Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
A PSICOLOGIA
DO CANGACEIRO
O BANDITISMO
NOS SERTÕES DO NORDESTE BRASILEIRO
UM ENSAIO
POLÍTICO-SOCIAL
(Especial para o GLOBO)
CAPÍTULO VI
Desde junho
deste ano vinha sendo notada a má vontade com que chefes políticos do interior
do Ceará olhavam a incursão das forças aliadas no seu território, em virtude do
convênio pernambucano; principalmente por parte das famílias cearenses Santa
Ana, Chicote e Arruda, que procuravam por todos os meios dificultar a
perseguição a Lampião e outros cangaceiros.
O “Diário da Manhã”, de Recife, em seu número de 15 de julho, transcreveu uma
entrevista dada por um fazendeiro do Ceará, José Ribeiro da Costa, ao jornal “A
Tarde”, da Bahia, na qual o referido fazendeiro declarou “que vinha do Ceará” e
que Lampião ali estava seguro contra quaisquer perseguições. – “A polícia do
meu Estado (disse ele) não incomoda Lampião. O Ceará oficial entende-se com ele
e o protege. O governador Moreira da Rocha e o padre Cícero garantem-lhe plena
liberdade de locomoção.”
Nesta mesma entrevista o citado fazendeiro fez também grave acusação ao governo
de Pernambuco (não são sabemos com que fundamento, uma vez que declarou “ter
vindo do Ceará”, onde tinha suas fazendas) afirmando – “que a polícia
pernambucana fingia apenas guerrear Lampião, mas que, de verdade, o que fazia
era aproveitar o lamentável estado de cousas, para tirar gordos proveitos.”
É bem de ver que o “Diário da Manhã”, folha oposicionista à situação política
de Pernambuco, inseriu também esta acusação. Entretanto, adiantou os seguintes
conceitos: - “Não queremos crer, assim, sem mais nem menos, que essa deprimente
invectiva seja procedente. Não temos, todavia, elementos para contestá-la. E ,
por isso, “limitamo-nos a registrá-la, visando com isso arrancar aos atingidos
pela vergonhosa incriminação palavras de defesa.”
Essa defesa não tardou. Foi-a “A Província”, de Recife, em nota que nos pareceu
oficial; e foi tal modo esmagadora, que o jornal oposicionista não voltou ao
assunto.
Dela extraímos os seguintes períodos:
“Se a polícia pernambucana “finge apenas” perseguir Lampião, porque fugiu ele
dos sertões de Pernambuco para se internar nos do Ceará? Depois que o Dr. Souza
Leão iniciou a campanha atual, é mister indagar: - “Onde as fazendas
pernambucanas incendiadas? Os roubos? Os assassínios? Apontem-nos, se puderem.
É verdade que o celerado volta às vezes aos nossos sertões, por dias, para se
ausentar de novo; ele, ou alguns bandidos do seu bando, que se dividiu em
diversos grupos, chefiados por outros perversos, por causa justamente da
perseguição tenaz que lhes movem os nossos soldados; mas vivem escondidos nas
caatingas, porque sabem que não há mais uma cidade ou vila que não esteja
guarnecida de tropa.
“No entanto, se querem ver com olhos justos, sinceros, vão ao teatro dos
acontecimentos. Todos os meios serão facilitados, por que de direito, aos
jornalistas que se interessam, a fim de darem lealmente o seu testemunho sobre
a ação de Pernambuco na campanha contra os bandoleiros.”
Mais alto,
porém, do que essa linguagem franca e leal, falam – “os fatos”.
Além dos 96 bandidos, mortos ou capturados, de dezembro de 1926 (data do
convênio) a maio do corrente ano, cujos nomes constam do nosso artigo, temos
mais os seguintes, de junho até hoje:
MORTOS EM
COMBATE
O temível
bandido Jararaca, lugar-tenente de Lampião, ferido e morto dias depois, tendo
feito declarações, tomadas por termo, de que muitos de seus companheiros já haviam
desertado do bando, diante da perspectiva da polícia pernambucana; José
Isidoro, vulgo “Jatobá”; José Lopes, vulgo “Pinga-Fogo”; Antônio de tal, vulgo
“Sabiá”; José Marinheiro, Antônio Garapu, coiteiro Firmino José Sant’Anna,
Hortêncio de tal, vulgo “Graúna”; Manoel do Vale, vulgo “Lavandeira” e Manoel
Maria – 10.
CAPTURADOS
João Nunes
Lima, Manoel Pereira, José Bento, Cândido Cícero, Agostinho de tal, vulgo
“Patrício”; Benedito Domingos, Fortunato Domingos, vulgo “Guará”. Antônio
Quelé, vulgo “Candeeiro”; Manoel Victor, José Vieira, José Guida, Firmino de
Dona, vulgo “Condutor”; Venâncio Ferreira, vulgo “Açucena”; Manoel Claro, vulgo
“Teotônio”; Cornélio de tal, vulgo “Pirulito”; Manoel Domingos, coiteiro David
Dudu, coiteiro Manoel de Lucinda, coiteiro Dionísio Vaqueiro, Domingos dos
Anjos, vulgo “Serra Uman”, terrível facínora do grupo de Lampião; Raimundo dos
Anjos, pai de “Serra Uman”; Luiz Paulo Santos, João Sipahuba, Emídio Lopes,
Antônio Juvenal, vulgo “Mergulhão”; coiteiro Cesário Domingos, Pedro Domingos,
Camilo Domingos, Albino da Silva, Domingos Souza, vulgo “José Pastora”; Júlio
de tal, coiteiro Antônio Bento dos Santos, vulgo “Cobra Verde”; José Terto,
vulgo “Caneta”; José Rosa, vulgo “Candinho”; João Terto, Nicodemos Cordeiro,
vulgo “Nico”; Luiz Bezerra, vulgo “Manoel Helena”; Manoel Luiz, vulgo “Manoel
Helena”; Marcos Gaudêncio de Sá, João Quirino Neto, Gabriel Pereira Barbosa,
Marinho Gonçalves dos Santos, Ângelo de tal, vulgo “Capão”, do grupo de Lampião
e Antônio Gregório, vulgo “Baraúna”, um dos mais perigosos do grupo de Lampião,
preso nos esconderijos da serra Arapuá, pelo bravo tenente Arlindo Rocha. – Ao
todo 47 capturados.
Aí temos, portanto, com os 96 do nosso artigo, os bandidos mortos em combate e
os capturados. Ao todo 153 cangaceiros, dos quais já estão livres os sertões do
Nordeste.
É assim que a polícia pernambucana “finge apenas” persegui-los.
Poderíamos terminar aqui o artigo de hoje; mas como se poderia pôr em dúvida a
veracidade da estatística que pacientemente organizamos pelas notícias
publicadas em diversos jornais, aqui e nos Estados do Norte, vamos transcrever
uma importantíssima entrevista que ao jornal “A Província”, de Recife, deu o
coronel Francisco Romão, fazendeiro no município pernambucano de Salgueiros,
depoimento tanto mais insuspeito, quando se trata de um “adversário político
intransigente da situação atual de Pernambuco, correligionário e amigo dedicado
do ex-senador Manoel Borba”.
Eis o que publicou “A Província”, em seu nº de 9 do corrente:
“Há dias esteve nesta capital o senhor coronel Francisco Romão, chefe político
“borbista” em Salgueiros. Disso tendo conhecimento, um repórter desta folha
resolveu ir ouvi-lo a cerca do banditismo em o Nordeste e, particularmente, em
Pernambuco.
O coronel estava em companhia de outro sertanejo político.
Falou o nosso repórter:
- Então, coronel, como vamos de policiamento contra o nefasto cangaceirismo? As
tropas têm desenvolvido com eficácia a perseguição ao banditismo?
- Esta é a verdade, senhor, respondeu o coronel. Correligionário do ex-senador
Borba, ao qual sempre dei o meu apoio e darei em qualquer emergência, por um
dever de lealdade para mim mesmo, não posso entretanto deixar de reconhecer que
o Dr. Eurico de Souza Leão tem sido um abnegado, diante os interesses dos
sertanejos, na campanha contra o banditismo. O amigo não pode avaliar os
vexames que passamos com os “raids” contínuos de Lampião às nossas paragens.
Era um horror. Mães que choravam, maridos que se maldiziam da sorte, finalmente
um pandemônio.
Hoje, porém, o grupo de Lampião está reduzido a 12 ou 14 bandidos, internados
nas caatingas, porque as forças policiais não lhes dão tréguas.
Hoje se pode viajar com plena segurança no sertão. A polícia pernambucana tem
desempenhado com louvores o que lhe foi confiado:
- o extermínio de
cangaceirismo.
O major Theophanes Torres, a quem o Dr. Eurico confiou a chefia das forças
volantes é um oficial esforçado, conhecedor absoluto de toda a zona sertaneja,
e, com calma, sem reclame, vem realizando uma campanha perfeita, de pleno
acordo com o chefe de polícia.
- Mas alguns jornais (replicamos) costumam, quando atacam o governo, desmerecer
a energia da polícia nos combates a Lampião. Que nos diz o coronel?
- Nada mais lhe posso adiantar. – sou “Quero que o senhor frise bem em seu
jornal o seguinte: - sou “borbista”, nunca abandonarei o ex-senador; por isto
ninguém mais autorizado do que eu para falar nestas cousas. Por um princípio
político “sou inimigo da situação atual”; e que lucraria eu louvar a polícia,
endeusando a campanha feita pela mesma em nossos sertões se tudo isto não fosse
verdade?
A campanha contra o cangaceirismo, feita pelo Dr. Eurico de Souza Leão e pelo
major Theófanes é uma campanha que merece todo o aplauso dos sertanejos. E
ouça: eu, chefe “borbista” intransigente, sou o primeiro a aplaudir.
O jornal
terminou a sua publicação com o seguinte período, que fazemos nosso: - “Os que
têm combatido a ação do Sr. Dr. Chefe de polícia, que contestem o coronel
Romão. Contra fatos não valem argumentos falsos”.
Justiniano de
Alencar (no seu penúltimo capítulo)
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com