Por: Ana Shirley de
Vasconcelos Oliveira Evangelista Amorim
(Departamento
de Estudos da Linguagem - UFRN)
Esta pesquisa
tem como objetivo investigar o processo discursivo de construção da linguagem
em uso na esfera jornalística, a fim de perceber como o gênero notícia é
constituído nesse campo de atividade social, bem como analisar os processos
argumentativos que estruturam os discursos escritos sobre o episódio da
resistência ao bando de Lampião em Mossoró no ano de 1927. O corpus da pesquisa
é constituído pelo noticiário da época veiculado nos jornais impressos Correio
do povo e O Nordeste, ambos de Mossoró/RN. A análise dos textos teve como
suporte teórico a Análise do Discurso; A Teoria da Argumentação e os estudos
sobre Gêneros do Discurso. Metodologicamente, esta é uma pesquisa de cunho
documental, uma vez que faz uso essencialmente do documento escrito. No que
tange à natureza dos dados, a pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de base
interpretativista. As análises revelaram-nos o modo como foi realizada a
abordagem do episódio na construção discursiva do texto midiático. Na análise,
consideramos as técnicas argumentativas adotadas na defesa da tese, os efeitos
de sentido sugeridos e o gênero abordado, o que nos revelou a maneira como o
episódio foi veiculado pelos jornais. Assim sendo, a construção discursiva
aponta determinados padrões de repetição, visto que o contexto linguístico
caracteriza-se no campo jornalístico por assumir, em primeira instância, uma
expressão local.
Palavras-chave:
Resistência. Notícia. Técnicas argumentativas. Produção de sentido.
1.
Considerações iniciais
A presente
discussão é parte de um estudo mais amplo, realizado no mestrado, no qual
examinamos a literatura de cordel, enquanto exemplo de jornalismo por ser
considerada uma das primeiras manifestações de jornal impresso a que o homem
teve acesso, visto que “atuam como jornal do sertão, líder de opiniões,
interpretador dos acontecimentos do país e do mundo” (CAMPOS, s.d, p.22).
Admitimos, desse modo, que tal gênero configura-se em valiosas fontes de
pesquisa, de informações de interesse histórico, etnográfico, linguístico e
sociológico.
Propomos, para
este momento, uma leitura dos discursos subjacentes ao episódio de Lampião em
Mossoró no ano de 1927. Sendo assim, nosso estudo tem como objetivo investigar
as relações interdiscursivas no processo de construção da linguagem em uso na
esfera jornalística, a fim de perceber como o gênero notícia é constituído
nesse campo de atividade social, bem como, analisar os processos argumentativos
que estruturam os discursos escritos sobre o episódio da resistência ao bando
de cangaceiros.
Por
conseguinte, considerando que a concepção dos gêneros do discurso defendida por
Bakhtin, implica em conceber as diferentes esferas sociais como critério para a
organização desses gêneros, tendo em vista que cada esfera de utilização da
língua “elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 2000,
p.279)”, direcionamos nossas reflexões acerca do enquadre dado à notícia na
perspectiva discursiva da memória sócio-histórica
construída nos jornais a partir de valores ideológicos (político, econômico,
religioso) que passam a ser elemento fundamental na constituição da imagem da
resistência.
Para tanto,
adotamos como universo de investigação o noticiário da época veiculado nos
jornais impressos Correio do povo e O Nordeste, ambos de Mossoró/RN. Conforme
acontece em toda pesquisa, as delimitações do objeto, dos objetivos e de outros
aspectos que estão relacionados a essa moldura de produção científica foram se
tornando imprescindíveis. As questões que se ressaltavam nos discursos produzidos
e circulantes nos jornais nos conduziram à procura de aportes teóricos que
pudessem dar conta delas. Logo atentamos para a necessidade de articular
diferentes áreas do conhecimento a fim de realizar uma apreciação do Corpus.
A análise dos
textos teve como suporte teórico, dentre os diversos paradigmas de pesquisa, a
triangulação dos pressupostos da Análise do Discurso Francesa (AD), com o eixo
paradigmático da Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996),
tomamos como fundamento de análise: o conceito de argumentação e as técnicas
argumentativas presentes no discurso com o intuito de aumentar a adesão do
auditório à tese defendida pelo orador. Além dos estudos sobre Gêneros do
Discurso, no qual priorizamos o olhar bakhtiniano (2000), pois enseja uma
melhor compreensão nas respostas às questões de pesquisa.
Admitindo que
a concepção da linguagem como prática social constitui o eixo norteador da
nossa análise, tornou-se imperativo o desenvolvimento de uma metodologia de
cunho qualitativo e base interpretativista, tendo em vista que a pesquisa
qualitativa trabalha com “o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1995, p. 21-22).
E
interpretativista, pois trabalhamos com os múltiplos significados que perpassam
os enunciados produzidos pelos poemas e jornais sobre a(s) realidade(s) do
episódio. Assim, Moita Lopes (1994, p. 331) entende que “o significado não é o
resultado da intenção individual, mas de inteligibilidade interindividual”, ou
seja, o significado é construído socialmente.
Sequenciando o
processo de construção, seleção e delimitação do Corpus, a nossa investigação
configura-se como um estudo do tipo arquivista, pois seu universo de análise é
formado a partir de um conjunto de documentos relacionados a um assunto.
Entendemos que sejam documentos escritos “quaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano”
(LUDKE, 1986, p.38).
Nessa
condição, compreendemos os jornais impressos enquanto atos de fala que ecoam
vozes sociais, produzindo discursos, e consequentemente, efeitos de sentidos
sobre inúmeros acontecimentos do mundo real.
2. A produção
de sentidos na notícia jornalística
Desde os
gregos, uma preocupação constante que persegue a mente humana, é a indagação
que atravessa gerações sobre o nosso acesso à realidade e pelos modos de
construção do conhecimento. Em outros termos: como aprendemos e apreendemos
algo como sendo algo? De acordo com Marcuschi (2007, p. 82), as soluções
encontradas variaram imensamente, desde os sofistas, para os quais era
impossível o conhecimento, até os nossos dias, quando se postula que a ação
comunicativa é uma das bases para a construção do conhecimento e produção de
sentido. A construção do conhecimento é, essencialmente, uma produção
discursiva.
Nessa
perspectiva, o texto, mais precisamente, o discurso jornalístico, em especial,
o noticioso, vem permanecendo mais que nunca na agenda de análises
linguísticas, sociológicas,
etnográficas e de estudiosos dos fenômenos midiáticos que têm procurado, em
diferentes épocas, definir precisamente o que é notícia, e seu grau de
influência na sociedade.
O discurso
midiático revela-se „ilusoriamente‟ como neutro e objetivo, assumindo uma
posição de realidade completa e absoluta, livre de subjetivações, procurando
enfatizar os relatos dos acontecimentos por uma única lente, dessa maneira,
estabelecer um sentido único, hegemônico. Dessa forma, a notícia jornalística
quase sempre é compreendida como um texto expositivo no qual os fatos se
apresentam por ordem de relevância.
Todavia,
apesar da comunidade jornalística partir da importância dos fatos que devem
alcançar seus leitores e/ou ouvintes, e consequentemente, definir o grau de
noticiabilidade com base em critérios de valoração capazes de catalisar a
atenção do público, a notícia, não deve ser pensada apenas como um conjunto de
informações explícitas na materialidade linguística do texto, mas como um
espaço necessário para a articulação discursiva, a fim de empreender os
sentidos edificados sem se deter a aspectos puramente estruturais. Nesse
sentido, é preciso ultrapassar os limites textuais e considerar os fenômenos
contextuais, sociais e ideológicos imprescindíveis e reveladores da construção
semântica do texto jornalístico, o que implica dizer, segundo Gomes (2007, p.
7), “que o discurso da mídia revela particularidades que estão além da
notícia”.
Nessa ótica, a
palavra assume papel primordial, pois é a partir dela que o sujeito se
constitui e é constituído. Essa, compreendida como signo ideológico é parte
integrante de uma realidade seja ela social ou não. Com isso, a palavra, em
situação de uso, é um espaço de produção de sentido. Dela emergem as
significações que, consequentemente, se fazem no espaço criado pelos
interlocutores em um contexto sócio-histórico dado. Por ser espaço gerador de
sentido, controla e é controlada, por meio dos mecanismos sociais.
A palavra está
imersa numa situação social determinada e carrega consigo conteúdos e sentidos
ideológicos subjetivos. Diante disso, há o que chamamos de determinismo social,
ou seja, dependendo do interlocutor, da situação de uso, o falante determina
qual a melhor palavra a ser utilizada.
Como afirma
Bakhtin (1981 p. 113), as palavras que se pronunciam ou são inscritas numa
materialidade linguística, são verdades ou mentiras, coisas boas ou más,
importantes ou triviais e produzem reações de ressonâncias ideológicas.
O autor, em
seus estudos, observa que as palavras penetram literalmente em todas as
relações entre os indivíduos. Elas são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais, em todos os
domínios. Para ele, nesse aspecto, a palavra constitui o indicador mais
sensível de todas as transformações sociais. “Realizando-se no processo da
relação social, todo signo ideológico e, portanto, também signo linguístico, vê-se
marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinados”
(BAKHTIN, 1988, p. 113).
Com base nesse
entendimento, percebemos que quando o sujeito narrador prioriza relatar uma
coisa „x‟ ao invés de „y‟ ele conscientemente vê, à maneira de Bakhtin, a
palavra como algo que mostra e oculta, que veste e ao mesmo tempo desnuda algo.
Comungando com essa reflexão Stella (2010) examina além da capacidade de
funcionamento e circulação da palavra como signo ideológico, em toda e qualquer
esfera, a neutralidade da palavra no sentido de que recebe determinada carga
significativa a cada momento de sua utilização.
É possível,
portanto, entender que a palavra adquirida no meio sócio-institucional e
internalizada pelo sujeito, retorna ao seio da sociedade por processos de
interação, porém, numa forma diferenciada, alterada. Apresenta marcas
ideológicas que denunciam as suas condições de produção, em razão de elementos
sociais e históricos, pelas quais perpassam tanto os sujeitos envolvidos quanto
as próprias palavras. Entretanto, somente ao acontecimento enunciativo será
atribuído sentido, e as palavras, assim produzidas, carregarão valores.
Ana Shirley de Vasconcelos Oliveira Evangelista Amorim
CONTINUA...
Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
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