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quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O CONSELHO QUE O PADRE CÍCERO DEU A LAMPIÃO


Publicado a 02/09/2019
O conselho que o Padre Cícero deu a Lampião quando ele veio ao Juazeiro do Norte

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VE DOCUMENTA - LAMPIÃO - OS ÚLTIMOS DIAS DO REI DO CANGAÇO (PARTE 3)


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A MORTE DE SABINO GOMES


Se você quiser saber como morreu o cangaceiro Sabino Gomes basta adquirir o livro "Lampião a Raposa das Caatingas", escrito pelo pesquisador do cangaço José Bezerra Lima Irmão.


Você irá encontrar nas páginas 272, 273, 274 e 275. Basta entrar em contato com o professor Pereira através deste e-mail: 

franpelima@bol.com.br.

Você será atendido o mais rápido possível.

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QUATARVO, O RIACHO DAS MORTES

*Rangel Alves da Costa

Acaso perante uma fotografia, ao fundo, avistava-se o leito de um simples riacho sertanejo. Contudo, este riacho de nome estranho ao sertão, já teve no seu largo e nas suas ribanceiras o sangue espargindo sem piedade. Seu nome: Riacho do Quatarvo.
O Riacho Quatarvo está localizado nos arredores da Comunidade Areias, em Poço Redondo, sertão sergipano. Mais uma localidade, dentre tantas outras, cuja presença cangaceira deixou marcas profundas e dolorosas.
Muito foi o sangue escorrendo por cima de suas poças e nas beiradas mais acima de suas entranhas. Um pouco mais acima, porém ainda perto das ribanceiras, está a famosa Pia das Panelas, coito cangaceiro onde as decisões de vidas e de mortes eram tomadas.
Exemplo disso foi a morte de Rosinha de Mariano. Após a morte de seu companheiro, e não mais desejando continuar naquela vida sofrida do cangaço, a então viúva pede permissão a Lampião para ir passar uma breve temporada com sua família.
Mesmo relutando, o líder cangaceiro permite, mas sob condição de qual em tal dia e tal hora ela retornasse. E ela não cumpriu o combinado, só voltando ao coito depois da chegada de um recado medonho.


Ora, Lampião não permitia que cangaceiro simplesmente deixasse o bando por desejo próprio. O cangaço possuía muito segredo que não podia ser revelado de jeito nenhum. O cangaço possuía código de conduta, era conduzido a partir de regras que não podiam ser quebradas.
Temia-se que Rosinha, sendo mulher, abrisse a boca para revelações. E a ordem de retorno descumprida foi sua sentença de morte. Retornou sem saber que ia morrer, mas sua sina já estava traçada, e de forma impiedosa. A incumbência foi dada aos cangaceiros Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova.
E foi aí nas beiradas deste riacho sertanejo, o Riacho Quatarvo, que a ex-companheira de Mariano tombou sem vida. Morta por companheiros do próprio cangaço e tendo um fim que jamais esperou para uma mulher já passada por tanto sofrimento.
Nestas ribanceiras ocorreram nada menos que cinco mortes, dentre as quais a de Lídia de Zé Baiano, de Zé Vaqueiro e de Preta de Virgem. E dizem que também o cangaceiro Coqueiro, delator do pulado de cerca de Lídia.
O Quatarvo é um riacho que junta água em época de chuvarada, mas o sangue ali também pode ser avistado em correnteza.

Escritor
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REI E RAINHA


Por Pedro Melo

Flagrante do casal de cangaceiros Lampião e Maria Bonita. Capturado pelo fotógrafo libanês Benjamim Abraão, virou filme, Lampião O Rei do Cangaço de 1936.

Na intimidade, Lampião a chamava de Santinha e ela o chamava de nego veio do meu coração.

Foto: Maria penteia Lampião enquanto ele se perfuma diante da câmera, vaidosamente. 

Arquivo: Benjamim Abraão (Aba Filme)
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LAMPIÃO, SANGUE EM BELMONTE EM 3 VERSÕES

Por Raul Meneleu

Em O Canto do Acauã, na página 157 da sua segunda edição, revista e ampliada, temos a narrativa do histórico episódio sobre Ioiô Maroto e a morte do coronel Gonzaga, narrada por sua autora, Marilourdes Ferraz, que nos conta: "... Apenas quatro meses depois do grande assalto à Água Branca o olho de lince de Virgulino mirou a riqueza de Luís Gonzaga Lopes Gomes Ferraz, residente em São José do Belmonte. Esse senhor gozava do apreço e admiração das pessoas da terra por sua capacidade de trabalho e probidade. Igual à imensa maioria dos sertanejos, teve um difícil começo na vida; foi almocreve e iniciou suas atividades comerciais junto a seu pai, Cândido, e ao seu irmão, João, ainda na vila de São Francisco. 

Quando ali não foi mais possível permanecer, os comerciantes partiram e entre eles estavam Gonzaga e Francisco Pita, mais conhecido por Chico Pita. Este, transformar-se-ia em industrial no agreste pernambucano, mas Gonzaga não foi tão longe, ficando ali mesmo no sertão, em São José do Belmonte, onde seria atingido pela violência na segunda quinzena de outubro de 1922. 

Ampliando suas atividades comerciais, Gonzaga conseguiu reunir bens consideráveis depois de longos anos de extenuante trabalho, movido pelo desejo de assegurar o futuro de sua família. Além de comerciante, era também fazendeiro, industrial, proprietário de uma usina de beneficiamento de algodão e de armazéns. Efetuava transações com couro de caprinos e com algodão, prestava assistência aos agricultores da região através de pequenos financiamentos e não se recusava a auxiliar parentes e amigos. Foi ele que ofereceu uma boa quantia como ajuda financeira para a construção da igrejinha de Nazaré. 

Família do Coronel Gonzaga (foto Valdir Nogueira)

Gonzaga há muito tempo vinha atendendo às exigências dos cangaceiros, fornecendo-lhes dinheiro, tecidos e objetos, para ser deixado em paz, até que sobreveio o incidente que o levou a cair no desagrado dos bandoleiros. Estava ausente de casa quando chegou um mensageiro com uma relação de pedidos a serem atendidos; sua esposa, indignada, negou-se a atender às exageradas solicitações, com um comentário final que o irritou: "Que fossem trabalhar como meu marido sempre o fizera". 

Antes mesmo desse episódio, ainda em maio daquele fatídico ano de 1922, parte do grupo de Sebastião Pereira, incluído Lampião, interceptou na estrada um comboio de tecidos para Gonzaga, proveniente de Arcoverde; a mercadoria foi arrebatada e fartamente distribuída entre os componentes do bando e moradores das proximidades a fim de silencia-los enquanto outra parte foi queimada. O comerciante sofreu com isso enormes prejuízos; depois disso, temendo outros assaltos e como medida de precaução, reuniu um grupo de homens armados para a sua segurança. Foi então que ocorreu outro fato desagradável. 

Cariri Cangaço em visita histórica à casa do coronel Gonzaga

O tenente Montenegro, comandante de uma força volante do Ceará que estava no encalço de Sebastião Pereira em terras pernambucanas, recebeu uma carta falsamente escrita em nome de Gonzaga,(vejam a segunda versão*) na qual se denunciava Crispim Pereira, mais conhecido por "Yoyô Maroto", como colaborador dos cangaceiros. Esse oficial, sem pistas ou sem informações sobre o grupo, foi levado a acreditar na carta-denúncia e antes de regressar ao Ceará passou pela casa de "Yoyô", procedendo a uma rigorosa arguição que levou "Maroto" a passar por sério vexame. 

Inconformado com o acontecido, Gonzaga logo entrou em contato com "Maroto" para explicar-lhe a sua inculpabilidade no caso. Este simulou acreditar na inocência de Gonzaga, tanto que dias depois lhe tomou emprestada uma máquina de descaroçar algodão. Foi nesse tempo que o comerciante resolveu dispensar o pessoal armado que se encontrava à sua disposição encarando com incredulidade um boato que então corria sobre um suposto ataque contra ele, promovido por seu compadre "Yoyô Maroto" juntamente com Lampião .  

Yoyô Maroto 

E o ataque aconteceu realmente. No dia 20 de outubro, às cinco horas da manhã, a residência de Gonzaga estava cercada por numeroso grupo de cangaceiros liderados por Lampião e "Yoyô Maroto". Gonzaga pelejou com todo empenho ouvindo os golpes de machados contra as portas, que foram arrebentadas. Quando os facínoras conseguiram entrar, Gonzaga refugiou-se no sótão, mas uma tábua do assoalho cedeu e ele caiu no meio da horda, que o liquidou friamente. Seguiu-se o saque, estendido a um armazém vizinho pertencente a Gonzaga; as mulheres da casa foram violentamente despojadas de suas jóias.  

Foi então que o cangaceiro Zé Terto, apelidado de "Cajueiro", vendo aquela situação constrangedora para as mulheres, reuniu-as num compartimento e postou-se à entrada em guarda, não permitindo que os companheiros tentassem outras violências. Aliás, era esse o comportamento habitual de "Cajueiro" durante os assaltos, proteger as mulheres contra ataques sexuais; dizia relacionar essa atitude com seus próprios sentimentos de respeito à sua mãe.
Os cangaceiros aquartelados na casa invadida respondiam agora ao tiroteio do bravo sargento José Alencar de Carvalho, que mesmo enfermo estava à frente de seu pequeno destacamento composto por oito soldados, tentando impedir que o assalto se estendesse a outras casas e estabelecimentos comerciais. Também extraordinária foi a atuação do parente e vizinho de Gonzaga, Manuel Gomes de Sá; juntamente com os filhos, João e Antônio, também sustentou a resistência, disparando contra os cangaceiros desde o início. O bando não conseguiu suportar por muito tempo o tiroteio cerrado do famoso sargento Alencar e bateu em retirada; deixava três mortos (Antônio "da Cocheira", "Baliza¹" e "Berdo") e seis feridos (entre os quais "Yoyô Maroto" e Cícero Costa).  

Soldado Heleno

A facção contrária perdeu, além de Gonzaga, o soldado Heleno; houve um ferido, João Gomes de Sá. O trauma provocado pelo trágico desaparecimento de Gonzaga levou sua esposa, Martina, a retirar-se do sertão com sua família, fixando residência no Sudeste do país. Com ela seguiu a família de seu cunhado, João Lopes Gomes Ferraz. Gonzaga, que foi também prefeito de São José do Belmonte, deixou os seguintes filhos: José, médico na Marinha Mercante (falecido); Napoleão, químico (falecido); Laércio, funcionário do Banco do Brasil; Ramiro e Otacílio, dentistas; e as filhas Nair, Diva, Maria de Lourdes e Edy (as duas últimas falecidas)." 

¹ - Segundo Baliza (Dic. Biográfico Cangaceiros e Jagunços pg 66 - Renato Luís Bandeira

* A segunda versão:  

Já no livro de José Bezerra Lima Irmão, Lampião a Raposa das Caatingas, a tratativa entre Gonzaga e o tenente Montenegro deu-se não por causa de carta anônima, e sim por um conchavo, pois a política afasta até mesmo irmãos, quanto mais compadres. 


Nos tópicos "Lampião faz justiça à sua maneira" na pg 122 sobre o "Desagravo a loiô Maroto e a morte do coronel Gonzaga, o autor cita sua fonte no escritor Billy Jaynes Chandler em seu livro Lampião o rei dos cangaceiros.**


Desagravo a Ioiô Maroto — a morte do coronel Gonzaga 

"Dando seguimento ao seu projeto de vingança, o próximo passo de Lampião foi o cumprimento da promessa feita a Sinhô Pereira, com relação aos maus-tratos infligidos à família de Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Ioiô Maroto. O episódio era ainda resquício das desavenças históricas entre as famílias Pereira e Carvalho. Ioiô Maroto, fazendeiro em Belmonte, Pernambuco, parente de Sinhô Pereira, havia tido um problema com o coronel Luís Gonzaga Gomes Ferraz (coronel Gonzaga), prefeito (intendente) daquela cidade, ligado à família Carvalho, porque, apesar de serem compadres e amigos, Ioiô votara contra sua chapa na eleição para prefeito. 

Aborrecido com o fato, Luís Gonzaga aproveitou o ensejo da passagem de uma força policial do Estado do Ceará que tinha andado por Pernambuco à procura de jagunços de Zé Inácio do Barro e fez um conchavo com o comandante, o tenente Peregrino Montenegro, para que a volante fosse à fazenda São Cristóvão, de Ioiô Maroto, e desse uma surra nele. Os soldados fizeram mais que isso: saquearam a casa, maltrataram o fazendeiro e fizeram propostas obscenas às mulheres da família. Ioiô, profundamente desgostoso, sentindo-se desmoralizado, deixou de ir à cidade, não tirava a barba nem cortava o cabelo.  


Lampião procurou Ioiô Maroto e disse ao que vinha. Maroto ponderou que não queria vingança, entregava tudo a Deus. Lampião insistiu: — Eu prumiti a Sinhô Perera que risurvia esse negoço, e vou risorvê. Vá tirá essa barba e corta esse cabelo, seu Maroto! Quero qui o sinhô vá cumigo, pra vê a coisa! Vão se arrependê do dia qui pensaro qui o sinhô nun era home! 


Sinhozinho Alencar

O coronel Luís Gonzaga, também conhecido como Major Gonzaga, além de fazendeiro era também comerciante, dono do maior armazém da cidade, vizinho da sua residência, na praça da igreja. Lampião entrou em Belmonte com uns 70 cangaceiros na madrugada de 20 de outubro de 1922. Levava em sua companhia o jovem Tiburtino Inácio de Sousa, vulgo Gavião, filho de Zé Inácio do Barro, amigo de todas as horas de Sinhô Pereira. Chovia muito. Gonzaga e os vizinhos acordaram com uns estrondos, que a princípio pensaram ser trovões — eram os cangaceiros derrubando o portão do muro e em seguida a porta da cozinha a golpes de machado. 


Um vizinho foi correndo avisar ao sargento José Alencar de Carvalho Pires, conhecido como Sinhozinho Alencar, tido como sujeito valente, dotado de uma pontaria invejável. Embora na cidade só houvesse 7 soldados, alguns moradores se juntaram à polícia e logo começaram a atirar dos telhados e janelas das casas próximas. Os primeiros a entrar na casa foram Livino e Cajueiro. Na sala de jantar, toparam com dona Martina, mulher de Luís Gonzaga. — Cadê o Majó Gonzaga? — perguntou Livino. — Tá aí... — respondeu a mulher, assustada. Os cangaceiros espalharam-se pela casa, vasculhando cada cômodo — casarão enorme, com um corredor central, quartos de um lado e do outro. 


Livino entrou no quarto do casal, olhou atrás da porta, debaixo da cama, escancarou os armários. Nada do homem. Ao ouvir um ruído no sótão, Livino subiu a escada, forçou a porta e meteu a cabeça para espiar lá dentro. Mas o sótão era muito escuro. Gonzaga, de pijama, com uma pistola Browning na mão, recuou para o fundo do compartimento. Por azar, uma tábua do assoalho arrebentou e ele estatelou-se no chão, na sala da frente. Com uma perna quebrada, ele entrou num quarto e tentou saltar a janela, mas foi agarrado e arrastado de volta à sala.   


Sótão de onde caiu o coronel Gonzaga

Ioiô Maroto aproximou-se manejando o rifle cruzeta. Gonzaga arregalou os olhos, levantou os braços, as mãos espalmadas e trementes, suplicando clemência. Ioiô deu-lhe três tiros — dois no coração e um no meio da testa. Lampião abaixou-se, tirou a aliança do coronel e enfiou nela o próprio dedo médio. Contemplou a valiosa joia e calculou: — Esta vale pelo meno um conto de réis... Jogou em cima do corpo roupas e lençóis, e tocou fogo. Dona Martina despejou um balde de água sobre o corpo, debelando as chamas, de modo que o morto ficou apenas chamuscado. 

Um cangaceiro chamado Vereda ia arrastando Abgail (Biga), filha de Gonzaga, para um quarto, mas foi impedido por Cajueiro: — Você nun vai fazê isso, Vereda, só se me matá premero. Quais foi as orde qui nóis recebeu? Depois disso, dona Martina e a filha foram postas na despensa, e o cangaceiro Fiapo foi encarregado de protegê-las até o momento da retirada." 

** A terceira versão: 

Trago agora para os amigos, a obra apontada pelo autor do livro Lampião: Raposa das Caatingas, como referência, essa é terceira versão que comento. Billy Jaynes Chandler em seu livro Lampião o rei dos cangaceiros, na referência que faz ao assassinato de Luis Gonzaga, diz que não se sabe ao certo se Maroto pediu a Lampião para - se vingar, ou se Lampião, ao ouvir o que tinha acontecido a seu amigo acorreu e induziu-o a agir, pois contam as duas histórias. Uma versão conta que Sebastião Pereira, antes de deixar o cangaço, pediu a Lampião, na despedida, para matar Gonzaga. 


"Lampião... Uns dois meses depois, matou, de novo, por vingança, desta vez em Pernambuco. Foi um dos crimes mais famosos do princípio de carreira, pois a vítima foi um chefe político muito conhecido, Coronel Luís Gonzaga de Souza Ferraz.*¹º 

Gonzaga, que morava na cidade Belmonte, em Pernambuco, perto da fronteira com Ceará, não era inimigo pessoal de Lampião, mas este ajudou a matá-lo, por causa do amigo, Ioiô Maroto.  


Maroto era parente de Sebastião Pereira, que um dos companheiros de Lampião no cangaço, enquanto que Gonzaga pertencia à família dos Carvalho, inimigos tradicionais de Pereira. Durante anos, Gonzaga viveu armando intrigas contra os Pereira, também morou em São Francisco, a cidade natal de Sebastião Pereira. Mas o que realmente provocou o assassinato, foram os maus tratos que Maroto sofreu nas mãos de uma força da polícia do Ceará, que tinha vindo para Pernambuco, para caça aos bandidos. Em Belmonte, o comandante fez amizade com Gonzaga. No caminho de volta ao Ceará, os soldados passaram por São Cristóvão, a fazenda de Maroto e o maltrataram, bem como à sua família. Além de saquear a casa e dependências, eles insultaram Maroto e fizeram propostas obscenas às mulheres da família. Maroto pôs a responsabilidade da afronta a Gonzaga."   


E continua Billy Jaynes: 

"Não se sabe ao certo se Maroto pediu a Lampião para - se vingar, ou se Lampião, ao ouvir o que tinha acontecido a seu amigo acorreu e induziu-o a agir, pois contam as duas histórias. Uma versão conta que Sebastião Pereira, antes de deixar o cangaço, pediu a Lampião, na despedida, para matar Gonzaga.  

Imagem atual da casa do Coronel Gonzaga

De qualquer modo, Lampião e Maroto, à frente de setenta homens, chegaram a Belmonte, uma pitoresca cidadezinha situada num planalto, numa região de serras, na madrugada do dia 20 de outubro. Ao entrarem na cidade ainda adormecida, pensaram que não precisavam se preocupar, pois haviam só sete soldados no destacamento da polícia. O bando então se encaminhou para a casa de Gonzaga, situada na praça principal. A futura vítima era um fazendeiro abastado, e homem de negócios, e seu armazém, o maior da cidade, ficava pegado à casa.  

É evidente que o assalto foi por vingança, mas uma vingança que trazia lucro. Ao tentarem entrar na casa, os cangaceiros foram recebidos à bala. Isto serviu para alertar a polícia e outras pessoas na cidade. Seguiu-se, então, um tiroteio que durou umas quatro a cinco horas. Quando terminou, Gonzaga estava morto e seu armazém tinha sido saqueado. Maroto estava vingado. Terminado o trabalho, o bando teve que abrir seu caminho à bala, porém, com vítimas: quatro ou cinco cangaceiros morreram. 

Maroto nunca pagou pelo crime. Na confusão que se seguiu, a polícia não estava em condições de processá-lo, e portanto, ele continuou a viver em paz, e bem protegido, na sua fazenda, a uns dez quilômetros da cidade. Quando as condições melhoraram e finalmente foi aberto um processo contra ele, deixou a região e se refugiou na casa dos Feitosa, em Inhamuns, Ceará. Os Feitosa tinham adquirido a fama de dar proteção aos fugitivos da lei, de mais prestígio. 

Coronel Luiz Gonzaga Ferraz

Alguns anos antes, mais ou menos em 1905, os Feitosa tinham também dado proteção a vários membros da família de Antônio Silvino, quando estavam sendo perseguidos pela polícia de Pernambuco. Seus descendentes, assim como os de Maroto, ainda vivem em Inhamuns. Os descendentes de Maroto se misturaram com os Feitosa."

* 10 - A narração da morte de Gonzaga se baseia principalmente numa entrevista com João Primo de Carvalho, Belmonte, 30 de julho de 1975. O Diário de Pernambuco deu uma pequena nota, no dia 21 de outubro de 1922. Ver também Wilson: Vila Bella P 338-340.  

Vemos assim três versões mais ou menos iguais, se complementando em informações, mas com alguns conflitos. Nessa avaliação não me arvoro em opinar o que está certo ou errado, pois sei que até mesmo grandes historiadores e pesquisadores, colhem suas investigações na procura da verdade, buscando-as nas indagações a pessoas que viveram à época ou que ouviram a história de quem esteve presente, também averiguando jornais, revistas, e livros, explorando e indagando. E que a mente humana é falha em guardar os acontecimentos ao longo dos anos que se passaram

Raul Meneleu, Pesquisador
Conselheiro Cariri Cangaco
Aracaju, Sergipe


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LAMPIÃO E SEUS CANGACEIROS...

No sertão de Araci/BA 
Por: Fernando Tito
Germinia Pinho da Silva Góes, foto abaixo, Nascida em 23 de Junho de 1928. Mora em Araci-Bahia. Foi visitada na infância pelo bando de Lampião. Relato feito em Dezembro de 2007 à Fernando Tito.
Sabendo dos rumores que Lampião estava nas redondezas, meu pai José Tibúrcio da Silva, ao viajar para Queimadas mandou que minha mãe, Marcionília Pinho da Silva, fosse dormir na casa do cunhado (Martinho Pereira da Silva) que ficava perto, eu Germinia Pinho da Silva tinha apenas seis meses de idade.

José Tiburcio da Silva como proprietário da Fazenda Paraíba, transportava daqui peles de ovinos, bovinos e caprinos que levava para Queimadas pois lá havia um curtume que era do Coronel Vicente Ferreira da Silva, que era primo de José Tiburcio da Silva. Ao chegar lá ele deixava as peles para serem curtidas e as que já estavam curtidas ele pegava para trazer, completando a carga com sacas de café que vinham de Jacobina para Queimadas.

Meu pai era dono de uma tropa de oito burros, sendo seu tropeiro o Senhor Higino morador da Fazenda Roda, ao chegar aqui na Vila do Raso, como era conhecido na época, meu pai tinha que ir prestar contas ao Coronel Vicente Ferreira da Silva, pois era ele que dava os fretes para meu pai conduzir. Foi no período desta viagem que Lampião chegou em João Vieira arraial de Araci, no mês de Dezembro de 1928, procurou saber quem era fazendeiro e quem tinha tropas de burros, alguém que se dizia ser amigo de meu pai informou a Lampião sobre meu pai e Lampião mandou o cangaceiro Corisco ir até a Fazenda Paraíba guiado por esta pessoa, pois não sabiam onde era a Fazenda, ao chegar não encontrando ninguém colocaram fogo na casa.

Quando foram cinco horas da manhã, pois eu acordava muito cedo para comer, minha mãe chamou as meninas para ir tirar leite das cabras, pois eu só tomava leite de cabra, ela me levava nos braços, ao chegar na malhada ela avistou o fogo em cima da casa e logo viram os cangaceiros com os fuzis, os burros amarrados e etc.

Ela respeitando os cangaceiros não seguiu, pediu que uma das meninas que ela criava que voltasse na casa do meu tio Martinho para chama-lo para poder encorajá-la, pois ele ia enfrentar eles, ao chegar trazendo consigo nos braços o garoto José Brígido da Silva (Zeles) que tinha apenas dois anos e dois meses de idade, ele se reuniu com minha mãe que estava comigo nos braços, ao se aproximar da fazenda ela avista a fumaça em cima do telhado, pois eles já tinham arrombado a porta e entrado, pegado dinheiro, peças de tecido de seda, saquearam a casa e depois pegaram querosene, que na época meu pai comprava querosene em lata, destelharam a cumeeira da casa ensoparam com o querosene e puseram fogo.
Então minha mãe disse:
Bom dia meus senhores! Com que autoridade vocês fizeram isso?
Eles responderam:
-A ordem que nós temos é quando chegarmos a uma fazenda e encontrar fechada colocar fogo na casa.
Ela respondendo disse:
Fez muito errado.
Eles perguntaram:
Cadê seu marido? Por que ele correu?
Ela disse:
Ele não correu, está viajando, está em Queimadas.
Eles disseram:
Nós soubemos em João Vieira que ele tem uma tropa de burros.
Ela respondeu:
Ele está viajando com essa tropa de burros, pois ele é cargueiro.
Eles retrucaram dizendo:
Por que a senhora correu?
Respondeu ela:
Eu não corri apenas fui dormir na casa do meu cunhado, se eu estivesse corrido não estava aqui com um curral apartado com as cabras e o outro com o gado. Estou vindo agora porque a minha filha que carrego nos braços chorou para comer, então vir tirar leite das cabras para fazer mingau para dar a ela.
O cangaceiro disse:
Pois, então rodei e apague o fogo, que lá nos potes tem água.
Ela falou:
Tem mesmo, porque quem botou não foram vocês, fomos nós que botamos água nos potes.
Minha mãe entrou e apagaram o fogo.
Corisco disse:
-Viemos porque o meu chefe mandou e se encontrasse seu marido era para arrancar o caco da cabeça dele e levarmos como prova que ele estivesse morto.
Ela disse:
Pois não vai arrancar porque ele não correu e nem está aqui, está viajando.
Então eles se despediram e voltaram para o arraial João Vieira.

A casa que o Bando de Lampião colocou fogo na Fazenda Paraíba

 Foto em família: José Tiburcio, Marcionília Pinho, Germinia Pinho e José Brígido (Zeles) .
Marcíonília e José Tiburcio

Açude: Extinto Site da cidade de Araci/ BA

Adendo Lampião Aceso em 1º de Agosto de 2018: De acordo com o Portal Vila do Raso, Dona Germinia faleceu no dia 14 de janeiro de 2018, aos 89 anos.


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CONVITE!


 Por Sandro Lee

Venho aqui convidar todos os *compadres* é as *comadres* para prestigiar o lançamento do mais novo livro sobre o tema " Cangaço."


(Paulo Afonso história e roteiros do Cangaço) é o mais novo livro sobre o assunto escrito pelo grande Sandro Leite Cavalcante.



Venha e faça parte deste magnífico evento Cultural.
O evento vai ser na Casa da Cultura em Paulo Afonso - BA.

Na Av: Getúlio Vargas no dia 13 /09/2019 às 9 horas da manhã.


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CORONEL ZÉ PEREIRA E LAMPIÃO


Do acervo do pesquisador Sálvio Siqueira

Município de Princesa, no sertão da Paraíba, em 1930, o coronel José Pereira entrou em desavenças políticas e econômicas com então presidente da Paraíba, João Pessoa, deflagrando a Revolta de Princesa.


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PEDRO DE CÂNDIDO O HOMEM QUE SEGUNDO A HISTÓRIA CANGACEIRA FOI O TRAIDOR DE LAMPIÃO.

Por Moustafá Veras

Teria sido este homem um traidor? Alguém teria tomado diferente decisão dadas as circunstâncias nas quais ele se encontrava?


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MARIA CHRISTINA RUSSI DA MATTA MACHADO - Uma intérprete do cangaço

Uma intérprete do cangaço

Por Luiz Bernardo Pericás1

Em 18 de setembro de 1970, Joaquim Câmara Ferreira, membro histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e na época dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), aconselhava, numa carta a militantes de sua organização, que eles lessem dois livros que considerava importantes para sua formação naquele momento. O primeiro deles era Os sertões, de Euclides da Cunha. O outro, As táticas de guerra dos cangaceiros, escrito pela jovem pesquisadora Maria Christina Russi da Matta Machado. Não custa lembrar que o próprio Marighella dava grande valor ao estudo da gesta lampiônica e achava fundamental compreender a dinâmica das atividades dos afamados bandoleiros sertanejos nordestinos.

“Temos que ser como Lampião”, disse em certo momento o inimigo número um da ditadura. A forma como atuava Virgulino Ferreira e a longevidade de suas ações, portanto, certamente interessavam muito ao fundador da ALN, assim como ao seu sucessor no grupo (MAGALHÃES, 2012, p. 396; MAGALHÃES, 2015)2.

A obra de Machado, publicada no Rio de Janeiro em 1969, pela Editora Laemmert - na época dirigida pelo então jornalista e ideólogo da Organização Marxista Revolucionária (ORM), conhecida como Política Operária (Polop), Luiz Alberto Moniz Bandeira -, de fato, teria grande repercussão. Basta recordar que, quando o autor de O caminho da revolução brasileira foi preso, o comandante da Marinha que o interrogou no Centro de Informações da Marinha (Cenimar) chegou, inclusive, a mencionar o livro de Machado. Apesar de tudo, na ocasião, o texto polêmico não seria apreendido pelos militares (MONIZ BANDEIRA, 2010).

A Laemmert havia lançado no período obras emblemáticas, como A questão agrária, de Karl Kautsky, Da Noruega ao México e Revolução e contra-revolução, de León Trótsky, Poemas do cárcere e A resistência do Vietnã, de Ho Chi Minh, História do socialismo e das lutas sociais, de Max Beer, e O imperialismo e a economia mundial, de Nikolai Bukhárin, entre vários outros. O livro de Christina Matta Machado, incluído na série Cultura Popular, seria mais um nessa lista. E teria destaque. Afinal, na época em que As táticas de guerra dos cangaceiros foi editado, o Brasil passava pelo auge da ditadura, com perseguições, prisões e torturas de militantes de esquerda se tornando algo cada vez mais comum. E com a luta revolucionária se mostrando como única alternativa para diferentes grupos que apoiavam a resistência armada ao regime militar.


Nascida em 9 de fevereiro de 1938, em São Paulo, filha de Max Barbosa da Matta Machado e Adalgysa Russi da Matta Machado, Maria Christina Russi da Matta Machado concluiria o ginásio no Colégio Rio Branco, em 1954, e o curso clássico no Instituto Mackenzie, cinco anos mais tarde.

A jovem estudante se licenciou em história pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae da Pontifícia Universidade Católica (PUC) paulista (onde havia sido diretora de seu Centro Acadêmico) em 17 de dezembro de 1963, conseguindo, dois anos depois, uma bolsa de estudos obtida através do Serviço de Ensino Vocacional (SEV) de São Paulo, promovido pelo Ministério da Educação Federal, com o objetivo de treinar professores para a renovação do ensino secundário.

Ainda atuaria como membro da equipe de educação de base do Movimento Universitário de Desfavelamento (MUD) - nesse sentido, em 1965 participou do Seminário Nacional de Estudos do Problema Favela, organizado por essa entidade - e chegou a se matricular, em 1968, na Escola de Sociologia e Política (MACHADO, 1963a).

Em última instância, daria continuidade a seus estudos na Universidade de São Paulo (USP), onde ingressaria na pós-graduação, tendo como orientador de doutorado, inicialmente, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, de quem também foi aluna. Seria dispensada pelo eminente intelectual, segundo o próprio, por ele ter solicitado e obtido sua aposentadoria3 - outra versão, contudo, indica a mudança de tutor após ela ter se desentendido com o autor de Raízes do Brasil por desacordos sobre sua interpretação do tema (PAULA, 1973, p. 139-141).

Por causa disso, acabaria sendo orientada pelo professor Eurípedes Simões de Paula e prepararia a tese Cangaço: aspectos socioeconômicos, que mais tarde recebeu o título Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro4Clique aqui

O prazo final para a sua entrega na secretaria seria 31 de agosto de 1972, ainda que o trabalho, ao que tudo indica, estivesse bem adiantado. Ou seja, ela possivelmente depositaria o material antes da data exigida pela burocracia acadêmica (é provável que fizesse isso no ano anterior ao solicitado) (OFÍCIO/CIRCULAR, 1972).

Já tinha uma banca montada informalmente, que seria composta por Ruy Galvão de Andrada Coelho5, Pasquale Petrone6, Carlos Guilherme Mota7 e Sebastião Witter8. Todos haviam se comprometido, extraoficialmente, a participar da arguição da candidata9. Mas isso nunca chegou a ocorrer.

Afinal, ela daria seu último suspiro na madrugada do dia 23 de outubro de 1971, dentro de seu próprio quarto, no apartamento em que morava com os pais, na Avenida Paulista, na capital do estado.

A causa: edema agudo do pulmão, insuficiência cardíaca, leucemia e anemia. Machado planejava se casar um dia após sua defesa na USP e partiria, em seguida, para a França, onde faria um segundo doutorado na Universidade de Paris (com uma bolsa concedida pelo governo daquele país). O projeto era ficar na Europa até o fim de outubro de 1972, onde seria orientada por Frédéric Mauro. Sua trajetória, interrompida abruptamente, portanto, impediu que desenvolvesse seus estudos e impossibilitou que pudesse sofisticar ou mesmo reavaliar os argumentos apresentados em seu livro de juventude (PAULA, 1973).

Mesmo seu derradeiro trabalho acadêmico poderia ter sido modificado e aprofundado. Afinal, o professor Simões de Paula aparentemente discutiu com a estudiosa vários aspectos do texto, seu método, fontes e bibliografia, todos elementos que não foram incorporados em suas páginas finais, por não ter havido tempo (PAULA, 1973). Além disso, o trabalho deixado, ainda em fase de desenvolvimento, foi revisado por seu pai (um advogado aposentado), que não conhecia o assunto. O esforço do progenitor certamente foi louvável, mas não impediu que restassem diversos erros na versão final (problemas que ocorreram também em seu livro e que passaram despercebidos pela própria autora e pelos revisores da Laemmert e da Editora Brasiliense, que publicaria uma nova edição do livro em 1978).

É verdade que Machado havia feito, por quatro anos, uma extensa pesquisa de campo, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Teria percorrido, acompanhada da mãe, quase uma centena de localidades nordestinas por onde passou Lampião, gravou muitas entrevistas com ex-cangaceiros e acumulou um vasto material de arquivo sobre o tema10. A jovem doutoranda chegou a possuir uma quantidade significativa de livros, caixas de microfilmes, fichamentos, fitas cassete e recortes de jornal ligados à sua investigação.

Como resultado parcial de seus esforços, escreveu, nos tempos de estudante, “Nordeste da seca não é Nordeste da miséria”, “O sertanejo tem no sangue a liberdade” (monografia preparada para o curso de Literatura Brasileira, no qual esteve inscrita em 1966), “Visão geral do Nordeste”, “O sertão não progrediu” e dois trabalhos baseados na disciplina ministrada por Sérgio Buarque, “Canudos e a política de Antônio Conselheiro” e “A política dos coronéis”. Entre 1966 e 1967, ela participaria de seminários do eminente escritor, que ocupava a cadeira de História da Civilização Brasileira (MACHADO, 1963b).

Chegou a publicar os artigos “Aos que se comunicam” e “Aqui ali mulher” no Diário de S. Paulo, ambos em 1967, e “Memórias do cangaço”, no Jornal da Tarde, no mesmo ano. Havia ainda preparado “Classes sociais no meio rural” para a Revista de Sociologia (MACHADO, 1963b). Em Realidade, em 1968, sairia uma entrevista com Dadá, a mulher de Corisco (MACHADO, 1968), assim como, no ano seguinte e na mesma revista, a reportagem “A vida depois do cangaço” (juntamente com seu noivo, o jornalista Humberto Mesquita, com fotos de Jorge Bodanzky), na qual mostrava o reencontro de antigos bandoleiros do grupo de Virgulino Ferreira que haviam sobrevivido à tragédia da Grota do Angico (Zé Sereno, Sila, Marinheiro e Criança) com o soldado da volante Adriano Ferreira de Andrade em um restaurante de São Paulo, em um almoço promovido pela própria pesquisadora (MACHADO; MESQUITA, 1968)11 (duas outras matérias para a mesma publicação, “O último dos místicos” e “Lampião”, foram preparadas, segundo a autora).


Em 1969 lançaria também seu As táticas de guerra dos cangaceiros. E entre 1973 e 1974, finalmente, os capítulos de sua tese Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste brasileiro (MACHADO, 1973a; 1973b; 1973c; 1974a, 1974c)12 seriam publicados postumamente em cinco partes, em diferentes edições da Revista de História, obra que, em seu conjunto, foi considerada por Melquíades Pinto Paiva como um “importante estudo de natureza sociológica” (PAIVA, 2012, p. 223).

Não custa lembrar que aquele era um período de bastante interesse pelo cangaço, com periódicos como Jornal do Brasil, O Cruzeiro, Diário de Notícias, Fatos e Fotos, Manchete e Realidade levando à luz entrevistas e matérias investigativas sobre o assunto, escritas por nomes conhecidos como Oswaldo Amorim, Jorge Audi e Nonnato Masson, entre outros (AMORIM, 1969; AUDI, 1968; MASSON, 1961; NOBLAT, 1972; 1973; SILVA, 1970).

A tese de Christina Matta Machado se destaca, especialmente, pelos depoimentos de cangaceiros, coiteiros, volantes e políticos, personalidades como Dadá, Saracura, Labareda, Zé Sereno, Zé Rufino, Sila, João Siqueira, Balão, Eustáquio Jovino Ribeiro, Luiz Caldeirão e João Bezerra, entre outros. Ou seja, a autora dá voz aos personagens. O recurso da história oral é, portanto, um elemento fundamental em seu trabalho. Também inclui trechos de matérias jornalísticas da época, mostrando o papel da imprensa na difusão da informação e na construção da imagem dos cangaceiros.


 Maria Chrsitina e o ex-cangaceiro Anjo Roque Labareda.

O caráter irredentista do cangaço, por sua vez, é bastante desenvolvido por ela. A parte IV da tese, que discute aspectos culturais do sertão, como os valores dos bandoleiros, suas formas de convivência, o comportamento da mulher, a questão do machismo, o misticismo, as superstições, as crendices e os padrões de honestidade, talvez seja a melhor do conjunto da obra, que alterna momentos favoráveis com outros de menor rigor metodológico.

Ainda assim, é possível apontar diversos problemas no trabalho. É certo que ela utiliza autores clássicos em sua tese, como Caio Prado Júnior, Oliveira Viana, Nelson Werneck Sodré, Vitor Nunes Leal, Marcos Villaça, Roberto C. de Albuquerque, Walfrido Moraes, José Américo de Almeida, L. A. Costa Pinto, Wilson Lins, Ulisses Lins de Albuquerque, Raimundo Nonato, Estácio de Lima, Optato Gueiros, Josué de Castro, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Ranulpho Prata, Gustavo Barroso, Eric Hobsbawm e Rui Facó. Ainda assim, a bibliografia é insuficiente e usada de forma instrumental13.

A metodologia aplicada às entrevistas também é bastante frágil. A autora realizou arguições com um número limitado de indivíduos, classificando-os à sua maneira e extraindo conclusões peremptórias de amostragens aleatórias e exclusivistas14. Os números apresentados e as porcentagens não convencem os pesquisadores mais exigentes. O verniz cientificista, portanto, não se sustenta nesse caso (exemplos claros disso podem ser encontrados no capítulo “Coronel e seca” ou no “Anexo 1”, por exemplo). Além disso, a tendência a ver o mundo de forma maniqueísta, com poucos matizes, pode ser encontrada em profusão nos trabalhos da estudiosa, assim como algumas contradições na narrativa, como no trecho em que afirma:

Provavelmente a partir de 1930, com a desintegração das antigas oligarquias, os jagunços procuraram o cangaço como forma de defesa, uma vez que seus antigos protetores já não possuíam o mesmo prestígio. 

Desta forma, o cangaço aumentou com todos esses elementos perseguidos, mas enfraqueceu-se em seus princípios e normas. 

 Percebemos, na década de 30, o início da desintegração do movimento. (MACHADO, 1973b, p. 187 - grifos nossos). 

É possível notar a influência de Eric Hobsbawm (Rebeldes primitivos, 1959)15 assim como do livro Cangaceiros e fanáticos, do jornalista Rui Facó (1963a)16. Mas, se o intelectual pecebista realizava seus estudos a partir de uma perspectiva político-partidária, a pesquisadora da USP analisaria o fenômeno de um ponto de vista acadêmico. Ou seja, a obra de Machado é claramente um reflexo de sua época, traduzindo para o meio universitário uma discussão candente no ambiente político da esquerda brasileira.

Um dos depoimentos incluídos na tese é emblemático. Um entrevistado da jovem pesquisadora diria: “Lampião tinha qualquer coisa de extraordinário - era sua tática de guerrilha. Quando Mao Tsé-tung fazia guerrilha no remoto Oriente, Lampião o fazia aqui no Brasil muito melhor” (MACHADO, 1974a, p. 179)17. Em outro momento, ela chegaria a afirmar que os cangaceiros “não roubavam dos pobres, e, muitas vezes, o produto do furto, efetuado contra os ricos, era distribuído com o povo” (MACHADO, 1974a, p. 195). Um argumento típico da interpretação de esquerda da época, mas que não corresponde necessariamente à realidade...

A pequena obra da autora certamente tem importância, ainda que esteja intrinsecamente ligada ao momento histórico em que foi produzida. Mas, se ela tem o mérito de ter sido pioneira nesse sentido, é difícil dizer que suas elaborações tenham resistido ao tempo.

O caso de As táticas de guerra dos cangaceiros é emblemático. É certo que houve quem admirasse tal estudo. A antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros chegou a dizer que aquele seria “um dos mais interessantes livros sobre a história de Lampião [...] pela riqueza de informações sobre o cotidiano do cangaço”, destacando a “beleza da narrativa” (BARROS, 2007, p. 81). O fato de ter sido orientada na USP por dois renomados professores, de acordo com Barros, tornava aquele “trabalho obrigatório para quem estuda este tema” (BARROS, 2007, p. 81).

A mesma admiração tinha Expedita Ferreira Nunes, filha do “rei dos cangaceiros”. Foi Christina Matta Machado que possibilitou a ida de Expedita a São Paulo para conhecer a ex-bandoleira Sila, que morava na cidade. Este, um dos papéis desempenhados pela jovem estudante de doutorado: colocava em contato indivíduos ligados a Lampião ou a seu grupo, em recepções organizadas por ela.


 A jovem Vera Ferreira (neta de Lampião e Maria) e sua mãe, Expedita
durante encontro histórico em São Paulo.

De acordo com Expedita, foi Machado que a fez ver “melhor” seus pais e a enxergá-los de uma maneira diferente daquela apresentada por outros escritores. Teria sido por causa da historiadora que deixou de ter vergonha deles. O livro da autora paulista, portanto, era o de que mais gostava dentre todos que havia lido (SOUZA; ORRICO, 1984, p. 116-117).


 Expedita, a escritora e Vera

 O encontro que reuniu ex-companheiros do rei do cangaço.

A própria Sila escreveria sobre sua experiência no cangaço e incluiria Maria Christina nos agradecimentos de uma de suas obras (SOUZA; ORRICO, 1984, p. 116-117). A intimidade da pesquisadora uspiana com Sila era tal que ela se tornou madrinha de casamento de uma das filhas da ex-cangaceira, numa cerimônia lotada, que contou até mesmo com a presença de uma equipe de televisão para registrar o acontecimento (SOUZA, 1995, p. 82).


 Alguns destes ex-companheiros de armas não se viam desde o fim do cangaço

Ainda assim, houve aqueles que apontaram uma diversidade de problemas sérios na obra.

Possivelmente o principal deles tenha sido Frederico Pernambucano de Mello (um dos mais importantes pesquisadores do cangaço). Para ele, o livro de Machado estava “eivado de erros imperdoáveis, além de não conter em suas páginas nada que diga respeito ao título” (MELLO, 2004, p. 156).

No livro é possível encontrar, assim como na tese, uma bibliografia que abarcava autores conhecidos e fundamentais para o desenvolvimento do tema, como André João Antonil, Capistrano de Abreu, Manuel Correia de Andrade, Roger Bastide, Eduardo Barbosa, Antônio Callado, Euclides da Cunha, J. Pandiá Calógeras, Luís da Câmara Cascudo, Rodrigues de Carvalho, Paulo Dantas, Celso Furtado, Gilberto Freyre, José Alípio Goulart, Leonardo Mota, Walfrido de Moraes, Edmar Morel, Graciliano Ramos, Franklin Távora e Luís Viana, entre muitos outros.

A pesquisa hemerográfica, por sua vez, incluía periódicos nordestinos do auge do cangaço, como A Tarde e Diário de Notícias (Salvador), Correio de Alagoas e os sergipanos Correio de Aracaju, A República e A Gazeta. Além disso, também utilizou anotações da disciplina de pós-graduação “Cangaço na realidade brasileira”, da Cadeira de Literatura Brasileira, que ela cursou na USP, em 1966, trabalhando as informações da monografia do professor Bernardo Issler.

Em outras palavras, ela possuía bom material para construir sua análise. Ainda assim, o resultado ficou bem distante do ideal.

O livro tem como características principais, portanto, o viés narrativo e factual, a tentativa de reproduzir a linguagem e os diálogos locais, e a preocupação com os aspectos estratégicos, táticos e militares dos cangaceiros (principalmente no capítulo “Tática de luta”), reforçando a imagem daqueles brigands como algo semelhante aos “bandidos sociais”18 (ainda que não utilizasse explicitamente o termo em suas páginas).

Tanto as notas de referência como as explicativas são elaboradas, em geral, de maneira bastante displicente, com pouca preocupação com os detalhes bibliográficos ou indicação de datas e locais onde colheu os depoimentos e relatos dos entrevistados. Por sua vez, na terminologia aplicada pela autora, sem maior rigor, palavras e conceitos como “estilo medieval”, “regime puramente feudal” (no período colonial), “camponês” (para designar os sertanejos nordestinos)19 e mesmo “movimento armado contra a injustiça” (MACHADO, 1969, p. 203) para descrever o cangaço (ela classifica a modalidade de “fenômeno” em outro momento do livro) são usados pela pesquisadora, que até mesmo fala sobre uma “estratégia do coronelismo e seus mercenários”.

Na tese, ela afirmaria que “o cangaceiro é um herói que se rebela contra uma perseguição injusta da polícia” (MACHADO, 1973b, p. 196 - grifos nossos). Algo similar é dito no livro publicado pela Laemmert, dessa vez sobre Lampião (figura central de seu trabalho), que para ela havia sido “o anjo da guarda dos pobres”! (MACHADO, 1969, p. 68). Afinal de contas, ele “não foi o flagelo do sertão, mas o flagelo dos coronéis” (MACHADO, 1969, p. 207).

A autora naturaliza, de forma determinista, os traços psicológicos de indivíduos e grupos humanos. Já no início da obra, ela afirma que “os cangaceiros nunca foram entendidos, porque jamais foram pesquisados” (MACHADO, 1969, p. 9), negligenciando uma série de estudos importantes realizados sobre o fenômeno (com diferentes graus de qualidade, profundidade e sofisticação, por certo) ao longo de vários lustros antes da publicação de seu livro.

Afinal, seja qual for a opinião do estudioso (e seu perfil político e ideológico), não se pode desconsiderar os trabalhos de autores como Estácio de Lima, Luiz Luna, Leonardo Mota, Antonio Xavier de Oliveira, Pedro Baptista, Optato Gueiros, Abelardo Montenegro, Walfrido Moraes, Abelardo Parreira e Ranulpho Prata, entre tantos outros, muitos dos quais, por sinal, ela conhecia e havia utilizado em seus textos.

Também no começo do livro, ela diria, em relação à mentalidade dos portugueses, que “quando vieram para o Brasil [no período colonial], trouxeram sua arrogância de grandes senhores” (MACHADO, 1969, p. 14). Ao final, por sua vez, depois de afirmar que “o sertão talvez progredisse, porque o elemento humano é bom e trabalhador, possuindo energia suficiente para lutar por seus direitos, por sua terra e família” (MACHADO, 1969, p. 203), a pesquisadora paulista conclui:

“A verdade é que o coronel de ontem é o mesmo de hoje, com a mesma mentalidade medieval, com os mesmos costumes, e acreditando ainda na sua prepotência, com o mesmo orgulho, e representando o maior entrave para o desenvolvimento social, econômico e político do Nordeste” (MACHADO, 1969, p. 208).

A resolução dos problemas regionais, contudo, é deixada em aberto...

Mesmo que hoje o nome de Christina Matta Machado seja pouco lembrado pelo grande público, ela produziu um dos livros de bolso dos guerrilheiros na época da ditadura militar e foi lida com grande interesse por toda uma geração de jovens no início dos anos setenta do século passado20.

Seus trabalhos, apesar de todas as limitações, continuam emblemáticos e ainda são usados como referência bibliográfica pelos estudiosos do cangaço na atualidade.


SOBRE O AUTOR

LUIZ BERNARDO PERICÁS é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e autor de, entre outros, Caio  Prado  Júnior: uma biografia política (Boitempo, Troféu Juca Pato – intelectual do ano, 2016). E-mail: lbpericas@hotmail.comhttps://orcid.org/0000-0001-8201-1181

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Pesacado em Revistas USP

A matéria foi ilustrada pelo Lampião Aceso.


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