Cineasta Maurice Capovilla |
Escolhido o episódio da morte do mito, ocorreu-me a ideia de não apenas fazer um documentário baseado na pesquisa e nos depoimentos, mas usar tudo isso como base para uma dramatização dos conflitos daquele dia fatídico. Ainda em São Paulo, encontrei Zé Sereno e sua mulher, Sila. Zé Sereno era o segundo ou terceiro homem na hierarquia do bando, detentor da inteira confiança de Lampião. Entrevistei-o no leito de um hospital. Sila, que era a costureira do bando e havia convivido intimamente com Maria Bonita, não só deu testemunho como também foi contratada para fazer os figurinos do filme. Sila mandou um bilhete para Dadá, a companheira de Corisco, na Bahia, pedindo que ela nos ajudasse com os chapéus, alpercatas e apetrechos de couro, sua especialidade.
Sila |
Eu não tinha depoimento direto a respeito disso, apesar de a pesquisa do Amaury apontá-lo como o coiteiro-mor, vendedor de armas para o próprio Lampião. E ainda havia uma estranha coincidência: ambos teriam nascido no mesmo dia e na mesma hora. Aquela perseguição tinha algo de romanesco – parecia escrita, em vez de acontecida. Com Fernando Peixoto, fui criando o roteiro da reconstituição segundo um cronograma, hora a hora, dos dados reais que apurávamos nas entrevistas.
"Mané" Felix |
Joca Bernardo |
O telegrafista que comunicou a presença de Lampião. |
Para o elenco, privilegiamos a semelhança física. Emanuel Cavalcanti era o ator perfeito para o papel de Zé Sereno. Bezerra foi interpretado com convicção por um capitão da PM que era primo do personagem real. Heládio Brito, meu ator-talismã nessa época, fez o sargento Aniceto. Lampião, o próprio, não recebeu maior destaque por ser um mito difícil de representar.
Tive receio de pôr em sua boca palavras que comprometessem a plausibilidade. Preferi mostrá-lo sempre de longe, de costas ou de banda, deixando um distanciamento proposital. Achei que isso ajudava na proposta documental do filme. A reunião de relatos e confissões permitiu-nos compreender e mostrar algumas motivações ocultas da opção pelo cangaço. Havia casos de vingança pessoal, ressentimentos e interesses diversos alimentando tanto o grupo de Lampião, como os macacos. Um dos soldados, por exemplo,era parente de sangue de José de Neném, o primeiro marido de Maria Bonita, e certamente estava na volante não somente por mero profissionalismo, mas até em busca de vendeta.
Durval Rosa |
Ex soldado Abdon |
Ancorar a reconstituição histórica em dados comprovados não deve ser uma limitação para o cineasta.
Muito pelo contrário, é o que lhe garante a liberdade de experimentar sem o risco de trair seu objeto. Reconstituir, por exemplo, o momento da morte solitária de Getúlio Vargas seria um despropósito. Ninguém sabe sequer como ele empunhou o revólver. Nesses casos, é melhor partir para a dramatização livre, sem qualquer apoio documental. Não aconselho ninguém a reconstituir a devoração do Bispo Sardinha pelos índios caetés...
• O último dia de Lampião (16 mm, Cor, 48 min)
Direção: Maurice Capovilla - Produção: Blimp Film para o Globo Repórter - Supervisão: Carlos Augusto de Oliveira - Roteiro e texto: Capovilla, Fernando Peixoto - Fotografia: Walter Carvalho Corrêa - Montagem: Laércio Silva - Som: Mario Masetti - Produção executiva: Quindó - Pesquisa: Amaury C. Araújo, C. Alberto R. Salles - Guarda roupa: Sila e Dadá - Música: Zé Ferreira, Oliveira Francisco - Narração: Sergio Chapelin - Elenco: Emmanuel Cavalcanti (Sereno), Salma Buzzar (Sila), Eduardo Montagnari (Lampião), Edileuza Conceição (Maria Bonita), Heládio Brito (Aniceto), Luiz Bezerra (Bezerra), Otávio Salles
1ª Fotografia - Acervo pessoal de Maurice Capovilla
Demais imagens do documentário foram inseridas por nós, para ilustrar o artigo.
Capítulo do livro Maurice Capovilla, A imagem crítica.
Autor Carlos Alberto Mattos.
São Paulo, 2006.
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Coleção Aplauso Cinema Brasil
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