Por Sálvio Siqueira
Ronqueira - pt.wikipedia.org
Lampião fica às escondidas por vários meses do ano de 1926. Acoitado nas terras
da fazenda do Coronel Isaías Arruda, com certeza maquinando algum plano junto
com o proprietário e outras 'autoridades' daquela região. Em fins do quarto mês
do ano de 1927 ele dar o ar de sua graça, quando comete inúmeros ataques e
assaltos a pequenos povoados e propriedades na região noroeste do Estado
paraibano. Tem-se a nítida impressão que ele tenta chamar a atenção das
autoridades daquele Estado para aquela localidade.
No décimo quinto dia do mês de Maria de 1927, a frente de mais ou
menos 35 cangaceiros, Lampião ataca a Vila de Belém do Arrojado, hoje Uiraúna -
PB. Esse aglomerado de casas localiza-se muito próximo à fronteira com o Estado
do Rio Grande do Norte. Pequeno, poucas casas, uma Igreja, com população mínima
e apenas um subdelegado para resolver seus problemas, torna-se cobiça aos
desejos do "Rei Vesgo". Seria, como em tantos outros, presa fácil
para seu intento.
Há dias que os jornais citam as arruaças dos cangaceiros. É solicitado ao
Governo proteção por parte das autoridades do município daquele reduto, porém,
não é tomado nenhuma providência quanto ao envio de tropas paras as cidades. E
no pender do sol daquele dia 15, um dos cidadãos, o sertanejo Leonardo
Pinheiro, estando há vários quilômetros da Vila, nota a movimentação da horda
em direção a mesma e, como não poderia deixar de ser, finca as rosetas das
esporas em sua montaria que parte em disparada com tamanha dor em ambos os
lados. Mil pensamentos o cercam, o vento em seu rosto não traz a refrescância
de uma brisa nas quentes tardes sertanejas, parecem chicotadas, o alertando
para o que viria em breve, e suas pernas, mesmo involuntariamente, abrem-se e
fecham-se na intenção de fazer seus animais correr com mais velocidade. Entra
naquela disparada louca na rua de Belém. A população já alarmada pelo tropel
dos cascos do animal, já estão alerta do que viria a ser... Leonardo enche os
pulmões e grita com todas as suas forças, levando ao grau máximo a elevação de
suas cordas vocais:
-“Vem cangaceiro por aí! Vem cangaceiro por aí! Parece que é Lampião e não está
a mais que umas duas léguas! ”
Aqueles que foram abandonados pelas autoridades do Governo do Estado, não se
acovardam, mas, nem um 'tinquim'. Homens de têmperas forjadas nos rincões
sertanejos, não optam pela fuga, em vez, decidem defender seus lares e suas
famílias.
O subdelegado, que com certeza o chefe do bando sabia
existir, mas, que também sabia não ter nenhum contingente a sua disposição, o
potiguar Nelson Leite, começa a movimentar-se e planejar uma ação de defesa. A
coisa não seria fácil. A quantidade de cangaceiros era três vezes mais do que
os defensores. Por mais que tenha se esforçado, o subdelegado só consegue dez
homens, formando assim, onze defensores contra uma horda de 35 cangaceiros
acostumados a luta, a troca de tiros, a sangrar... familiarizados com o odor da
pólvora queimada e com o cheiro forte do sangue humano.
Caminhando sem pressa, parecia estar saboreando, antecipadamente, a vitória
sobre as pessoas daqueles casebres esquecidos por todos. Sabendo do pânico, do
terror, do medo que seu nome casava as pessoas, Lampião segue a frente do
bando. Por volta das 5:00 horas da tarde, onde o sol, já preparando sua
despedida, espera a chegada das sombras da noite, começa sua despedida por trás
da serra do Luiz Gomes, depois da Vila, não muito distante, em comparando-se
com o sentido em que vinham caminhando. Com toda certeza, o chefe já tinha os
mínimos detalhes de tudo e todos do lugarejo, informações prestadas por seus
olheiros. O sol pende, escondendo-se por trás da aba da serra e, ao ver o
aglomerado de casas, Lampião tem a certeza que será mais uma ação rápida e
proveitosa.
Logo após o
aviso do cavaleiro, em sua disparada adoidada, o subdelegado manda que as
mulheres e crianças refugiem-se em casas de parentes nos sítios próximos ou
mesmo escondam-se dentro da mata. A caatinga oferece, para quem a conhece,
vários meios de acomodação e sobrevivência, e o sertanejo tem esses
conhecimentos, ele é obrigado a tê-los para sobreviver. As economias, resultado
de anos de trabalho, sofrimento e muito suor derramado, são colocados em
qualquer recipiente, panelas de barro, caixas de madeira, caixas de papelão...
e são enterrados em lugares marcados por árvores, pedras ou mesmo dentro de
casa por trás de algum móvel ou utensílio. Os comandos são exatos e
coordenados. Trazem as armas, a munição e as repartem. Antes da noite, a sombra
da serra, vem trazendo prenúncios de uma dura batalha.
O subdelegado, conhecendo bem onde está, distribui os poucos homens em
pontos estratégicos. O tempo parece ter parado. O relógio não anda... abafada,
a noite estende seu negro manto por sobre a terra. Gotas de suor teimam em cair
da testa de um, da ponta do nariz de outro, e todos estão com os dedos nervosos
nos gatilhos de suas armas. Sinforosa Claudina de Galiza, sobrevivente ao
ataque, relata em uma entrevista: “O ‘delegado’ Nelson Leite distribuiu uns
homens nos pontos mais altos da rua principal, dois outros guarnecendo as
laterais e três instalados no teto da Igreja. Quando Lampião entrou com o
bando, pela ‘rua velha’, começou a fuzilaria”.
Lampião já está as portas da Vila, mas, usa de uma estratégia muito eficiente,
a dúvida, a espera, o tempo... sabe ele que isso tudo, deixa os homens com os
nervos a flor da pele. Já passa das 8:00 horas da noite quando dá ordem para
que seus homens entrem, sorrateiramente, usando as sombras, nas ruas do
vilarejo. Tentando dar mais temor naqueles que se atreveram a defender a Vila,
o "Rei Vesgo" ordena que coloquem fogo em uma das casas iniciais. O
fogo é alimentado pelo material que foi usado para construir o casebre e, logo,
suas labaredas são vistas pelos homens sitiados. Suas chamas alcançam a cerca
de um curral, dando maior extensão ao incêndio.
Em uma entrevista, a senhora Maria do Socorro Fernandes, relata o que Josefa
Augusta Fernandes tinha anotado sobre o fogaréu: “Lampião começou destruindo a
propriedade do finado João Gabriel, tendo em seguida tocado fogo nos currais e
nas plantações de feijão e milho. O fogo serviu para alertar os homens da
cidade, sendo que eles já estavam em posição nos principais pontos daqui”.
O plano do subdelegado é bom. Ele escolhe, a dedo, dentre aqueles que
conhece, quem tem melhor mira, e os coloca em pontos estratégicos.
No prédio mais alto, ou seja, na igreja, posicionam-se Moisés
Lauriano, Joaquim Estevão, José Teotônio e Luís Rodrigues. Este último dá o
grito de aviso, alarmando para os companheiros que tinha notado sombras humanas
mexendo-se coladas as paredes das casas. O subdelegado dá a ordem e o tiroteio
torna-se cerrado. Lampião, nem de longe, esperava uma reação daquelas naquele
simples Vilarejo. Recua, não tem como entrar por aquela rua escolhida antes. O
fator surpresa foi por água abaixo. Usando de uotra tática sua, Lampião ordena
seus comandados a gritarem, ulularem, xingarem e ameaçarem, principalmente os
familiares dos defensores. Ao mesmo tempo passa a ordem para que fosse feito
uma nova investida pelo lado oposto daquele que se fizera o primeiro.
Aqueles que foram colocados no telhado da igreja, tem uma ótima visão de todo o
lugar. E ao verem a nova investida, disparam na mesma direção, ponto um
obstáculo no ataque novamente.
No pouco tempo que teve para organizar a defesa, o subdelegado teve a brilhante
ideia de fazer umas 'ronqueiras' - “Cano de ferro, preso a uma tora de madeira
e cheio de pólvora, o qual produz grande detonação quando se lhe inflama a
escorva”(dicionário Aurélio) - quando a ronqueira era disparada, dentro da
igreja, dando um sentido de uma explosão muito grande, começaram os cangaceiros
a pensarem que estariam, os defensores, munidos de canhões. Ficaram
zinguezaguiando feito baratas tontas diante de tão grandes explosões.
Lampião esbraveja ordens de ataque aos cabras e os mesmo seguem com receio do
que realmente teriam que enfrentarem. dentro da igreja, um dos defensores larga
o rifle e continua a carregar, e recarregar, sucessivamente as ronqueiras. Os
cangaceiros estancam, não conseguem nada verem pela densa fumaça e os estrondos
continuam...
Alucinado de raiva, Virgolino ordena que atei-se mais fogo nas casas e roçados
de plantações. Furioso, faz uma última tentativa, mas, o bom senso lhe avisa
que é melhor uma retirada. Pega seu apito, soprando os toques de retirada,
ordena a cabroeira a retirar-se.
Naquele ínterim, uma sombra movimenta-se, sorrateiramente, pelas sombras. É um
dos civis que defendem a Vila. No entanto, não há como saber quem seja...
então, o inesperado acontece. Um dos que no alto da igreja estão, atira de
ponto, atingindo-o em cheio. Ferido no pulmão, Antônio Correia logo morre,
tornando-se a única baixa daquela noite pavorosa.
Assim, um objeto feito para festejos e a inteligência bem aplicada de um homem,
derrotam uma horda de cangaceiros.
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