Lampião,
naquele tempo, antes de tomar chegada em algum local, estudava-o em todos os
seus ângulos. Essa preocupação do “Rei do Cangaço” tinha bastante lógica, pois,
de qualquer uma das trilhas ou estradas existentes, poderia surgir uma tropa
para dar-lhe combate. Sabedor dos acessos ao local ordenava para parte dos seus
homens fazerem piquetes e prenderem quem quer passassem. Nessa atitude tomada
pelo chefe, notamos a preocupação de Virgolino em ‘segurar’ alguém que os
visse, para que o mesmo não fosse levar a informação até seus perseguidores.
Era o mês de
Santana de 1925, já no decorrer do seu 4º dia quando, estando entre os
municípios de São Serafim, hoje Calumbi, e Triunfo, ambas em solo pernambucano,
acampado na serra dos Caititus, sob a proteção de dois fazendeiros, major Luca
Donato e o major Ernesto, o primeiro dono da fazenda Carro Quebrado e o outro
da fazenda Saco dos Bois, Lampião resolve enviar dois de seus famosos bilhetes
de extorsão para dois distintos moradores da região.
Naquela época,
esses protetores de Lampião eram pessoas influentes e de grandes posses naquela
ribeira.
“(...) Os dois (majores Luca Donato e Ernesto), além de senhores de engenhos
eram representantes políticos no Município de Triunfo. Nas terras do major
Ernesto morava 60 famílias trabalhando para ele, entre Calumbi e Triunfo
(...).” (“A Maior Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª
Edição. Paulo Afonso, BA, 2017)
Quando estava
acoitado nessa serra, Serra dos Caititus, Lampião se valia de uma construção
natural em uma das grandes rochas que lá existem, uma caverna na pedra, a qual
fora denominada, pelas pessoas da redondeza, de ‘Casa de Pedra’. São de grande
valor esses locais com esconderijos naturais, já existindo, não havia
necessidades de se modificar nada, não mexiam em nada, portanto, não deixavam
sinais da sua passagem. Escondiam-se bem e estavam protegidos.
Pois bem, os
bilhetes foram escritos dentro da ‘Casa de Pedra’ e enviados para os senhores
que moravam em locais diferentes, mesmo que tinham seus acessos por uma única
estrada. Um morava no sítio Saco dos Bois, Matias Moreira, e o outro no sítio
Melancia, que era o senhor José Calu. Tanto um, como o outro, negaram-se a
enviarem as quantias ‘solicitadas’ pelo cangaceiro mor do Vale do Pajeú das Flores.
O segundo deu
o silêncio como resposta, já o primeiro, envia um recado um tanto desaforado
para o solicitante:
“- Diga a ele ( Lampião), que se ele quiser dinheiro, vá trabalhar como eu
trabalho! Eu não tenho dinheiro para bandido não!” (Ob. Ct.)
A par da
situação, das respostas negativas dos dois, Lampião resolve levantar
acampamento e ir fazer-lhes uma visita pessoalmente. O senhor Matias, do sítio
Saco dos Bois, não estando em sua moradia naquele momento, escapa do ‘castigo’
e o “Rei do Cangaço” segue de estrada afora, rumando para o sítio Melancia onde
morava José Calu.
O Sítio
Melancia situava-se próximo à cidade pernambucana de Flores. Então, Virgolino
manda que uma parte de seus homens fizesse um piquete na estrada e que não
deixassem passar ninguém. Nem quem iria em direção à cidade nem quem dela
viesse. Cercando a casa, adentra-a com seus ‘cabras’ encontrando o dono, José
Calu, dentro dela. Aí as coisas começam a ficar ‘escuras’ para o lado da vida
de Calu. Na fase de interrogatório, no cacete brabo mesmo, José responde que
não havia enviado o que fora pedido por não possuir a quantia. Nesse momento,
Lampião manda que seus homens dispam as calças do roceiro, amarrem seu saco
escrotal com uma tira de couro e o penduram num ‘brabo’ que havia no meio da
sala.
Havia, naquela
época, um boato de que José Calu mantinha relações sexuais com sua filha, Maria
Barbosa, e Lampião saiu da casa dele dizendo a quem encontrasse pelo caminho,
que só fizera aquilo, mandar amarrar ele dependurado pelo ‘saco’, por esse
motivo. Apesar de ter sido um grande mentiroso em sua longa vida reinando o
cangaço, parece que esse detalhe sobre Calu e sua filha tem lá suas verdades.
Não que Virgolino tenha ido exclusivamente dar uma lição em um pai que abusava
sexualmente da filha, mas por ele não ter lhe enviado o que pedira. José Calu
era pai de três filhos, dois homens e uma mulher.
Um dos homens,
Manoel Barbosa do Nascimento era pai de dona Maria Vanusa Barbosa de Brito, a
qual tem o seguinte diálogo com o pesquisador/historiador Lourinaldo Teles
Pereira Lima, Louro
Teles:
“- Dona Maria
Vanusa, existe um boato que Calu abusava da filha! É verdade?” (pergunta Teles)
A neta de José Calu responde:
“- É, realmente havia essa história!”
O pesquisador torna a perguntar:
“- É verdade que Lampião pegou José Calu para dar-lhe uma lição porque ele
tinha feito mal a própria filha?”
“- Não! Ele queria apenas dinheiro.” (respondeu dona Vanusa)
No momento em
que Lampião e sua caterva aplicavam o castigo em José Calu, sua filha, Maria
Barbosa, conhecida por todos da região como Maria Calu, encontrava-se presente.
Lampião percebe que a menina estava usando um par de brincos de ouro. O “Rei do
Cangaço” quer os brincos, porém, a menina não os entrega, então ele arranca-os
na marra, com força, fazendo um estrago enorme nas orelhas da inocente.
A
entrevistada, Maria Vanusa, cita que sua tia, Maria Calu, ficou com as orelhas
rasgadas pelo resto da vida. O avô materno de dona Maria Vanusa Barbosa de
Brito, Manoel Barbosa, era cangaceiro e fazia parte da horda sangrenta de
Lampião naquele momento. Sendo um dos sobreviventes do cangaço, relatou como as
coisas ocorreram. Aqui pra nós, achamos que foi Manoel Barbosa que disse para
Lampião que José Calu, era possuidor de dinheiro. Sabedor de que ele não
possuía grana, tinha a certeza que seria aplicado o castigo nele. Isso tudo
pelo boato que todos comentavam sobre o abuso sexual.
Em várias
obras sobre o tema, encontramos os relatos de que José Calu veio a falecer
devido aquele castigo aplicado por Lampião, quando da sua ida ao Juazeiro do
Norte, CE, fazer uma visita à ‘Padim Ciço’, no entanto, sua neta, Maria Vanusa,
afirma que seu avô, só veio a óbito muito tempo depois, de complicações ocorridas
totalmente diferentes as que estão escritas em tais obras.
Após deixar
Calu dependurado pelo saco, Lampião toma o rumo das Roças Velhas onde estava a
sua espera sua ‘mulher’, a alagoana Maria Ana da Conceição. Ao chegar no sítio
Tenório, Lampião acampa e envia um mensageiro dar uma olhada onde mora sua
amada, afim de evitar encontros desagradáveis com alguma volante.
Havia um casebre de taipa, casa erguida com varas e barro, e é nessa casa que o
“Rei do cangaço” arma a sua rede. A cabroeira se entretém com jogos de cartas,
contando suas aventuras ou mesmo dando um cochilo na sombra de alguma árvore
frondosa que tinha próximo ao terreiro.
Vinda das
bandas da cidade de Princesa Isabel, PB, uma volante, comandada pelos sargentos
Cícero de Oliveira e José Guedes, estavam nos rastros da cabroeira. Seguindo
sinais e informações, chegam ao sítio Melancia, sabem e veem o que fizeram os
cangaceiros naquela casa. Os moradores fornecem-lhes as informações de qual
rumo haviam tomado à caterva. A volante entra de mata adentro em busca dos
sinais que os levariam ao bando de cangaceiros.
Chegando a
determinado local, por ser uma volante paraibana, não atinam no sentido correto
que foram informados. O sargento José Guedes oferece então pagamento em
dinheiro para um rapaz morador da região, Pedro Ferreira de Sousa, conhecido
pela alcunha de Pedro Benedito, que encontram no sítio Saco do Romão, para que
esse os guie até onde estão acampados os cangaceiros. O rapaz se prontifica em
guia-los, porém, dispensa o pagamento em dinheiro e diz para o comandante que
quer apenas uma arma e munição para brigar junto à tropa contra o bando de
Lampião. O Sargento ordena para que lhe deem um rifle e um bornal de bala. De
posse do material bélico, Pedro Benedito se põe no caminho, servindo de guia
para a coluna.
O rapaz/guia
coloca a tropa em cima do bando de cangaceiros no sítio Tenório. Os comandantes
dividem a volante em duas, uma parte fica sob as ordens do sargento José Guedes
e, a outra parte, segue comandada pelo sargento Cícero de Oliveira. O plano
seria a primeira guarnição, com o comandante Cícero, iria atacar de frente e a
outra se colocaria na retaguarda, por trás do casebre, colocando os cabras de
Lampião entre dois fogos. Um imprevisto ocorre infelizmente, o sargento Cícero
é atingido no frontal, testa, e tomba sem vida. Mesmo assim, o sargento Guedes
consegue tomar a casa dos cangaceiros. Porém, esses o fazem ficar alojado
dentro do casebre sem ter chance alguma de sair com seus homens. Esse tiroteio
teve seu início já à tardinha e prolonga-se por toda noite.
A coisa fica
feia para o lado da Força, que sofre uma baixa a cada instante. Pedro Benedito,
o rapaz /guia, tendo gasto toda sua munição contra os cangaceiros, resolve
então sair de estrada afora a fim de encontrar ajuda para o sargento José
Guedes. Teve sorte, talvez o sargento José Guedes, mais do que o rapaz, pois
logo se encontra com a volante comandada pelo tenente Higino José Belarmio. Faz
um breve relatório deixando o comandante a par da situação. O tenente ordena
para aqueles que estivessem portando rifles, que repartissem sua munição com
aquele rapaz. Fazendo uma ‘vaquinha’, entregam, mais ou menos, cem cartuchos
para aquele valente destemido que não tinha medo de Lampião com seus
cangaceiros. Pedro Benedito torna a servir de guia para uma volante na trilha
da guerra contra os bandidos que assolavam a região do Pajeú das Flores.
Ao chegarem
junto ao casebre onde a tropa paraibana, ou o que restou dela, comandada pelo
sargento José Guedes, os homens comandados pelo tenente Higino Belarmino abrem
fogo nos cangaceiros que estavam em volta da casa. O tiroteio fica intenso. A
espoleta cortando, o fumaceiro cobrindo e os gritos dos homens que si
digladiam, assola no pé da serra.
Os
nordestinos, desde muito tempo atrás, têm o costume de brigarem, lutarem,
soltando pilhérias, gritando palavrões ou cantando alguma toada, com dois
intuídos previstos: um seria não esmorecer e dar coragem aos companheiros e, o
outro, é com certeza uma tentativa de desmoralizar seus adversários. Naquele
ferrenho embate, o cangaceiro “Vassoura”, Livino Ferreira, irmão de Lampião, em
determinado momento encontrando-se debaixo de um umbuzeiro e, perto desse
passava uma cerca de faxina, essa cerca é montada com sua madeira em pé, varas,
mourões e estacas são colocadas em uma vala previamente aberta, xingava os adversários
e, de quando em vez, subia na cerca para proferir esses palavrões.
O jovem Pedro Benedito, por estar próximo ao local onde se encontrava
“Vassoura”, escutava com maior clareza o que ele dizia. Não se fazendo de
rogado, Pedro começa a retrucar os palavrões ditos pelo cangaceiro.
“(...) No meio
aos tiros Livino Ferreira ficou próximo onde estava Pedro Ferreira de Sousa:
- Prepara pra morrer sangrado, macaco safado!
- Chega pra levar tiro, ladrão de bode safado! Respondeu Pedro.
- Tu tá pegado é com Livino Ferreira, corno safado!
- É Ferreira com Ferreira. Você aqui tá é pegado com Pedro Ferreira de Sousa!
Livino retrucou:
- Traz tua mãe, corno!
- Traz tua irmã que é mais nova! (diz Pedro) (...).” (Ob. Ct.)
Pedro
Benedito, Pedro Ferreira de Souza, foi um dos personagens que fora entrevistado
pelo autor da obra citada. Referindo ainda sobre essa brigada, cita que, em
determinado momento, um chega perto da cerca e dele se arrastando, nesse
instante, “Vassoura”, que sempre subia na cerca para atirar ou gritar
palavrões, se mostra um alvo completo. O soldado cobriu-o pela mira do fuzil e,
apertando com cuidado o gatilho da arma possante, faz fogo. O projeto passa por
entre as estacas, numa brecha, da cerca e penetra na axila do cangaceiro,
adentrando seu tórax que, ao receber o impacto da bala, despenca de onde estava
e dana-se numa moita de macambiras ficando calado e quieto.
Nesse momento,
nessa baixa sofrida pelos cangaceiros, os cabras ficam malucos. O fogo torna-se
mais acirrado e a coisa endurece, tanto para a Força como para o bando de
Lampião. Uma equipe é formada e, protegida pelos demais, que estão dando
cobertura com fogo contínuo, vão até a moita de macambira e retiram o ferido de
dentro dela. Esses homens já sabem o que farão com o companheiro ferido. Levam
ele por entre a mata cerrada da caatinga para um local determinado. O irmão do
ferido, o chefe Lampião, se incumbe de tentar desorientar os homens da volante,
fazendo com que o presigam, deixando a trilha do ferido sem ser seguida, na
tentativa de salva-lo.
Lampião manda
trazerem uma senhora chamada Espericiosa Teles para cuidar do ferimento, porém,
essa nada pode fazer. O tiro fora fatal.
Há 92 anos, em
cinco de julho de 1925, tombava sem vida um dos cangaceiros mais valentes,
malvado e traiçoeiro que o Pajeú tinha gerado em suas entranhas, Livino
Ferreira da Silva, cangaceiro que tinha a alcunha de “Vassoura”, irmão do
terror do sertão, Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião... Nas
quebradas do Pajeú das Flores.
Algumas obras
literárias trazem em suas entrelinhas que o corpo de Livino Ferreira é
enterrado em determinado local e depois arrancado e transferido para outro
lugar. Seus ossos teriam sido colocados na mesma catacumba, feita sob encomenda
de Lampião para seu primo José Paulo que fora assassinado covardemente pelo
sargento Clementino Quelé, num cemitério no sítio Santana, próximo ao povoado
de Caiçarinha da Penha, no município de Serra Talhada, PE.
Fonte “A Maior
Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 2017
"De Virgolino a Lampião" - Vera Ferreira e Antônio Amaury
Fotos Ob. Ct.
João De
Sousa Lima
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