Por José de
Paiva Rebouças
Ao ver
Lampião, Luiz Siqueira, o Formiga, pediu proteção. O cangaceiro garantiu, mas
lhe fez um interrogatório. Quis saber quantos homens estavam armados em
Mossoró. Formiga exagerou e disse que talvez uns duzentos.
Lampião chamou
o estado-maior e voltou a detalhar o plano de invasão. Escutaram as ponderações
de Massilon que desenhava na areia um mapa das principais artérias da cidade.
De acordo com
a estratégia, o ataque seria protagonizado por duas colunas que se dividiria em
quatro ao entrar na cidade. Sabino comandaria a tropa. Os melhores atiradores
seriam distribuídos nos grupos, cada um com cerca de 400 cartuchos.
Lampião propôs
entrar pela barragem do Rio Mossoró, mas Formiga avisou que seria arriscado,
pois havia um piquete naquela área. Aborrecido, Lampião chamou Massilon.
“Você tinha me
dito que entrava em Mossoró com dez homens. A cidade tinha poucos soldados e os
civis estavam desarmados e eram mofinos. Agora o homem tá disparado a brigar.
Não estou gostando nada disso”. Reclamou.
PRIMEIRO
ULTIMATO AO INTENDENTE DE MOSSORÓ
Fonte da imagem: http://www.blogdogemaia.com/detalhes.php?not=942
Lampião e Sabino perguntaram ao coronel Antônio Gurgel se ele conhecia o coronel Rodolfo Fernandes. Gurgel disse que sim, mas não era íntimo.
Coronel Antônio Gurgel - Fonte da imagem: https://tokdehistoria.com.br/tag/coronel-gurgel/
Lampião
ordenou que o coronel inscrevesse uma carta ao intendente. Determinou que no
bilhete fosse cobrado 500 contos de réis para o bando não entrar na cidade.
Gurgel achou
muito, Lampião então baixou para 400. Assim a carta foi feita.
"13 de junho de
1927. Meu caro Rodolfo Fernandes:
Desde ontem
estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da
cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante soma de quatrocentos
contos de réis – 400,000$000. Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso,
cerca de 150 homens bem equipados e municiados à farta. Creio que seria de bom
alvitre você mandar um parlamentar até aqui, que me disse o próprio Lampião,
será bem recebido. Para evitar o pânico e o derramamento de sangue, penso que o
sacrifício compensa. Tanto que ele promete não voltar mais à Mossoró. Diga sem
falta o Jaime que os vinte e um contos que pedi ontem para o meu resgate não
chegaram até aqui, e se vieram, o portador se desencontrou. Assim, peço por
vida de Yolanda para mandar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a
vida deste pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo tem me tratado com muita
deferência, mas, eu bem avalio o risco que estou correndo. Creia no meu
respeito.
(a) Antônio Gurgel do Amaral".
Depois de
escrita, a carta foi lida em voz alta. Lampião perguntou quem era Yolanda e o
coronel explicou se tratar da sua neta de dois anos. Ficou a cargo de Formiga o
trabalho de levar a carta e trazer resposta de Mossoró.
Yolanda Guedes - Fonte da imagem: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/o-ouro-dos-cangaceiros-para-yolanda.html
Ao chegar à cidade, o portador pode ver a aflição às pessoas. Casas vazias e mulheres chorando pelas ruas em desalinho. Perto do meio dia, entregou o bilhete à mão do intendente Rodolfo Fernandes. Ele leu o texto em voz alta para que os presentes acompanhassem o drama.
O coronel fez discurso efusivo bradando a necessidade da luta por parte de Mossoró. Em seguida, contou vantagem sobre a preparação da cidade. Com o fim da reunião, pediu ao portador que aguardasse na recepção pela resposta da carta. Horas depois lhe entregaram um pequeno bilhete.
Não é possível satisfazer-lhe a remessa de quatrocentos contos (400.000$000) pois não tenho e mesmo no comércio é impossível se arranjar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, sr. Jaime Guedes. Estamos DISPOSTOS a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança.
Preparação da
cidade para o combate
Apesar da
confiança de Rodolfo Fernandes o clima
em Mossoró era de pânico. Antes do meio dia, estima-se que 15 combóis já tinham
partido para Areia Branca. Dali a pouco, nem mesmo telégrafo teria mais gente para anotar os recados.
Aparelho de enviar telegrama -http://www.explicatorium.com/fisica/telegrafo.html
Trincheiras
tinham sido espalhadas pela cidade, mas a maioria estava incompleta. Muita
gente tinha largado as armas e ido embora, outros caíam de sono por causa da
vigília da noite.
A maior
barricada ficou na frente da casa do chefe da intendência... Sacos de algodão
foram colocados em posição estratégica de modo a não permitir qualquer
transposição. Pelo menos 40 homens estavam de prontidão do quintal ao telhado.
Trincheira da casa do prefeito Rodolfo Fernandes. À esquerda da foto acima está a igreja de São vicente
http://ataquelampiaomossoro.blogspot.com.br/
Manoel Alves
de Souza, Léo Teófilo e Manoel Félix ficaram no campanário da capela de São
Vicente. Tinham a incumbência de informar qualquer aproximação.
Estação Ferroviária de Mossoró - https://cronicastaipuenses.blogspot.com.br/2015/09/centenario-da-estrada-de-ferro-de.html
Na Estação Ferroviária, hoje Estação das Artes Eliseu Ventania, Vicente Carlos de Sabóia
Filho, o Saboinha, diretor gerente da estrada de ferro, distribuiu homens
armados em pontos estratégicos. Ao seu lado, estavam o engenheiro Lafaiete
Tapioca, o comerciante Raimundo Leão de Moura e os militares Severino França,
Clóvis de Araújo e o sargento Pedro Sílvio, além de nove funcionários.
A
quarta trincheira de defesa da cidade de Mossoró, em 1927, foi montada nos
armazéns da firma Tertuliano, Fernandes & Cia - http://amantesdeclio.blogspot.com.br/2015/08/
Outra
trincheira foi montada na empresa Tertuliano Fernandes & Cia. Na igreja
matriz, estavam posicionados o dentista Antônio Brasil, com um binóculo, e dois
policiais. No ginásio Diocesano, outros quatro homens; mais quatro na torre da
igreja do Sagrado Coração de Jesus e oito no Mercado Central.
Mercado Central de Mossoró - http://aluisiodutra.zip.net/arch2011-01-01_2011-01-31.html
Seis
atiradores se deslocaram para a parede divisória das águas do rio. Piquetes
menores foram dispostos no prédio da Mesa de Rendas do Estado, no Grupo Escolar
Eliseu Viana, no Grande Hotel, na residência de Ezequiel Fernandes e na Cadeia
Pública.
Grande Hotel de Mossoró - http://jotamaria-hmpb.blogspot.com.br/
Os tenentes
Abdon Nunes, Laurentino Morais e João Nunes ficaram responsáveis pelas
patrulhas nas áreas mais abertas. Coube ao vigário da matriz, Padre Mota
corrigir as trincheiras. Encontrou diversos problemas e chegou a dissolver a da
Caieira, redistribuindo os homens.
Padre Mota com Juscelino - http://www.tomislav.com.br/o-padre-visionario-que-aprimorou-sua-cidade/
ÚLTIMA TROCA
DE BILHETES
Passavam de
duas da tarde e Formiga não chegava. Os cangaceiros não podiam mais esperar.
Mesmo sem notícias do intendente, precisavam seguir. Às margens do rio Mossoró,
próximo ao Estreito, o capitão voltou a perder a paciência com Massilon.
“Você disse que o rio estava seco. A viagem está atrapalhada! Nada está dando certo”, reclamou. Massilon pouco respondeu. Atravessaram o rio com água na cintura.
Na outra
margem, Sabino usou os reféns como escudo humano. Antônio Gurgel ia na frente,
“Você é o nosso ministro da guerra”. Sentenciou.
Coronel Antônio Gurgel - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Pouco adiante, perceberam a
aproximação de um cavaleiro. Era Formiga com a resposta de Rodolfo.
Ao saber do
conteúdo Lampião amassou e jogou fora o papel. Alarmou aos comparsas que iriam
mesmo tomar Mossoró.
“Vamos atacar! É vergonhoso chegar tão perto e voltar sem
fazer uma tentativa”, destacou, conforme Sérgio Dantas.
Kiko Monteiro, Vera Ferreira e Sérgio Dantas
Lampião
parecia apreensivo. Desconfiava do fracasso e fez nova tentativa com Rodolfo.
Escreveu de próprio punho outro bilhete.
Antônio Gurgel disse que ali disse uma de suas frases mais célebres.
“Cidade de mais de uma igreja não
é lugar para cangaceiro”. (Lampião).
" Cel
Rodolfo
Estando Eu até aqui pretendo drº. Já foi um aviso, ahi pº o Sinhoris, si por
acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di
Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que
adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o drº. Eu não
entro, ahi mas nos resposte logo.
Capm Lampião."
Bilhete de Lampião - Fonte: http://blogdosenadinho.blogspot.com.br/2009/12/cel-rodolfo-estando-eu-ate-aqui.html
Ao receber a
mensagem de Lampião, coronel Rodolfo Fernandes fez como antes e compartilhou
com outros em seu gabinete. Recebeu apoio dos presentes. Após conversa longa
com o tenente Laurentino de Morais e Sabóia Filho, escreveu, também de próprio
punho, a resposta ao cangaceiro. Mais uma vez foi inflexível.
"Virgulino
Lampião,
Recebi seu
bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem
também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado
daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo que o Sr. Queira fazer contra
nós. A cidade acha-se, firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma.
a. Rodolfo
Fernandes Prefeito
13.06.1927"
Caminhada para
o ataque
No saco, a
dois quilômetros de Mossoró, os reféns foram acomodados na casa de Joaquim
Soares. Antônio Gurgel, Manoel Barreto e Formiga em um quarto; dona Maria José
Lopes e o coronel Joaquim Moreira no outro.
Dona Maria José Lopes - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Na preparação
para a guerra, o plano original tinha sofrido um contratempo. Embriagado
demais, Jararaca não possuía mais condições de comando. Com isso, restaram
apenas três frentes: A de Sabino, a de Massilon e a do Próprio Lampião.
O cangaceiro Jararaca preso em 1927 na cadeia pública de Mossoró - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Oito homens,
sob o comando do cangaceiro Félix (da Mata), foram destacados para vigiar os
reféns, esperar os resgates, cuidar dos animais e combater qualquer
resistência.
O cangaceiro Félix da Mata Redonda - Quem a coloriu eu não tenho a mínima ideia - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
No terreiro,
Lampião dava as últimas orientações antes de partirem.
“Sabino, você prenda
logo o coronel Rodolfo Fernandes, porque assim ele arranjará o dinheiro”,
disse.
O céu estava
cinzento naquela tarde, não havia vento e da terra subia um mormaço
insuportável. Apesar de motivados, havia sobressalto de preocupação.
Amadeu Lopes,
Pedro José, Azarias Januário, Júlio Soares, Joaquim germano, Guilherme de Melo,
Belarmino de Morais, Sancho Amaro, Geraldo Oliveira e o filho, reféns menos
importantes presos durante a jornada no alto Oeste, foram colocados na frente
como escudos humanos.
Pouco minutos
de caminhada, os homens de Sabino invadiram a mercearia de Antônio Domingos.
Abandonada desde o dia anterior. Mas à frente, violaram a residência de Luiz Firmino, também vazia de gente.
Ex-integrante
da extinta Guarda Nacional, Firmino mantinha em casa uma farda limpa e engomada
da corporação. Ao encontrá-la, Sabino se livrou das roupas velhas e se enfiou
no casaco. Ficou parecendo um militar.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição - http://telescope.blog.uol.com.br/sociedade/arch2010-03-01_2010-03-31.html
Passaram pela
caieira, onde Padre Mota tinha desfeito a trincheira, e, por volta das três e
meia da tarde, alcançaram o bairro Alto da Conceição. Uma sentinela atirou para
cima avisando da entrada dos cangaceiros e fugiu.
Com o susto,
os bandidos reagiram, mas atiraram à toa. Os reféns, que estavam mais à frente,
aproveitaram o momento de tensão para escaparem em direção ao rio. Não foram
seguidos.
Continuaremos
amanhã com o título:
"INVASÃO E RESISTÊNCIA: A HORA FATAL"
Fonte: Jornal
De Fato
Revista: Contexto
Especial
Nº: 8
Páginas: 26, 27, 28, 29 e 30.
Ano: 6
Cidade: Mossoró-RN
Editor: José
de Paiva Rebouças
E-mail: josedepaivareboucas@gmail.com
Ilustrado por: José Mendes Pereira
http://blogdomendesemendes.blogspot.com