Por Geraldo Júnior
Entrevista que
realizamos há algum tempo atrás com o nosso amigo/confrade, Escritor e
Pesquisador João de Sousa Lima. Na ocasião alguns membros do grupo foram
selecionados para enviarem suas perguntas.
LEIAM...
1 - O que o
levou a se interessar a pesquisar e no conhecimento sobre o cangaço?
JSL- Minha
pesquisa começou há uns 18 anos, foi um convite do professor e irmão Edson
Barreto que lecionava na zona rural de Paulo Afonso e sempre colhia informações
e detalhes da passagem de Lampião e seus seguidores nos povoados de nossa
cidade...
2 – Qual a sua
descoberta relacionada ao cangaço que considera ser a mais importante?
JSL- Foram
várias descobertas e todas tiveram um grande significado. Há um envolvimento
sentimental nessas questões todas. Não podemos em hipótese alguma tratar os
fatos históricos sem nos envolvermos profundamente com sentimentos das pessoas
que dão seus depoimentos, mesmo sabendo que uma pesquisar tem que ser imparcial
para retratar os fatos históricos. É um trabalho que exige responsabilidades
com essas questões históricas. Precisamos realizar um trabalho sério e, acima
de tudo, ter gosto pelo que se faz.... porém não posso negar que encontrar
Durvinha e Moreno foi um grande achado.... o único casal vivo de cangaceiros,
logo eles que tiveram tantos momentos, principalmente Durvinha, com o Rei do
Cangaço, Maria Bonita e os grandes chefes de subgrupos.
3 - Cite o
objeto que para você tem maior importância em sua coleção de peças relacionadas
ao cangaço?
JSL – Todos os
objetos tem um valor histórico muito grande; entre mosquetões parabelluns,
punhais, pertences, peças em ouro e fotografias originais. Porém há uma peça
que tenho um carinho especial, esse carinho vai além da conta: Um brinco que o
cangaceiro Cruzeiro deu a Aristeia e ela havia dado ao seu filho Pedro Soares e
poucos dias antes de sua morte, durante uma visita que lhe fiz para irmos rever
sua casinha no povoado Capiá da Igrejinha, Canapí, Alagoas, ela pediu a Pedro
um dos brincos e na presença dos familiares me presenteou a peça, sem antes
pedir para que eu nunca vendesse aquela lembrança. Promessa feita e o brinco é
guardado à sete chaves como recordação daquela mulher que teve uma passagem
conturbada no cangaço mais que conseguiu refazer sua vida e deu um grande
exemplo de vida. E explique o por que.
4 - Qual dos
municípios brasileiros que em sua opinião mais colaborou com a entrada de
membros para as hostes de Lampião, Paulo Afonso-BA ou Poço Redondo-SE?
Explique.
JSL – Paulo
Afonso teve um contingente maior que Poço Redondo, os números seriamente
registrados provam isso. E pra que prova maior do que ser reconhecido pelo
próprio Alcino Alves Costa que foi o grande pesquisador daquela região? Em
Paulo Afonso 47 jovens, entre homens e mulheres, seguiram as hostes do cangaço.
Poço redondo chegou a 30 e poucos.
5 - Um momento
importante que marcou sua trajetória durante o longo período em que estuda o
fenômeno cangaço?
JSL – todos os
momentos dessa longa pesquisa foram importantíssimos. Poder encontrar
ex-cangaceiros, ex-volantes, coiteiros, objetos e acima de tudo colher a
história oral desse nosso povo. As histórias fascinam, emocionam, elas nos
tornam mais humanos diante dos depoimentos, muitas vezes de um sofrimento quase
sem fim. Poder ouvir essas pessoas é o que há de mais gratificante. Entrar no
mundo delas, participar em momentos de suas passagens pela vida errante do
cangaço, suas dores, seus amores, incertezas, combates, medos, fugas e
recomeço. Um dos momentos mais marcante foi quando em 1987 eu trabalhava como
fiscal de tributos da prefeitura local e confeccionava umas carteiras para os
idosos andarem gratuitamente nos coletivos. O dia para fazer as carteiras era
segunda e terça e em uma sexta feira me apareceu uma senhora que queria tirar a
carteirinha; expliquei a ela que não era naquele dia, ela disse que vinha de
longe, estava velha e cansada.... fiquei penalizado e fiz a carteira e quando a
entreguei ela me agradeço com um belo sorriso, sorriso esse que nunca consegui
esquecer...... Já no ano de 2001 fiquei sabendo de uma filha de um casal de
cangaceiros que era índia e morava na tribo dos índios Pankararé, no povoado
Brejo do Burgo. Dirigi-me pra lá pra tentar entrevistar a senhora que se
chamava Alzira. No povoado fiquei sabendo que Alzira não cedia entrevistas em
hipótese alguma e mesmo assim fui lá. Ao chegar a casa de Alzira encontrei o
marido dela que disse pra eu não insistir, pois ela era brava e não gostava de
jornalista. Insisti e fui à casa de Alzira. Do portãozinho de madeira chamei
seu nome e a rsposta veio como rio e alta como trovão: - Que éééé? - Gostaria
de falar com a senhora... - Quero falar com ninguém não e procure o que
fazer... Alzira apareceu na porta e disse: - Tá querendo desenterrar
cangaceiro? Lampião já morreu! Eu quero só conversar, saber de uma história
sua... Ela se dirigiu ao portão, olhou-me nos olhos e perguntou? - você é da
polícia? - Não!!! - eu fui com sua cara, entre aqui, você já tomou café moído
no pau? - Não... Alzira fez o café, tomamos e ela abriu o coração, contou sobre
sua raiva da polícia, do sofrimento de sua mãe que teve o companheiro Nevoeiro
morto em combate e ela ficou sozinha, grávida, no Raso da Catarina e teve que
se entregar no povoado Salgado do Melão, no centro do Raso da Catarina. A
polícia a transferiu para a cidade de Água Branca, em Alagoas. Dentro da cela
Catarina teve a filha e o comandante não aceitou que ela ficasse com a criança,
tendo que deslocar sua irmã Sabina e alugar uma casa pra ela ficar com a
criança. Durante várias vezes no dia, quando Alzira sentia fome, Sabina a
levava a delegacia e pelas grades de ferro da cadeia Catarina tirava o seio e
amamentava a criança e isso criou um trauma em Alzira. Durante horas ouvi suas
histórias e quando estava me preparando pra ir embora perguntei se ela não
teria uma foto da mãe pra eu colocar em meu livro, ela disse que sim e foi
buscar a foto. Tive uma grande surpresa: Ela trouxe a carteirinha que eu havia
feito para aquela senhora que me pagou o serviço com o um belo sorriso.....
isso mesmo, a mulher da carteirinha era a cangaceira Catarina, a Catarina de
Nevoeiro... tantas histórias.... foi assim que a conheci, nunca e agora mais
ainda, poderei esquecer aquele sorriso....
6 - Qual
aquele que você considera que foi o maior equívoco que cometeu ao longo dos
vários anos em que pesquisa sobre o cangaço?
JSL- Não
lembro de nenhum equívoco que tenha atrapalhado minha trajetória de
pesquisas.... mais tem algumas pessoas oportunistas que se aproximam de você e
quando damos toda confiança elas te surpreendem de alguma forma... agora o
maior equívoco no meio é achar que o Pedro de Morais é achar que é pesquisador
e escritor... aquilo lá é uma farsa total, medíocre tanto com suas pesquisas
quanto em sua falida arte de escrever......
7 – Qual o
livro de sua autoria que lhe trouxe maior popularidade e reconhecimento?
JSL – tenho um
carinho especial por Lampião em Paulo Afonso, por ser meu primeiro trabalho e
que me trouxe o respeito no meio de quem estuda o tema e tenho uma questão de
amor com o “Moreno e Durvinha, sangue, amor e fuga no cangaço”, pela amizade e
convivência com os envolvidos diretamente com a história. A trajetória
guerreira de Maria Bonita também foi uma pesquisa que tive muito prazer em
finalizar.
8 - Você
acredita que o senhor José Alves dos Santos seria realmente filho de Lampião
com Helena filha do senhor João Ramos de Souza (Joãozinho) membro da família
Engrácia ou esse fato já foi esclarecido? Explique o porquê.
JSL – Tenho
certeza que ele é filho de Lampião, todos da comunidade sabem disso, inclusive
ele que contou toda a história. Agora para provarem mesmo só o exame de DNA....
eu não preciso desse artifício para ter certeza, já basta o depoimento de Zé de
Helena, mais também não colocarei esse fato em livro tendo por base minha
certeza se ela não é provada através da medicina e por que na história nunca
podemos ser donos da verdade... podemos ter nossas verdades mais abertos a
novos olhares e novas descobertas...
9 - Quais
nomes você citaria como sendo os três mais violentos cangaceiros que fizeram
parte do grupo de Lampião?
JSL – sem
sombras de dúvidas o Gato foi o mais perverso, depois vem o Corisco, Virgínio,
Moreno, Mané Revoltoso, canário.... naquele mundo ninguém era Santo. Em nenhum
dos lados tinha inocentes. Tanto cangaceiros como volantes foram violentos aos
extremos.
10 - Um
escritor?
JSL- Seria
injusto se só citasse um. Indico: Ângelo Osmiro, Sérgio Dantas, Antônio Amaury,
Frederico Pernambucano de Mello, Archimedes Marques, Sabino Basseti, Geraldo
Ferraz, Vilela, Edson Barreto, Leandro Cardoso, Alcino Alves Costa. Existem
pesquisadores sérios nesse meio. Se esqueci de alguém perdoe a memória.
11 - Um livro?
JSL – De todos
esses escritores citados acima.
12 - Um filme?
JSL – Baile
Perfumado retrata bem o cotidiano do homem que filmou os cangaceiros.
Encontramos algumas poucas falhas de informações, mais no contexto geral é um
filme excelente.
13 - Uma cangaceira?
JSL- Três:
Durvinha, Aristeia e Dulce.
14 - Um
cangaceiro?
JSL – Luiz
Pedro.
15 - Um
volante?
JSL – Teófilo
Pires do Nascimento. (ainda vivo. Um grande homem)
16 - Em sua
opinião o que mudou em termos de comportamento e disciplina no bando de Lampião
após a entrada das mulheres?
JSL – Todas as cangaceiras que entrevistei e convivi afirmaram que os combates
diminuíram, os confrontos passaram a ser evitados. Os estupros diminuíram...
17 – Em
relação às identificações dos cangaceiros(as) mortos em Angico durante o
massacre ocorrido em 28 de Julho de 1938 é do conhecimento de todos(as) que
muitos pesquisadores discordam de tais reconhecimentos. Como você se posiciona
em relação a esse assunto?
JSL – Aquela
relação que saiu nos primeiros momentos é totalmente incerteza. Cita o Caixa de
Fósforo como sendo um dos mortos e Caixa de Fósforo ainda ficou tempos com
Corisco. Ainda é muito incerto o reconhecimento, só temos certeza de Lampião,
Maria Bonita, Luiz Pedro, Elétrico, Mergulhão, Quinta Feira e Enedina.
18 – Quais
seus novos projetos?
JSL – Estou
finalizando mais dois livros e ai guardo a espada e descanso na fé.....
JSL-
Autêntico, Leal, verdadeiro..... dizem que tenho pavio curto mais estou
aprendendo a conviver com as diferenças..... acho que a maior definição é meu
trabalho, minha perseverança.... minhas realizações.... quem é meu amigo sabe o
que estou falando....
PERGUNTAS
ENVIADAS POR MEMBROS DAS PÁGINAS O CANGAÇO
20 - João de
Sousa Lima, o estudo do cangaço é baseado principalmente em relatos de pessoas
que o vivenciaram, e de fontes documentadas. Infelizmente, as chances de
descobrirmos novos fatos tornam-se cada vez mais difícil com o passar do tempo.
Para você, dos fatos que ainda carecem de esclarecimento completo, qual mais
lhe intriga?
JSL – A
história oral tá se perdendo, estamos pegando os últimos remanescentes. É
necessário urgência na mobilização de pesquisadores para que se registrem os
fatos com essas guerreiros do passado para que as gerações futuras possam
conhecer a história como foi passada... Os fatos que mais intrigam é a questão
dos grandes comandantes e políticos como coiteiros e a ligação do cangaço com
os índios Pankararé.
21 - Em sua
opinião Lampião, já nos momentos finais de sua vida de bandoleiro, antes de sua
morte, pensava em de alguma maneira abandonar o cangaço?
JSL- Não
acredito, a observação primordial nessa questão é saber que ele estava armando
o sobrinho para entrar no cangaço.
O sobrinho foi
um dos sobreviventes da Grota do Angico. Se ele pretendia deixar o cangaço como
poderia está armando um membro de sua família? Maria Bonita alguma vez tentou
convencer Lampião a abandonar a vida de cangaceiro?
JSL- É
possível que tenha acontecido esse diálogo, a própria cangaceira Dulce, que eu
entrevistei há uns seis anos, disse que Maria Bonita andava cansada daquela
vida.... Agora querer e colocar em prática o desejo é que não aconteceu.
Letícia Alves
– Lê Alves (João
Pessoa-PB)
22 - Na noite
do massacre em Angicos, ouve algum relato de alguém que descobriu a emboscada e
tentou avisar a Lampião?
JSL – Não
Houve! Tem um depoimento de Sila que disse que ao anoitecer viu uma luz que
poderia ser de lanterna. As volantes não estiveram lá ao anoitecer, estiveram
ao amanhecer e eles não portavam lanternas....
Devanier Lopes
(Feira de Santana-BA)
23 – Sila
conheceu Dadá pessoalmente?
JSl – Caro
Devanier Lopes eu estive uma vez com Sila em uma palestra em Canindé do São
Francisco e depois conversamos um pouco mais não entrei nesse mérito. Também
não lembro dessa passagem nos livros que li sobre ela e a Dadá.
24 - João o
que você acha do "Amor no cangaço"? Quem foi o personagem mais
importante que você conheceu? E por que?
JSL – Aderbal
houve amor sim. Em alguns depoimentos como é o caso da Sila, ela diz que nunca
foi amada, já a Durvinha foi apaixonada por Virgínio, a Aristeia pelo Cícero
Garrincha e assim temos muitos depoimentos. Então tivemos pessoas bem amadas e
pessoas que não conheceram o amor.. Todas as pessoas que conheci foram
importantes no contexto da historiografia. Poder entender seus momentos tanto
no cangaço, como no combate e ainda como suporte aos dois lados.
José João de
Souza (Recife-PE)
25 - Lampião
recebeu em Juazeiro do norte-CE a patente de capitão, para combater a Coluna
Prestes. Como você analisa esta passagem na vida do rei do cangaço?
JSL – A
notícia teve mais importância do que mesmo a validade da patente. Foi o
encontro do maior cangaceiro com uma das maiores representações religiosas do
nordeste brasileiro. A entrevista deixada pelo Rei do Cangaço ainda é uma das
coisas que mais impressionam quem estuda o tema e, ainda, o Padre Cícero ter
ficado com os familiares de Lampião para protegê-los.
26 - Alguns
dos livros escritos sobre o cangaço são tendenciosos, tanto para o lado das
volantes, como para o lado dos cangaceiros, dos trabalhos que você conhece,
quais recomendariam?
JSL- José João
existem verdadeiras aberrações no meio. Leia os livros dos escritores que citei
acima. Agora se você encontrar um livro de um cidadão chamado Pedro de Morais,
corra desse rapaz.
30 -
Considerações finais.
JSL – Agradeço
a oportunidade e estarei sempre aqui pra receber os amigos e colaborar com
informações para deixar um legado sério sobre as pesquisas para que sirva às
gerações vindouras.
Geraldo
Antônio de Souza Júnior
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