no local onde Lampião passou que fica no centro da cidade em Antas - BA.
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No dia vinte e três de dezembro deste ano, fui com familiares novamente a região onde passou Lampião. Inicialmente uma parada em Caldas do Jorro – BA, para visitar a praça onde os turistas tomam banhos nas águas medicinas e em seguida comer o tradicional carneiro assado, acompanhado de farofa molhada e sobremesa de doce de leite, uma especialidade dos restaurantes daquela cidade. Prosseguimos a viagem, passando por um entroncamento, que vai para as cidades de Tucano e Euclides da Cunha. Neste cruzamento mudamos de direção e seguindo passamos nas cidades de Ribeira do Pombal, Cícero Dantas e finalmente no final da tarde chegamos ao município de Antas, terra de Maria José minha esposa, onde passamos dez dias. Durante este tempo, mantive contatos com Raniere Nilo, Edy Nilo, Luciano Félix, pessoas também interessadas na história do cangaço, para dialogarmos os assuntos contidos nos livros: “Lampião em Paulo Afonso”, “Lampião em Sergipe” e “Lampião O Cangaceiro”, que levei para conseguir encontrar os locais onde Lampião passou naquela região.
Durante cinco dias consultei e analisei valiosos subsídios daqueles moradores e também curti o clima agradável das noites da cidade de Antas. Abastecido destas informações, no dia 28 de dezembro, no carro de Afonso Santana, motorista experiente e conhecedor de toda região, acompanhado de Maria José Félix Meira, minha esposa e sua irmã Aniralda Félix, pela manhã cedinho seguimos viagem no “Rastro de Lampião”. Ouvindo as músicas de Lindomar Castilho, chegamos à cidade de Sítio do Quinto, mencionada também no livro como sendo o local do primeiro encontro de Lampião e o Coronel João Sá. Conhecemos e registramos através de fotos alguns locais principais da cidade, entretanto após verificar que a fazenda citada ficava em outra região, próximo de Jeremoabo, cidade com a maior área territorial naquela região, particularidade que contribuiu para compreender o porquê da proximidade das cidades e a localização correta da fazenda.
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Charles Meira na cidade de Sítio do Quinto – BA, localidade onde aconteceu o primeiro encontro de Lampião com o Coronel João Sá. |
Seguimos viagem, agora através de uma bem cuidada estrada de terra, caminho certamente percorrido na época pelos cangaceiros com destino ao município de Jeremoabo. Durante a viagem contemplamos uma região que predomina a caatinga, portanto, região com pouca água e vegetação, pouca fazenda, onde somente existem plantações de palmas, alimento dos animais, na sua maioria muito magros. Na rota, passamos por dois lugarejos pequenos, porém com aparência de bem cuidados pelos poderes públicos que administram aquele local. Paramos poucos minutos para saber de moradores do povoado o caminho correto para Jeremoabo, em seguida deixamos a estrada principal e através de caminhos estreitos feitos para a locomoção dos proprietários das fazendas, na maioria pouco habitada, deste modo local difícil para obter informações para encontrar os locais citados nos livros de João de Souza Lima, mesmo com toda a experiência de Afonso o nosso guia. Nem mesmo os passados quase 40 anos quando esteve na região, fez Afonso perder a confiança e desistir de encontrar as Fazendas Caritá e Abobreira.
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Casa da Fazenda Caritá que pertenceu ao Coronel João Sá, um dos maiores coitos de Lampião e seu grupo.
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Repentinamente, o nosso guia demonstrando muita alegria, falou que aquela local onde estávamos naquele momento era a entrada para a Fazenda Caritá. Dois motivos o levaram supor ter encontrado a propriedade que foi do Coronel João Sá. O primeiro devido à mudança da vegetação e o segundo a visualização do minadouro, detalhe considerado por Afonso determinante para encontrar aquela propriedade. Deixamos Maria José e Aniralda tomando conta do carro e seguimos um caminho estreito e deserto, porém uma região completamente diferente, onde predominava o verde, a existência de muitas árvores frutíferas como: mangueiras, coqueiros e capim em abundância. Passamos pelo minadouro, jorrando água, fator da mudança repentina da vegetação daquelas terras. No caminho também encontramos duas motos, me levando a pensar ser assaltantes e pedir a Afonso para voltarmos, porém não atendeu o meu pedido, dizendo que teríamos que seguir, pois logo encontraríamos a Fazenda Caritá. Um pouco afastado do caminho, vimos algumas pessoas tirando frutas, tentamos contato, entretanto fugiram mata adentro. Continuamos a caminhada sempre subindo uma ladeira, motivo que cansei e gritava Afonso que sumiu entre altos cipós, que formavam um túnel. Minutos depois, ouvi gritos dele informando que havia encontrado a fazenda e juntos contemplamos com felicidade o local procurado. Desde que chegamos à localidade e depois de encontrá-la, entendemos que devido possuir água abundante, alimentação, esconderijo natural, foram os motivos da escolha daquele local para um dos maiores coitos do grupo de Lampião.
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Charles Meira no local onde tinha um dos maiores engenhos da região e nele possuía uma portentosa almanjarra que produzia rapadura, alfenins e garapa. |
Na Fazenda Caritá que hoje é um assentamento de “Sem Terras”, existe um escombro, que entendemos ser a antiga casa onde ficou Lampião e seu grupo e do lado uma antiga e grande casa, aparentemente bem cuidada, porém na ocasião sem habitantes para dar informações. Registramos este importante momento com muitas fotos, como também tudo o que ocorreu no caminho anteriormente. Com semblantes de crianças depois de ganhar presentes no dia de Natal, retornamos rápido para o local que deixamos o carro, onde encontramos minha esposa e sua irmã desesperadas e gritando, preocupadas com a nossa demora. Sobre o ocorrido nesta localidade, quando cheguei a Jequié e consultei novamente o livro de João de Souza Lima, verifiquei que o escritor falava que o local que julguei ser a casa antiga do Coronel era um local onde tinha um dos maiores engenhos da região e nele possuía uma portentosa almanjarra que produzia rapadura, alfenins e garapa. Como fiquei com desconfiança qual seria a verdadeira casa que esteve Lampião, mantive contato através de e-mail com o escritor que gentilmente respondeu e tirou a minha dúvida. “A casa lateral ao engenho é a casa do Barão e que depois foi do coronel João Sá e a casa que Lampião andava, fica mesmo lateral a almanjarra é quase que auto-explicativo, pois não vi outra casa sem ser essa não, com estrutura pra ser um casarão tão importante”. Deixamos aquele oásis no sertão e continuamos no “Rastro de Lampião”, retornando ao ambiente anterior de região muito seca e predominantemente de caatinga
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Afonso Santana e a esposa do encarregado na atual casa da Fazenda Abobreira, local onde lampião passou e que hoje pertence ao Deputado Estadual Marcelo Nilo.
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No roteiro traçado por Afonso, o nosso próximo alvo seria encontrar a Fazenda Abobreira, que ficava na mesma região, patrimônio onde também passou Lampião e seu grupo. Com os mesmos problemas de locomoção dos estreitos caminhos anteriormente encontrados, de parar em duas propriedades para pedir informações, entretanto sem as mesmas dificuldades para achar o primeiro local, chegamos às terras do “Nilo”, terras que também possui um minadouro, porém com ambiente característico da caatinga. No local onde ficava a casa onde Lampião passou, hoje existe outra grande e bem cuidada sede, onde mora o encarregado, ausente no momento, sua esposa e sua filha, que cordialmente nos receberam. O local é todo bem cercado, possui currais, bastante água e alimentação para uma grande quantidade de saudáveis animais. A Fazenda Abobreira hoje pertence ao Deputado Estadual Marcelo Nilo. Depois de registramos com fotos a fazenda e seus moradores, tomamos água, descansamos um pouco da longa, cansativa viagem e prosseguimos para a cidade de Jeremoabo para conhecer a Fazenda Espaduada, último local projetado do nosso roteiro no “Rastro de Lampião”. Na cidade de Jeremoabo – BA, onde o cangaço foi destaque na Bahia, chegamos próximo das 12h. Depois dos abraços o almoço logo foi servido. No almoço comemos uma deliciosa galinha caipira, acompanhada de outros pratos de variadas comidas também muito saborosas. Doce de Mamão, Goiaba, Banana, Caju, suco de Uva e Caju foi à caprichada sobremesa servida por Maria José. Depois muita conversa, fotos e um merecido descanso.
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Charles Meira em frente á casa da Fazenda Espaduada que pertenceu ao Coronel João Sá, localizada na parte urbana da cidade de Jeremoabo – BA. |
Na parte da tarde, conduzido por Afonso nosso motorista e acompanhado por Maria José (Bazé), prima de minha esposa, fomos conhecer a Fazenda Espaduada que pertenceu ao Coronel João Sá, localizada na zona urbana da cidade. Após autorização de um senhor que reside em uma casa na fazenda, percorremos a pequena área que fica uma bela casa sede, porém totalmente abandonada. Além da sede, uma casa onde moravam os empregados, uma grande árvore e junto dela uma banheira, provavelmente um dos utensílios da casa e uma capela completamente em ruínas. Infelizmente não conseguimos entrar na casa sede da fazenda, entretanto registramos a visita através de fotos. Depois de uma viagem bastante proveitosa, onde visitamos parentes queridos e passamos nos lugares onde esteve o “Rei do Cangaço”, retornamos para a cidade de Antas, deixando programada outra viagem com Maria José para no final de 2017, ocasião que visitaremos as localidades de Malhada de Caiçara, o Raso da Cataria e a Grota de Angico, local onde morreu Lampião e dez cangaceiros, incluindo sua esposa Maria Bonita.
* Texto publicado na Revista Cotoxó de abril de 2017.
http://waldemirvidal1.blogspot.com/2017/05/no-rastro-de-lampiao.html
http://bogdomendesemendes.blogspot.com