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terça-feira, 20 de agosto de 2024

RÉQUIEM PARA LAMPIÃO BASTIDORES DE UM DOS MELHORES DOCUMENTÁRIOS SOBRE O REI DO CANGAÇO


Cineasta Maurice Capovilla
Uma medida da liberdade que tínhamos no Globo Repórter foi a experiência de mistura de linguagens proposta, em 1975, por O último dia de Lampião. O projeto, que considero um dos meus melhores trabalhos para a TV, partiu de uma vasta, mas dispersiva pesquisa de Amaury Araújo sobre o fenômeno do cangaço.

O que mais me interessou foi a indicação de testemunhas ainda vivas dos dias finais de Lampião no esconderijo de Angicos, em Sergipe, onde parte do bando foi dizimado. Não se tratava de ouvir dizer, mas de encontrar remanescentes capazes de falar diretamente para a câmera.

Escolhido o episódio da morte do mito, ocorreu-me a ideia de não apenas fazer um documentário baseado na pesquisa e nos depoimentos, mas usar tudo isso como base para uma dramatização dos conflitos daquele dia fatídico. Ainda em São Paulo, encontrei Zé Sereno e sua mulher, Sila. Zé Sereno era o segundo ou terceiro homem na hierarquia do bando, detentor da inteira confiança de Lampião. Entrevistei-o no leito de um hospital. Sila, que era a costureira do bando e havia convivido intimamente com Maria Bonita, não só deu testemunho como também foi contratada para fazer os figurinos do filme. Sila mandou um bilhete para Dadá, a companheira de Corisco, na Bahia, pedindo que ela nos ajudasse com os chapéus, alpercatas e apetrechos de couro, sua especialidade.

Sila
Zé Sereno
A reconstituição deveria ser o mais fiel possível aos acontecimentos. Cruzamos depoimentos para confirmar cada informação. Não apenas entre os cangaceiros, mas até do lado da volante. O único dado assumidamente imaginário é a hesitação do Tenente João Bezerra da Silva, chefe da volante, em matar Lampião.

Eu não tinha depoimento direto a respeito disso, apesar de a pesquisa do Amaury apontá-lo como o coiteiro-mor, vendedor de armas para o próprio Lampião. E ainda havia uma estranha coincidência: ambos teriam nascido no mesmo dia e na mesma hora. Aquela perseguição tinha algo de romanesco – parecia escrita, em vez de acontecida. Com Fernando Peixoto, fui criando o roteiro da reconstituição segundo um cronograma, hora a hora, dos dados reais que apurávamos nas entrevistas.

"Mané" Felix
Procuramos nossos personagens em Salvador (BA), Piranhas, Delmiro Gouveia (sudoeste de Alagoas) e finalmente na região de Angicos, onde concentraríamos as filmagens. Encontramos diversos ex-cangaceiros que foram testemunhas oculares, assim como coiteiros que ajudaram Lampião. Falamos com o telegrafista responsável pela mensagem decisiva da caçada final, com o comerciante que desconfiou da emboscada, com os dois barqueiros transportadores da volante até Piranhas, com o soldado que desfechou o primeiro tiro em Angicos e o que atirou em Maria Bonita. Localizamos o vaqueiro Joca Bernardo, responsável pela denúncia do paradeiro do bando. Ele confessou pela primeira vez a traição, diante da câmera de Walter Carvalho.

Joca Bernardo
Esse Walter Carvalho não é o mesmo fotógrafo dos filmes de Walter Salles e co-diretor de Cazuza – o tempo não pára, mas Walter Carvalho Corrêa, sócio da Blimp e cria de Chick Fowle, o mago das luzes da Vera Cruz. Walter não fez muitos longas, ficou mais na publicidade e nos documentários, mas é um dos grandes fotógrafos brasileiros. Seu trabalho com a câmera na mão pelo terreno pedregoso de Angicos é de excelente qualidade. Angicos é um pedaço de riacho seco que deságua no São Francisco. Lugar inóspito, situado a três horas de caminhada da margem do rio, por dentro da mata. Levamos para lá alguns personagens reais, com o propósito de que indicassem os locais onde tudo aconteceu. Em seguida, rodamos as cenas com os atores.

O telegrafista que comunicou a presença de Lampião.
Os mesmos figurantes faziam cangaceiros e soldados. Para reconstituir o tiroteio, filmávamos o ponto de vista da volante às cinco horas da manhã e o contracampo dos cangaceiros ao cair da tarde. Durante uma semana, dormíamos não mais que três horas por noite, depois de desmontar o equipamento e retornar até nossa base em Piranhas.

Para o elenco, privilegiamos a semelhança física. Emanuel Cavalcanti era o ator perfeito para o papel de Zé Sereno. Bezerra foi interpretado com convicção por um capitão da PM que era primo do personagem real. Heládio Brito, meu ator-talismã nessa época, fez o sargento Aniceto. Lampião, o próprio, não recebeu maior destaque por ser um mito difícil de representar.

Tive receio de pôr em sua boca palavras que comprometessem a plausibilidade. Preferi mostrá-lo sempre de longe, de costas ou de banda, deixando um distanciamento proposital. Achei que isso ajudava na proposta documental do filme. A reunião de relatos e confissões permitiu-nos compreender e mostrar algumas motivações ocultas da opção pelo cangaço. Havia casos de vingança pessoal, ressentimentos e interesses diversos alimentando tanto o grupo de Lampião, como os macacos. Um dos soldados, por exemplo,era parente de sangue de José de Neném, o primeiro marido de Maria Bonita, e certamente estava na volante não somente por mero profissionalismo, mas até em busca de vendeta.

Durval Rosa
A estrutura de narrativas convergentes (cangaceiros X volante) é ainda bem clássica. A narração hoje me parece excessiva, embora então julgássemos necessária para garantir a atenção do telespectador. Mas a combinação de documentário e ficção era bastante nova para a televisão da época. No Globo Repórter, que eu saiba, nenhum programa havia incorporado performance de atores naquela extensão. O tratamento sonoro tampouco era dos mais convencionais.

Ex soldado Abdon
A sequência do clímax, por exemplo, foi filmada a 40 quadros por segundo, para dar maior dramaticidade, e deixamos o som direto distorcido na mesma medida, criando um efeito perturbador. A reza matinal dos cangaceiros, que acaba atuando como elemento de suspense, não foi invenção nossa, correspondia, no entanto, a um hábito diário do bando de Lampião.

Ancorar a reconstituição histórica em dados comprovados não deve ser uma limitação para o cineasta.

Muito pelo contrário, é o que lhe garante a liberdade de experimentar sem o risco de trair seu objeto. Reconstituir, por exemplo, o momento da morte solitária de Getúlio Vargas seria um despropósito. Ninguém sabe sequer como ele empunhou o revólver. Nesses casos, é melhor partir para a dramatização livre, sem qualquer apoio documental. Não aconselho ninguém a reconstituir a devoração do Bispo Sardinha pelos índios caetés...

• O último dia de Lampião (16 mm, Cor, 48 min)
Direção: Maurice Capovilla - Produção: Blimp Film para o Globo Repórter - Supervisão: Carlos Augusto de Oliveira - Roteiro e texto: Capovilla, Fernando Peixoto - Fotografia: Walter Carvalho Corrêa - Montagem: Laércio Silva - Som: Mario Masetti - Produção executiva: Quindó - Pesquisa: Amaury C. Araújo, C. Alberto R. Salles - Guarda roupa: Sila e Dadá - Música: Zé Ferreira, Oliveira Francisco - Narração: Sergio Chapelin - Elenco: Emmanuel Cavalcanti (Sereno), Salma Buzzar (Sila), Eduardo Montagnari (Lampião), Edileuza Conceição (Maria Bonita), Heládio Brito (Aniceto), Luiz Bezerra (Bezerra), Otávio Salles

1ª Fotografia - Acervo pessoal de Maurice Capovilla
Demais imagens do documentário foram inseridas por nós, para ilustrar o artigo.

Capítulo do livro Maurice Capovilla, A imagem crítica.
Autor Carlos Alberto Mattos.
São Paulo, 2006.
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Coleção Aplauso Cinema Brasil

P
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SILA FALAVA SOBRE... OS VAGALUMES DE MARIA BONITA

 Por Raul Meneleu

Na história do Cangaço precisamos ter cuidados em fazermos afirmativas, pois as contradições que muitas vezes, senão em maioria, nunca foram propositais.

 Sila de Zé Sereno sentada na mesma pedra da véspera de 28 de julho.

Destaco o depoimento da cangaceira Sila, quando, contando que na noite anterior do fatídico dia da morte de Lampião e Maria Bonita, junto com mais nove cangaceiros, estava sentada em uma pedra, conversando com Maria e que viu lampejos que ela achava que poderiam ser fachos de lanternas, mas que fora dissuadida por Maria Bonita, que lhe dissera que eram apenas luzes dos vagalumes.

Ela então talvez convencida naquela ocasião, que realmente eram lâmpadas de vagalumes, não ficou preocupada e nem disse isso ao seu companheiro Zé Sereno quando chegou em sua barraca. No depoimento ela diz que após o acontecido,  lembrando dessa conversa, esta lhe marcou a mente, que eram soldados fazendo o cerco ao Angico. Mas pergunto: que hora era  aquela da conversa, se o ataque se deu cedinho pela manhã e temos testemunhos de soldados, que disseram que às 3 horas da manhã, não tinham ainda atravessado o Rio São Francisco.
Avance para '5:03min do vídeo de Aderbal Nogueira, com trechos da entrevista do sargento Antonio Vieira que esteve no massacre de Angico, onde ele afirma o horário que estariam rumando para o cerco na grota.
A mente humana pode ser convencida por algum fato lembrado, mas que necessariamente tal fato não se deu. Boa parte das lembranças do ser humano é falsa. Jamais aconteceu. Não passa de mentiras inventadas pelo cérebro, dizem os psicólogos.

Parte das lembranças é pura imaginação. Isso porque a memória não é um registro da realidade – é uma interpretação construída pela mente. O nosso cérebro inventa o mundo, das cores que a gente vê às experiências que a gente vive. E edita essas informações antes de gravá-las.

Boa parte das lembranças é falsa. Jamais aconteceu. Não passa de mentiras inventadas pelo cérebro. Lembrar é imaginar, e imaginar é distorcer.

Em uma reportagem de Gisela Blanco e Bruno Garattoni publicado na revista Super Interessante de julho de 2018, reportando sobre isso, mostra que essas lembranças sempre afloravam no consultório de algum psicólogo, depois de sessões de terapia com técnicas de hipnose e regressão e se descobriu muitos casos de falsas memórias, que haviam sido acidentalmente induzidas por psicólogos durante sessões de hipnose. É aquela história que de tanto se falar se acredita.

"É uma interpretação construída pela mente. O nosso cérebro inventa o mundo, das cores que a gente vê às experiências que a gente vive. E edita essas informações antes de gravá-las, explica o psicólogo cognitivo Martin Conway, da Universidade de Leeds. Cientistas da Universidade Harvard pediram a voluntários que se lembrassem de uma festa em que tinham estado. Em seguida, eles deviam imaginar uma festa que ainda não havia acontecido. Os pesquisadores monitoraram as cobaias durante todo o experimento e descobriram que, nos dois exercícios, sua atividade cerebral foi praticamente a mesma. Ou seja: os mecanismos que usamos para acessar nossas memórias são os mesmos que usamos para imaginar as coisas. Uma pessoa pode ter lembranças erradas ao ler o que está gravado corretamente na sua memória,

Vocês podem até se lembrar do principal, mas todo o resto será distorcido – com direito a várias informações criadas pelo cérebro. Já que a memória e a imaginação usam os mesmos mecanismos, a mente não vê problema em dar uma inventadinha para completar as lacunas.

Essa tendência é tão forte que a Justiça possui artifícios para se defender disso, e ver se os relatos de testemunhas estão contaminados pela imaginação. Além de propor situações que não aconteceram (como no caso do americano Paul Ingram), os interrogadores evitam perguntas indutivas (“ele estava usando um boné, certo?”) ou que envolvam raciocínio negativo (“isso não está certo, né?”), pois elas acabam levando o cérebro a distorcer as memórias. Mas não há uma maneira de determinar, cientificamente, se uma lembrança é real. Nem mesmo o detector de mentiras consegue desmascarar falsas memórias, e por um motivo simples. Sabe aquela máxima que diz: uma coisa não é mentira quando você acredita nela? Pois é.

Apesar de tudo isso, é difícil imaginar uma sociedade que não acreditasse na memória das pessoas. Não existiria verdade nem realidade coletiva, pois cada indivíduo viveria isolado em seu próprio mundo de lembranças. “A crença na memória é fundamental para várias instituições da sociedade, como a Justiça e as escolas”, afirma Schacter. Ainda bem. Pois, no futuro, nossas memórias serão totalmente diferentes."

Então amigos, não era porque Sila estava mentido. Ela e Maria Bonita realmente conversaram naquela pedra e a lembrança que Sila teve quando algum tempo depois, alguns dias depois ou talvez meses, quando ela lembrou ficou gravado em sua mente que aquelas luzes de lanternas eram dos Soldados. Mas não poderia ser pois, a que horas elas estavam conversando em cima daquelas pedras? Era 3 horas da manhã? Eu duvido que isso se deu nessas horas entre 3 e 4 da manhã! Provavelmente deveria ser, essa conversa, antes de 22h.

Mas aí já entra da minha parte essa interrogação. Mas sinceramente acho muito difícil que essa conversa tenha se dado as 3 horas ou 4 horas da manhã pois os soldados ainda estavam atravessando o rio.

Documentário: Aderbal Nogueira 

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IVANILDO SILVEIRA E SÉRGIO DANTAS COMENTAM... RACISMO E VIOLÊNCIA NO CANGAÇO.

 Os pesquisadores Ivanildo Silveira e Sérgio Dantas abordam dois pontos polêmicos em mais um imperdível documentário de Aderbal Nogueira.


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ADERBAL NOGUEIRA APERTA O REC.... DIZ AÍ, SERGIO DANTAS.

 Um dos mais respeitados pesquisadores e escritores do movimento cangaço, o pesquisador potiguar Sérgio Augusto de Souza Dantas, fala um pouco sobre suas andanças e também sobre a vida do famoso Corisco, o Diabo Loiro.

 Parte 1
Parte final

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SHOPING DA VILA

 Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.089


 

Construído, aproximadamente, em torno de 1915, ainda Santana vila, o “prédio do meio da rua”, era uma espécie de Shoping da época. Um edifício muito grande, situado em parte do Largo do Comércio, repartido em vários cômodos para aluguel. A sua existência ajudou a estimular as ações comerciais da vila que sempre demonstrara vigor. Era triangular. Duas faces grandes, duas faces menores. Na face Oeste, havia as casas comerciais de Pedro Chocho (tecido), de Doroteu Chagas e Cleto Duarte (tecidos); face Sul, Marinho Rodrigues (armazém de secos e molhados) depois José Galego ex-jogador do Ipanema (salão de sinucas); face Leste, Nézio (barbearia); face Norte, Cariolando Amaral (farmácia), José Azevedo (tecidos). E na esquina Norte/oeste Ulisses Silva (magazine, tecidos). E, no único primeiro andar do edifício, sobre o magazine, apartamento onde vivia o viúvo comerciante Ulisses Silva.

Parte da feira de Santana do Ipanema, era realizada na face Norte e na face Oeste: da Farinha, do Fumo, das Redes, das Malas, do Sal. Aliás, a feira de Santana do Ipanema, teve início ainda nos primórdios de vila, aconselhada pelo padre Francisco Correia para funcionar em dia de sábado, como continua até o presente momento. Depois foi incluída para preencher o vazio da semana, outra feira semanal da quarta. Esta, mais fraca. Só supera a do sábado durante a Semana Santa. Na atualidade, Santana dispõe de feira todos os dias. A posição geográfica da cidade, pleno médio Sertão e boca do Alto Sertão, fez ali desenvolver um tradicional comércio assegurado como pujante até este primeiro quarto do Século XXI. Mais tarde, este município que era o maior de Alagoas, deu origem com as divisões de suas terras a oito novos municípios seus povoados e vilas.

São filhos de Santana do Ipanema e hoje suas cidades satélites: Ouro Branco, Maravilha, Poço das Trincheiras, Carneiros, Senador Rui Palmeira, Olho d’Água das Flores, Olivença, Dois Riachos e parte de Major Izidoro. Além da força do seu comércio, a cidade oferece prestações de serviços como rede escolar, rede de saúde, casas creditícias, complexo de Justiça, clínicas particulares, segurança, hospital SUS e religiosidade diversas. A cidade é cortada pelo rio periódico Ipanema (daí o seu nome) e o riacho Camoxinga, afluente do primeiro e que também virou nome do maior bairro da urbe. O seu comércio é considerado o mais bonito do interior alagoano e o segundo em movimento, perdendo apenas para o de Arapiraca.

Sertão é Sertão!

ANNTIGO “PRÉDIO DO MEIO DA RUA” Á ESQUERDA. Á DIREITA, “SOBRADO DO MEIO DA RUA”. (FOTO: DOMÍNIO PÚBLICO/LIVRO 230 ICONOGRÁFICO AOS 230 ANOS DE SANTANA).



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