Por Marcílio
Falcão - Professor de
história da UERN
Resumo:
O presente
artigo analisa a produção da escrita morte do cangaceiro jararaca ( José leite
de Santana) à partir das obras Lampião em Mossoró( Raimundo Nonato), A flor de
romances trágicos ( Câmara Cascudo) e A Marcha de Lampiãoà Mossoró ( Raul
Fernandes), debatendo sobre as construções das narrativas sobre o assassinato
do cangaceiro Jararaca, em 19 de junho de 1927 na cidade de Mossoró.
Em 1955,
RaimundoNonato pública pela Potengi, o livro " lampião em Mossoró" .
O autor reuniu muitos documentos sobre ataque dos cangaceiros a Mossoró.
Notícias de jornais, depoimentos de autoridades civis e militares, boletins
bibliográficos da coleção mossoroense, trabalhos em literatura de cordel como
os de José Pereira lira ( a derrota de lampião em Mossoró) e " À vida de Lampião
nos sertões" bem como o diário do coronel António Gurgel e os depoimentos
dos cangaceiros Francisco Ramos de Almeida ( mormaço) Miguel Inácio dos Santos
( casca groca) é Manoel Ferreira( bronzeado) que apresentam informações sobre a
presença de lampião no Rio Grande do Norte e a trajetória dos seus comandados
em Mossoró.
Quando se
refere à morte de Jararaca, Nonato utilizá as i formações e impressões do livro
" nos tempos de lampião", do escritor cearense Leonardo Mota.
Publicado em 1930, foi esse trabalho que apresentou de forma impressa, os
primeiros comentários sobre a possibilidade de Jararaca ter sido assassinado
pela polícia em Mossoró. No entanto, essa versão só ganha força, em Mossoró com
RaimundoNonato ( lampião em Mossoró, 1955) é Câmara Cascudo ( flor de romances
trágicos,1966) quando suas obras passam a ser lidas tanto pela elite local,
como nos espaços de leitura da cidade ( biblioteca Municipal do colégio
diocesano.
A partir de
"lampião em Mossoró" , outros escritores se debruçam em comentar
sobre as condições em que ocorreu a morte de Jararaca é produzir outros
comentários sobre o acontecimento. Assim, após 28 anos as notícias sobre o
falecimento de Jararaca reaparecem e apresentam detalhes omitidos em 1927. À
maior parte dessas particulidades parte da publicação de LeonardoMota, que
escrevendo sobre o acontecimento, comentava sobre o fim de um dos mais
perigosos cangaceiros que o sertão conhecerá, estando o seu corpo no cemitério
São Sebastião, em Mossoró.
O que
continuava intrigando não eram os diversos é contraditórios relatos que levaram
a sua morte do cangaceiro, mas os significados que passam a ser dados a essas
narrativas sobre a morte de Jararaca. Porque levou tanto tempo para o trabalho
do escritor ser utilizado? As lembranças sobre o ataque traziam à tona as
lembranças sobre a trajetória de Jararaca em Mossoró. Os relatos dos jornais
locais, que na época só publicaram pequenos fragmentos do acontecimento, com
poucas informações, cedia espaço após três décadas as narrativas que tinham
sido silenciadas.
Citando
Leonardo da Mota, RaimundoNonato pública a versão que afirma que "jararaca
morreu, mas não foi de morte morrida, foi de morte matada" é ampliando-a,
do memorialista cearense, cita que ao chegarem ao cemitério, os policiais mostraram
ao cangaceiro: uma cova aberta lá no canto, quase fora do
"
sagrado" e lhe perguntaram para o que era aquilo... foi quando jararaca
falou froncado e destemido. Saber de certeza não sei não mas estou
calculando...
Não é para
mim? Agora isso só se faz porque me vejo nessas circunstâncias, com as mãos
inquiridas e desarmado! Um gosto não deixo pra vocês: é se gabarem de eu pedir
que não me matassem.
Matem!matem!,
que matam mas é um home! Fique sabendo que vocês vão matar o homi mais valente
que pisou nesta.
Essa narrativa
apresenta jararaca como o cangaceiro valente, destemido, que não se curva
diante dos seus inimigos, mesmo que seja em condições que levam à sua morte.
Jararaca é apresentado como um sujeito que desafia seus inimigos mesmo em
condições desfavoráveis. Não foge de seus posicionamentos, não pede perdão ou
misericórdia aos seus carrascos. Mantem-se a imagem do homem valente,
destemido, corajoso, que não se curva diante dos seus adversários. Nota-se que
essas narrativas divulgam certas características dos cangaceiros que estavam
presente no imaginário popular, isto é, os cangaceiros são idealizados como
sujeitos FORTES e corajosos até na hora da morte.
A idealização
de Jararaca como o homem mais valente que já pisou nesta terra vai de encontro
da dubiedade da imagem do cangaceiro para uns, era sanguinário, frio e cruel,
mas para outros era um ser valente, vingador, cumpridor da palavra é que
protege os amigos.
Jararaca passa
a ser apresentado como um sertanejo valente, destemido, que não se abate diante
da morte anunciada. Sua vida de cangaceiro é a tensão de suas atividades no
cangaço em torno da violência podem ter contribuido para transformar suas
preocupações diante da morte, a ponto de te-la como algo muito próximo. As
empreitadas as vilas e pequenas cidades no intuito de saquea-las, fizeram com
que o apego ao sagrado fosse uma constante a esses indivíduos, mas isso não
impedia que o perigo da morte não estivesse presente no quotidiano desses
indivíduos.
Por outro lado
existe a possibilidade do desespero ante a morte anunciada. Nessas condições,
as expressões, matem! Matem! Podem funcionar como válvula de desespero diante
da morte real ou de sua possibilidade. Essas expressões levam os escritores
depoentes a recorrer em e produzirem lembranças sobre tal situação, mesmo
sabendo que a morte não é " fácil de ser encarada como fato
corriqueiro", banal e sem significado mesmo sendo essa sua única condição.
Querer dar a morte um significado é uma tentativa da nossa espécie para nós
proteger do desconhecido e da própria morte. O significado sobre a morte, nesse
caso, passa a ser produzidas em memórias fragmentadas diferentes, presentes nas
obras sobre o cangaço, e que fez circular a noção de morte trágica como
condição que favorece uma ressignificacao do ser social ( no caso o cangaceiro
jararaca) diante da morte, permitindo-lhe a possibilidade do perdão pelos
crimes cometidos em sua vida de cangaceiro.
Assim, quem
morre em junho de 1927 é o cangaceiro jararaca, e quem nasce para uma nova
vida, é o homem José leite de Santana, isso se torna possível na medida em que
os crimes praticados é justificado por sua trágica morte. É nesse momento que
as práticas religiosas presentes na sociedade brasileira, através do
catolicismo popular, são visíveis e produzem a distinção entre o ser
cangaceiro( marcado pela experiência de um espaço social marcado pela exclusão
e violência que fez produzir a imagem do cangaceiro) e o homem José leite de
Santana, vítima de uma feroz agressão. Essas condições são gerenciadas pela
presença de longas tradições cristãs no imaginário religioso em relação à morte
trágica. Sensibiliza-se com o outro, ou com " a morte do outro, mostram a
complexidade da formaçãocultural do nordestino no que diz respeito à suas
práticas e posturas em relação ao mistério da morte.
Essas obras
fizeram circular os acontecimentos que marcaram a morte de Jararaca como uma
transgressão da polícia de Mossoró em 1927. Com mais rigor, o Leonardo Mota ,
narra a cena de morte do cangaceiro da seguinte forma:
Por trás dele
um soldado, naturalnente de combinação com os outros, deu-lhe um tiro de
revolver na cabeça. À bala pegou bem no mole do pé do ouvido, lá nele. O
jararaca amunhecou das pernas e caiu de olho virado. Aí, os soldados o
empurraram com os pés para dentro da sepultura. Só demoraram enquanto tiravam
os ferros das algemas. Quando o cadáver rolou para a cova, fizeram luz é
espiaram:o finado tinha caido de bruços. Mas ninguém se embarcou com isso:por
cima do corpo ainda quente, as pás de terra deram o serviço.
A morte
trágica é narrada de forma objetiva. Jararaca foi morto sumariamente, sem tempo
para se defender e Ainda foi jogado na cova como um animal que não tiveram
direito a um sepultamento. Seu corpo, segundo Leonardo é profanado no ato do
sepultamento, mas com espanto o autor permite entendermos que não houve nenhuma
piedade por parte dos construtores da situação em relação ao corpo que fora
jogado na cova.
Nas duas obras
citadas, percebe-se as diferentes formas de expor a trajetória de Jararaca após
sua prisão. Na primeira o cangaceiro aparece recorrendo ao sagrado como única
forma de se livrar daquela situação, isso favorece sua redenção diante dos que
se sensibilizaram com sua trágica morte. Na segunda, encontramos uma narrativa
que apresenta de forma minuciosa o desenrolar de um extermínio frio e
calculado, quando a vítima se mantém irredutível diante da polícia e os desafia
não temendo a situação que o levaria à sua morte é continua citando a forma
como veio a óbito o cangaceiro é a maneira como seu corpo foi sepultado.
Em uma cultura
influenciada pelo catolicismo, cujos valores relacionados à piedade e
misericórdia são marcantes, a sensibilidade dos indivíduos com as narrativas
orais e escritas das atrocidades cometidas por jararaca, em sua vida de bandoleiro,
ganham novo sentido é passam por um processo de ressignificacao, tendo como
suporte para tal a justificativa de que sua trajetória de bandido era culpa de
uma sociedade que excluía é conduzia à condição de bandido.
CâmaraCascudo
escreveu em flor de romances trágicos(1966) um breve comentário sobre a vida do
cangaceiro Jararaca, desde sua participação no exército, até sua morte em
Mossoró. À narrativa do trabalho de cascudo é ancorada por escritores como José
Otávio Pereira lima, João Martins de Ataíde é LeonardoMota, ambos tecem
comentários sobre o cangaceiro, os dois primeiros através da literatura de
cordel.
Cascudo
organizou essa obra que os fatos são narrados à partir de versos, seguidos de
brevissimos comentários, onde jararaca representa o pior dos cangaceiros. Busca
-se uma sequência cronológica que dê sentido à sua trajetória, desde a
participação no exército, entrada no cangaço, ataque à Mossoró, sua prisão e
morte.
O último poema
do livro é intitulado:vida e morte de Jararaca, nele são expostas certas
particulidades da relação que jararaca mantinha com suas vítimas, na maioriadas
vezes um assassino frio e cruel. É importante frisar que esses poemas
circulavam com facilidade em Mossoró, facilitando o acesso dessa literatura as
camadas mais humildes da população local, bem como a reafirmação(ou nao) dessas
representações de Jararaca. Embora jararaca fosse apresentado como o piordos
cangaceiros, por sua violência, não se deve esquecer que essa literatura também
faz descrições sobre sua morte é mantém a imagem que caracterizou os
cangaceiros como feras vis e asquerosas como apresentam as estrofes abaixo:
No dia 19 à
madrugada,
A noite estava
escura e tenebrosa,
O tenente em
condução bem preparada,
Transportou a
fera vil e asquerosa,
Na estrada
jararaca quis correr,
Foi pior, que
mais tarde veio a morrer!
Pesada luta a
fera assim travou
é quase que
fugia dessa vez
Se não fora um
soldado que o agarrou
Com força
destemida altivez
Jararaca foi
morto de punhal,
E enterrado
num puro lamaçal
CASCUDO,Camara
jararaca,2 Ed. Mossoró.
Fundação vingt
un
Rosado
ICOP
REVISTA DO
INSTITUTO
CULTURAL
DO OESTE
POTIGUAR
NÚMERO12
SETEMBRO DE
2010
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